FUMAÇA MÁGICA

HUGO CARVALHO*

 

Arte e Prazer para os bons momentos da sua vida

100 MEUS CRIADOS 27/08/03
099 FERMENTANDO FUMOS 15/08/03
098 CONCEIÇÃO 08/08/03
097 A CHAVE DOS ENIGMAS 30/07/03
096 FUMO SEM PRESSA 18/07/03
095 PAIXÕES E GESTOS 03/07/03
094 As Almas dos Charutos 24/06/03
093 O Dogma do Charuteiro 13/06/03
092 Seduções Cromáticas 04/06/03
091 Charutos Amantes 24/05/03
090 Meninos, eu vi 14/05/03
089 O Sabor da Casa é o Melhor 02/05/03
088 Fazer Charutos, coisa de Mulheres 24/04/03
087 É Proibido Fumar? 10/04/03
086 A Magia do Charuto 29/03/03
085 RepositÓrios de Emoções 17/03/03
084 O CHARUTO PREDILETO 06/03/03
083 O SANTO VELA. O CHARUTO REVELA. 21/02/03
082 UM CHARUTO ÀS AVESSAS 11/02/03
081 ARTE & PRAZER 25/01/03
080 PENSO, LOGO EXISTO 14/01/03
079 FELIZ 2003 26/12/02
078 FELIZ NATAL 2002 17/12/02
077 O MARKETING DOS CHARUTOS 01/12/02
076 O BOM PURO É COMO O VINHO 18/11/02
075 ALTA ANUNCIADA - O DÓLAR E OS CHARUTOS 03/11/02
074 UNIVERSOS CHARUTEIROS 28/10/02
073 REMINISCÊNCIAS FUMAGEIRAS 14/10/02
072 AS FITINHAS DO BONFIM 01/10/02
071 OUÇO, COMO, FUMO E ESCREVO 20/09/02
070 FUMAR É UM PRAZER 09/09/02
069 SEMPRE APRENDENDO 29/08/02
068 OS CHARUTOS DA INFÂNCIA 12/08/02
067 PUROS PECADOS 02/08/02
066 MOMENTO A DOIS 22/07/02
065 MEU MARKETING 15/07/02
064 A MAGIA DA FUMAÇA 01/06/02
063 CUBA’NTIGA 23/06/02
062 FONTE DE INSPIRAÇÃO 10/06/02
061 PUROS TEXTOS 31/05/02
060 MULTIPLICADOR COMUM 20/05/02
059 “ESCAPARATE” E “REZAGOS” 10/05/02
058 SILENTE CUMPLICIDADE 30/04/02
057 FUMANDO PIRÂMIDES 19/04/02
056 GABRIELAS 11/04/02
055 SIAPED ADREM 01/04/02
054 CONTRA-SENSO 15/03/02
053 NINGUÉM É DE FERRO 06/03/02
052 TUDO COMO DANTES 15/02/02
051 MERCADO NACIONAL DE CHARUTOS 18/08/01
 

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 151 ATÉ 200

 
 

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 125 ATÉ 150

 
 

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 101 ATÉ 125

 
 

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 001 ATÉ 050

 

100.    MEUS CRIADOS

Vou lhe provocar inveja!

O grande Eça de Queiroz deu a conhecer a cidade portuguesa na qual nascera, ao declarar “Eu sou, apenas, um pobre homem da Póvoa do Varzim!”. Plagiando o mestre lhe afirmo ser eu, apenas um pobre homem do Rio Grande, vivendo na Bahia.

Mas como diz o fado, “a beleza da pobreza está nesta grande riqueza” de, vivendo no interior baiano, em São Gonçalo dos Campos, cidade pobre, poder me dar ao luxo de manter três serviçais solícitos, a um custo irrisório.

Às vezes, confabulando com meu charuto, me sinto até encabulado posto – é duro confessar – me faltarem recursos para compensá-los na justa medida dos serviços que me prestam. O que lhes tenho dado em troca é um quase-nada, muito próximo do esquecimento.

Tive sorte na vida. Além dos meus charutos, meus criados (permita-me o malcriado termo) insistem em estar sempre a meu lado.

E, não dispondo em minha casa, de dependências de empregados, reminiscência das senzalas, enfrento, não sei até quando e como, problemas para alojá-los. Acomodo-os aleatoriamente, ao sabor das circunstâncias.

De nada vale dizer os nomes de meus fiéis escudeiros. Basta citar suas iniciais: C, P e M.

Quando peço um de meus charutos, P prontamente acorre. Se quiser passar por algum lugar C logo aparece. Se necessitar de qualquer coisa P é especialista em atender sempre. Mas, sempre mesmo!

É incrível. Antes de fumar num local no qual não estou acostumado a fazê-lo, C se faz presente como se surgisse do nada. E quando recebo dádivas, favores, pedidos, M se regozija.

No meu trato diário com a família ou com os companheiros de trabalho, o criado P insiste em sempre estar comigo. Sou, enfim, patrulhado noite e dia pela criadagem que faz minha maior riqueza. E frente à qual agora me redimo citando suas qualidades.

Com a licença do Amigo me permito, assim, tratar do tema.

Por favor, não se apoquente nem me inveje. Ao degustar seu próximo charuto, medite do quanto vale a pena a tranqüila vida no interior tendo três criados.

E, para encerrar, meu muito obrigado pela paciente leitura desta crônica que só ficará clara, quando lhe informe os nomes completos de meus serviçais.

C = Com licença. P = Por favor. M = Muito obrigado. 

Muito obrigado uma vez mais. Até nosso próximo encontro.

099.    FERMENTANDO FUMOS

Ao se falar de charutos e seus fumos, o tema relativo à fermentação destes é recorrente. Nos meios charuteiros, volta e meia, se fala disso. O que é e qual sua importância para a qualidade dos puros é indagação, vezes muitas, sem resposta.

Explicar, passo a passo, o processo fermentativo dos fumos, redundaria num monótono tratado técnico. Intentarei faze-lo de forma resumida e digerível. Inicio acendendo meu Robusto Mata Fina e, olhando para ele, me inebrio e inspiro.

Você sabe. O fumo é um vegetal de ciclo rápido que nasce, cresce e seca, morrendo aos poucos, para dar prazer. A coisa, assim dita, parece simples. Plantar-se-ia hoje e, a exemplo do feijão ou do milho, em três meses teríamos matéria prima para produzir charutos. Não vou falar do plantio, dos tratos culturais e das técnicas da operação de secagem (pré-fermentação), subseqüente à colheita. Seria outro tratado, desta vez agronômico.

E agora vou ter que pedir perdões, por ter que me alongar e  recorrer a um palavrório um tanto quanto  técnico, digamos. Mas não tem outro jeito. Encare o texto. Prometo ser o mais ameno possível. De saída, por importante, registro que meus comentários se restringem aos tabacos-negros, aquele que os gringos chamam de dark-air-cured.

O fumo apenas seco não serve. É necessário fermenta-lo para desvendar-lhe os esplendores do sabor, da cor e da trabalhabilidade. A fermentação correta melhora, em muito, fumos de uma safra apenas regular. A má fermentação acaba com a qualidade da melhor safra do mundo.

São várias as transformações físico-químicas que caracterizam o processo, ressaltando-se entre elas: uma variável redução do teor de nicotina; a eliminação dos carboidratos solúveis; o desprendimento de gás amoníaco; a redução do grau de higroscopia e a alteração do pH que se torna mais alcalino. Tais evidências sugerem uma reação química de oxidação que, além de complexa é, ainda, parcialmente compreendida.

No caso dos tabacos o processo da fermentação se deve à ação das bactérias aeróbias. Traduzindo em miúdos, microorganismos unicelulares que, encontrando condições ideais (oxigênio e alta umidade relativa) multiplicam-se de forma fantástica. Uma só bactéria é capaz de se transformar num milhão delas, em cerca de 15 horas.

Lembrando de um velho conhecido nosso, o colesterol, eu poderia dizer que as bactérias aeróbias são as boas bactérias.  Acontece que com elas convivem as anaeróbias, as más bactérias. Aquelas que, não dependendo de oxigênio para se reproduzirem, são as responsáveis pelo processo de putrefação, o qual não deixa de ser uma forma especial de fermentação. As más bactérias vivem no meio ambiente: na matéria orgânica em decomposição no solo, na lama do fundo dos lagos.

O bom fermentador de tabacos cuida em favorecer a proliferação das boas bactérias e de tornar impossível a sobrevivência das más, que são as responsáveis pelos fumos “amargos”, sem sabor, “fracos”, “sem vida”.

E o que faz ele? Reúne determinada quantidade de folhas secas, amarrando-as pelos pés dos talos, formando o que chamamos de “manocas”. Após isso, as seleciona e umedece de forma adequada, a depender da textura e cor do tabaco seco, do seu grau de secagem e dos resultados pretendidos. Quanto mais homogênea for a pré-escolha seletiva dos fumos a serem fermentados em conjunto, tanto melhor o resultado. Conseguir-se tal uniformidade não é fácil, nem segue normas rígidas. Cada safra é uma safra. O importante é que o fermentador reconheça para qual finalidade se destina ou se vocaciona o fumo a fermentar. Se for para capas é uma coisa. Se for para fillers (buchas), a história é outra. Fumos há, inclusive, que podem ser fermentados em folhas soltas.

Com as “manocas” umedecidas formam-se as “pilhas de fermentação”, dispondo-as em quadriláteros (não necessariamente) com as pontas dos talos voltadas para a parte externa e as pontas das folhas para a interna. As pilhas (por uns, chamadas “camas”) têm alturas variáveis, a depender tanto da natureza das folhas (se são mais ou menos encorpadas), quanto da fase do processo de fermentação propriamente dito.

Você observou que falei em se umedecerem as folhas para fermenta-las? Pois é. Quer-se com isso criar condições para a proliferação das boas bactérias. Mas todo cuidado é pouco.  Água em demasia, além de provocar o risco de mofo, enegrecerá e manchará tabaco.

Feitas as “pilhas de fermentação” as boas bactérias começam a desempenhar seu papel, provocando uma reação que desprende calor (exotérmica). Há então que se monitorar as evoluções da temperatura e do grau de umidade, formando-se um gráfico de acompanhamento. Atingido determinado patamar é hora de “virar-se” a pilha e às vezes até, de associada à operação da “virada”, unirem-se numa nova pilha, fumos oriundos de duas pilhas outras, anteriores e separadas. Fumos que estavam no núcleo da pilha (os que, na realidade, bem fermentam), trocam de posição com os fumos que estavam em baixo, em cima e na camada externa.

E aí, minha gente, é muita observação, dedicado acompanhamento da cor e do aroma, testes de degustação, até se decretar quando o fumo está bem fermentado à finalidade a qual se propõe.  E quanto tempo leva isso? Uns seis a oito meses. Só então é que os tabacos estarão prontos para que se possa prosseguir nas etapas subseqüentes: a classificação, o destalo quando for o caso, a bitolagem, até se chegar no enfardamento.

Em se tratando da “virada” das pilhas de fermentação, os fumos para bons charutos exigem várias delas. Se Você quiser chamar cada pilha (etapa) como uma “fermentação”, poderá então dizer que o fumo sofreu três, quatro, dez “fermentações”. Mas, na verdade, isso é meio folclórico. Ninguém dá mais “viradas” dos que as exigidas pelo processo. Primeiro por que seria se acrescerem custos desnecessários; segundo por que, atingido o “ponto certo”, daí para frente, seria incorrer em riscos de comprometimento da qualidade do tabaco. 

O bom disso tudo, apesar de me ter alongado em seara alheia onde não há unanimidade de pontos de vista, é que assim como os fumos fermentam, os charutos fomentam. Amizades e prazeres.

098.    CONCEIÇÃO

Cauby Peixoto, em meados dos anos cinqüenta, explodia em voz, com a inesquecível melodia “Conceição”. Não há quem, da “velha guarda”, ouvindo tal nome, deixe de recordar o verso-mote da referida música: “Conceição! eu me lembro muito bem”. 

Para nós do Recôncavo Baiano, envoltos em fumos os dias todos, Conceição é bem mais que a famosa canção. É a forma simplificada de nos referirmos à Conceição da Feira, cidade onde funciona a filial da fábrica de charutos Menendez & Amerino, de São Gonçalo dos Campos. 

Em Conceição, onde trabalham cerca de 150 mulheres, estocamos os fumos produzidos por lavradores das regiões Mata Fina e Mata Norte. E é lá que, sob o comando do cubano master-blend Arturo Toraño, se processa o beneficiamento dos tabacos Brasil-Bahia, os tornando apropriados a se transformarem, depois, nos bons charutos brasileiros. 

É a ponta do iceberg desapercebida por aqueles que se limitam a visitar a fábrica dos charutos Alonso Menendez. Nesta, como nas demais fábricas de puros, se trabalha com os fumos já beneficiados. É preciso ir à Conceição para que nos lembremos muito bem, e melhor entendamos, a complexa e demorada etapa que liga o fumo verde, apenas seco, vindo das plantações, ao artesanato charuteiro. 

Tirante as várias etapas do beneficiamento, as quais requerem conhecimento técnico especializado, se ressalta em importância, pelo tempo demandado e por sua complexidade, o processo de fermentação dos tabacos. 

A palavra fermentação aflora, de tempos em tempos, no linguajar freqüentado por consumidores e produtores de charutos, sem porém se deixar claro do que isso se trata. O termo é usado para acrescentar charme e appeal ao produto final. Compreensível e justo. Hora dessas irei escrever sobre a fermentação dos fumos para charutos. 

Mas, voltemos à Conceição, cidade-maior da transformação dos fumos da Bahia. No nosso armazém de beneficiamento, em meio ao penetrante e característico odor exalado por toneladas de fumos em processo, mãos e olhos, afeitos e treinados por anos de labuta, num doce farfalhar, separam os tabacos por classes e texturas. Ao olhares leigos, sendo tudo fumo, as operações parecem operações ilógicas. Fumos inicialmente classificados como “altos”, “baixos”, “122”, “trintinha”, “MO”, se convertem numa babel de codinomes, ainda mais estranha: “FL-1”, “FL-2”, “FL-3”, “YA”, “XA”, “XB”, “XXA”, etc. 

Tudo isso para que, muitos meses após, através dos seus charutos, Você possa se deliciar com a exclusiva doçura e o esplendoroso aroma dos inigualáveis fumos nascidos em terras baianas.


097.    A CHAVE DOS ENIGMAS

Pais há que ao escolherem nomes para filhos, ora se inspiram em alguém da família, ora se auto-homenageiam. Eu mesmo procedi desta última forma dando ao meu terceiro filho, o primeiro dos varões, meu próprio nome. Condenei-o a ser Hugo para o resto da vida. Pura falta de imaginação! Também pudera. Na época eu ainda não convivia com a fumaça mágica dos charutos.

Anos passados, então com meu motor 5.8, volto a ser pai de outro menino. Sendo este, o nono de uma série decimal, eu esgotara o estoque de nomes da família. Acendi um puro em busca de inspiração. Sentia-me hígido, pleno de vitalidade e forçosamente jovem para encarar a extemporânea paternidade. Eureka! Por entre a enfumaçada névoa de meu charuto-conselheiro, matara a charada. A solução estava ali, em mim mesmo. Outra auto-homenagem. O menino chamar-se-ia Júlio.

O nome Júlio tem a mesma raiz da palavra jovem, significando cheio de juventude. Era como eu me sentia, então, naquele especial momento da vida. E, de quebra, para não fugir a regra cultural das puxa-saquices familiares, correspondia ao nome da bisavó materna, ainda viva, e por sinal, cheia de juventude. Matara, assim, dois coelhos de uma só porrada (antigamente se dizia cajadada). Feliz e satisfeito, continuei desfrutando aquele Alonso Menendez Robusto, um dos meus inesquecíveis charutos vividos.

Nada como um bom puro inspirador nas encruzilhadas da vida. Veja que eu disse encruzilhadas da vida. Se fosse só uma simples encruzilhada, ficaria muito mais barato usar uma dessas regalias de balaio, feita em fundos de quintais baianos.

O charuto, para quem o aprecia e compreende, detem a chave de todos os enigmas. Induz ao relaxamento corporal e permite que o cérebro, descompromissado das tensões, encontre sempre o melhor caminho a ser seguido.

Que assim seja com Você, em tais momentos.

 


096.    FUMO SEM PRESSA

Como grandes vinhos maturando à sombra, como crianças dormindo ao berço, assim trato meus charutos.

Aquilo em que acreditamos e sentimos em nossas mentes, é mais determinante do que aquilo que possuímos. Convivemos com isso desde nossas origens. Eu creio, no fundo d’alma, nos prazeres mágicos dos charutos. Tanto, que vezes há, que mesmo sem eles por perto, falo deles. Mesmo à distância, sei que maturam à sombra e, dormitando em paz, me esperam. 

Alegrias? Abro a caixinha de pandora e escolho um puro. Aflições? Desperto um deles para “conversarmos”. E assim, de charutos em charutos, de alegrias em alegrias, de aflições em aflições, vou vivendo. Pois o que vale mesmo, não é o charuto em si. É o que ele representa. Bengala? Se assim Você pensa, que assim o seja. Feliz do homem que, chegada a madurez dos anos, tenha para apoio, apenas um singular charuto. 

Singular sim, posto que quando feitos a mão, como os nossos Alonso Menendez e Dona Flor, plurais não há. Cada charuto tem sua singularidade e sua vida própria. A qual, como já afirmei em antiga crônica, não se extingue com ele. Prossegue na evocação do momento vivido. Um velho amor que deixou saudades. Saudades que estou de Você dileto amigo. 

Conforte minhas saudades e garanta seu prazer de fumar seus puros, entrando em contato comigo. 

Daquilo que lhe abasteço – os melhores charutos brasileiros – eu sei que Você gosta e se Você aprecia também o que escrevo lhe peço, por favor, recomende-me a seus amigos. 

Como me localizar Você sabe. 

Minha vida é essa. Escrevo a bessa e fumo sem pressa.

Tchau e bênção.


095.    PAIXÕES E GESTOS

Charuto tem cheiro de pai em casa.

Anos passados, numa de minhas crônicas, registrei a expressão de uma de minhas filhas ao me saber em casa, pelo aroma de meus inseparáveis charutos.

Há pouco tempo atrás, a filha de um amigo e cliente me escreveu dizendo-me que seu pai falecera, mas que o marido dela, herdara do sogro, a paixão pelos charutos. E mais. Pedia que substituísse, em meu cadastro, o nome de um pelo do outro.

Respondi-lhe falando da nossa eternidade. Da biológica, pelo DNA, e da autêntica, pelos nossos atos, gestos, paixões, gostos e exemplos.

Quando eu me for, tenho certeza que à visão de um singelo charuto, ou quando o aroma de um puro invadir as narinas de meus filhos, eles se recordarão de mim. Eternizei-me. A meus netos, seus filhos, eles falarão disto.

E eu estarei, de tal forma, presente em suas vidas.

A vida é feita de paixões e gestos que se perpetuam na memória dos contemporâneos. Minha paixão pelos puros e pelos gestos que a acompanham, da mesma forma que acontece com Você, se gravará na memória daqueles que viverem mais do que nós.

Por isso há que se aproveitarem os bons momentos, fazendo deles, na companhia de nossos charutos, inesquecíveis instantes. Para nós e para os circunstantes.

Já disse e repito. Não fume charutos simplesmente por fumar. Fume-os sabendo que alguém lhe ama ou que alguém lhe inveja. Amor dos próximos que aprenderam a respeitar seu prazer. Inveja dos distantes que ainda não aprenderam que depois de um outro, este é um dos melhores prazeres da vida.

A eternidade é um instante. Até já!

 


094.    AS ALMAS DOS CHARUTOS

Temos duas almas. A do homem interior com seus dilemas e problemas, muitas vezes mal conhecidos por nós mesmos, e a alma exterior, a imagem que passamos para os outros. 

A alma interior é invisível, como invisíveis são os fillers dos charutos.

A alma externa é aquela que se veste de verde-amarelo em dias da Copa; aquela pela qual queremos ser reconhecidos; é a capa dos puros.

O perfeito balanceamento entre nossas duas almas, tornando-as tão próximas, uma da outra, quanto possível, é que nos transforma em seres equilibrados, ajustados à realidade.

Igualmente aos charutos. De nada vale uma capa excepcional, uma alma exterior belíssima, se faltar essência e conteúdo. Mil vezes melhor, a recíproca.

Embora o mundo costume julgar pelas aparências quantas vezes, em sua vida, Você já ouviu que elas enganam? Diz-se que por causa de uma cara feia, perde-se um bom coração. São as duas almas emergindo no mar da sabedoria popular.

Nossos charutos, tendo como filler os nobres fumos da Bahia, privilegiam a alma interior brasileira, não enganando a ninguém. E é por isso que, muitas vezes, ao empunhar um puro, fecho os olhos para eventuais imperfeições da sua capa. Acendo-o, permitindo a fusão de suas duas almas e descubro o quanto teria perdido se julgasse pela enganosa aparência.

Em minhas crônicas deixo entrever muito de minh’alma externa e, vez ou outra, um pouco da alma interior. Atingirei a perfeição quando aquela se igualar a esta.

Fumando puros as coisas são mais ou menos assim.  A perfeição está no descobrir-se o justo equilíbrio. Diziam os latinos: in médio virtus. Virtude que habita entre a moderação vidente, tutora da sabedoria, e o prazer cego, capaz de levar a todos os desatinos.

E aí, tal qual o moto-perpétuo de Paganini, acabamos voltando ao começo desta crônica.

Desligue-se do mundo. Acenda seu próximo charuto e, apenas com seu pensamento, aproxime as almas dele, às suas. Adeus conflitos. Você se souber encontrá-las, sentir-se-á, por certo, um outro homem.

Do fundo d’alma, almejo-lhe tal encontro.

ET. Se o Amigo quiser se deliciar com inigualável abordagem das duas almas humanas, (re)leia o conto O Espelho – Esboço de uma nova teoria da alma humana, de Machado de Assis.


093.    O DOGMA CHARUTEIRO

Contraditar dogmas ou verdades, como tal assumidas, implica, dentro dos nossos (pré)conceitos, em atitudes heréticas.

Millor Fernandes, saudoso escritor de fino humor, declarava que livre-pensar é só pensar.

Bem pensando e bem pesando tais coisas, numa manhã dominical, eu e meu charuto conversamos a respeito da forte tendência que temos de chamar heréticas, atitudes que fogem aos padrões comportamentais estatuídos.

O fato é de tal grandeza que fumadores de puros há, temerosos em serem considerados heréticos pelo simples fato de pensar numa singela cigarrilha.

Não há dúvida, millorfernandeslivrepensando que aí estão presentes influências de nossa formação histórico-católica.

Contrariou o dogma? Fogueira nele.

Desafiou as verdades vigentes? Excomunhão.

Penso que tais medos extrapolaram os religiosos muros da fé estendendo-se ao dia a dia de todos nós. E que barreiras foram erguidas para proteger atos e atitudes que no fundo, bem no fundo mesmo, visavam interesses de manutenção do status quo das chamadas classes dominantes.

Por isso, tantas contradições enfrentamos. Uma delas, só para ficar restrito ao meu negócio, o fato de que os amantes da arte e do prazer de fumar charutos, para serem puros, só podem fumar puros.

E indago ao meu puro: Onde está a imperfeição de deixar-te, por alguns momentos, trocando-te por algo semelhante?

Os ortodoxos tremem ante tal livre-pensar. Afinal, aquilo que nos ensinaram não era bem assim. Aprendemos que uma vez Flamengo, sempre Flamengo.

Porque flamengar sempre se, vascainamente, posso torcer pelo Fluminense?

É por tais razões que, confesso amante dos Alonso Menendez Robustos Claros, volta e meio os traio com minhas escurinhas Dona Flor Mata Fina ou com, como agora em que poucos instantes faltam para o almoço, com minhas adolescentes Gabriela.

Sem preconceitos e sem o infundado temor de ser considerado herético.

Ai daquele que, envelhecendo, não tenha aprendido a pensar!

Até já!  


092.    SEDUÇÕES CROMÁTICAS

Quando a gente gosta do que faz, fazer e prazer confundem-se. Não é segredo para Você que, entre outras tantas coisas, duas há que me são gratas: fumar charutos e escrever sobre eles.

Faço-as, eu sinto, com a naturalidade de quem come ou de quem dorme. E, como me são prazerosas procuro, nos meus textos, fugir dos lugares-comuns do tipo que Você encontra no verso das embalagens, nas bulas de medicamentos ou nos catálogos dos produtos em geral. Persigo a originalidade mostrando quanto o charuto participa da minha vida e quanto os fatos e seres, que me rodeiam, podem ser fontes de inspiração para falar deles.

Há poucos instantes um amigo e cliente, ora residindo no Paraná, ligou-me para bater papo, informando-me mudara de ramo e dizendo-se feliz da vida, pois estava com seu rebento, de dois meses, ao colo.

A lembrança de meus dois últimos filhos, os caçulinhas da prole, foi imediata. Recordei certo dia, ao chegar em casa para o almoço, mais tarde do que de costume, os dois, lado a lado, angelicalmente já dormiam.

A proximidade deles permitia distinguir, com nitidez, as diferenças da tez entre ambos. Embora muito parecidos a ponto de amigos meus que os conhecem chamarem de “clone” ao segundo, o maiorzinho é daquela alvura que o sol avermelha e o pequerrucho tem a pele baiana-moreno-bronzeada. Genes do pai e da mãe presentes.

De pronto lembrei dos meus charutos.

Cansam de me perguntar se prefiro os de capas claras ou os de capas escuras, como se amor e cor fossem algo mais que simples rima.

Assim como amo a meus dois filhos de distintas tonalidades da tez, adoro meus charutos claros e escuros, dividindo entre eles meu afeto.

Ora, um filho requer atenções.

Ora, um charuto apela ao paladar.

Ora, outro filho exige cuidados.

Ora, outro charuto seduz.

Atenções e cuidados, apelos e seduções confundem-se tornando o fazer prazer, e vice-versa.

Por isso não me pergunte de qual mais gosto. Descubra Você mesmo, os momentos próprios para estar com um, ou com o outro. Ou se não o descobrir, deixe sem pressa, que a vida lhe ensine.

O tempo é o senhor da perfeição.  


091.    CHARUTOS AMANTES

Ingressar em certas ordens secretas requer a apresentação por um dos seus integrantes, a aprovação pelos demais membros, a iniciação, a continuada presença e o estudo para o aperfeiçoamento. A rigor, não é somente em ordens tais que as coisas assim funcionam. De modo geral, em tudo na vida e ela mesma, excetuando-se um ou outro dos requisitos elencados, as coisas seguem a seqüência ingresso, iniciação, participação e estudo. A Confraria Charuteira, tirante a aprovação pelos seus integrantes, não foge à regra.

Um belo dia Você é apresentado ao charuto. Se o for por um amigo as coisas ficam mais fáceis. Se Você, entretanto, decidiu optar pelos puros, cambiando os cigarros por estes, ou porque julgou o ato de fumá-los charmoso e requintado, não conhecendo alguém da confraria, a iniciação se complica.

Ingressar na arte e no prazer de fumar requer conhecimento do ato em si, bem como de aspectos da intimidade e da vida dos mágicos rolinhos de fumo. No começo, eu sei, é difícil. Afinal o neófito não está acostumado a toda uma simbologia onde significante e significado se mesclam, transformando-se em azuladas fumaças.

Baseado em minha experiência afirmaria que o novato, para ingressar na Ordem Charuteira, não deveria começar por acender seu primeiro charuto. Acendê-lo já é parte do rito e, fatalmente, por força do seu despreparo, será logo reconhecido com um estranho no ninho.

Eu recomendaria, isso sim, que tendo em mãos uma caixa de puros fosse, aos poucos, desvendando seus segredos e mistérios. Para isso deveria valer-se de três dos seus sentidos. Como se fosse um novo amor. Com o tato, apalpando-os; com o olfato, inebriando-se com seu perfume; com os olhos, reconhecendo-os. Enfim, o pretendente deve, antes de tudo, enamorar-se.

Ninguém sai do namoro para o casamento de forma instantânea. Para casar é recomendável que o cônjuge conheça o máximo possível da vida do futuro consorte. Por isso, durante o enlevo inicial, ouvir amigos mais experientes no métier, mal nenhum faz. Ao contrário.

Nada de pressa. Inimiga da perfeição a pressa, a quem pretende aprender a degustar puros, provoca – e quantas vezes já vi isso na vida – engasgos, enjôos, tonturas, mal-estares. Não se deve ir com muita sede ao pote. Ai daquele que, sem ser iniciado, atreva-se! Faz-se mister presença amiga e experiente para mostrar como beber a água toda, sem se afogar ou, no caso, como degustar o puro inteiro sem a inadequada pressa de amores furtivamente mal vividos. E, findo o charuto, aprendendo a curtir o retrogosto, saber arquivar no seu relicário íntimo, os aromas, perfumes e sabores daqueles momentos de prazer vividos na ímpar companhia consumida.

Com um detalhe. Charutos não são amantes fugazes. Assim encarados não servem.

São amores que quando chegam, respeitado o ritual iniciático, chegam para a vida inteira. E não se deve levar em conta a freqüência, se diária, semanal ou mais espaçada. Quem dá o ritmo é o iniciado, na medida em que o mesmo lhe apraza.

Importante é que Você, após ingresso na ordem, a cada momento eleito para o declarado gesto de amor, o faça com crescente arte, engenho, perfeição e zelo.

Como espero que Você, Amigo Charuteiro, aja sempre ao acender seus charutos.

Um novo amor. Vivido com a experiência acumulada de amores antigos.  


090.    MENINOS, EU VI.

Foi numa noite de 2003. Meninos, eu vi. A alegre felicidade de gente aprendendo a produzir prazer: as “torcidas” saindo de mãos inábeis, juntando e enrolando folhas cujo tato lhes era novo e, portanto, estranho.

Meninos, eu vi. As úmidas folhas distendidas sobre tábuas alvas, ainda virgens, tentando se contrair, opondo-se ao espalmar das mãos aprendizes. Eu vivi, como testemunha daquele apostolar encontro, a colorida emoção ampliada pela tela mágica que captava e transmitia os ritualísticos gestos, e vi 24 mãos, duas a duas, intentando transformar folhas de fumos em rolinhos que são arte e dão prazer.

Meninos, eu vi, e ouvi segredos do fazer charutos saídos da mais baiana das bocas cubanas, a de Félix Menendez, o pai dos puros Alonso Menendez e Dona Flor.

Foi num maio paulista quase inverno que eu vi, meninos, gente amadamente qual meninos, dar os primeiros passos do fazer e começar a soletrar as primeiras letras da palavra Charuto. Que ali, eu vi, não se escrevia com C. Escrevia-se com A. A de arte, A de amor, A de aprender.

E vi, meninos, sentados ao fundo da inolvidável cena, velhos e novos amantes do fumar puros, formando silente platéia de olhares encantados – como o meu que lá estava – vendo o desvendar segredos de uma arte secular.

Atores e platéia viveram – eu vi, meninos – um momento inesquecível. E, fascinados como os doze apóstolos da ceia, todos ouviram do Mestre Félix Menendez, que charutos não se escrevem com C. E, ao final da cena da transformação do fumo em puros, cada ator recebeu a tábua sobre a qual operara o milagre, devidamente autografada. Uma material prova da presença, um dia, do Mestre entre eles. Pela primeira vez em suas vidas e, pela primeira vez, na história dos charutos brasileiros.

Meninos, eu vi. Lastimo que Vocês não tenham visto.  


089.    O SABOR DA CASA É O MELHOR.

Hoje já não se pode afirmar com segurança que o charuto que pende nos lábios mais exigentes seja, fatalmente, um cubano.

Depois que a gente aprende a fumar; depois que a gente desembolsou mais do que devia com marcas norte-americanas ou holandesas, atraída por suas embalagens ou, ainda, depois que descobrimos que gastamos mais do que o necessário com marcas cubanas ou dominicanas, seduzidos por suas famas, a gente encontra nos charutos do Brasil o melhor binômio custo-benefício.

Com o tempo aprendemos a escapar das armadilhas mercadológicas que costumam enganar os mortais comuns. Por isso cada dia mais, a gente brasileira prefere os puros brasileiros.

Os charutos Alonso Menendez e Dona Flor encontram-se num patamar de excelência que rivaliza com as mais afamadas marcas mundiais. E, adicionalmente, a preços mais atraentes.

Entendo que muitos de meus amigos, quando viajam ao exterior, adquiram marcas estrangeiras. Acho isso ótimo. Eu mesmo já o fiz, algumas vezes.

É bom, em vários aspectos da vida, e os charutos não fogem à regra, provar-se um pouco das coisas fora de casa. Muitas vezes somos surpreendidos com doces gostos do querer mais. Outras, com os amargos sabores do arrependimento. Mas, doces ou amargos, os fugazes momentos nos induzem à conclusão que o sabor da casa é, ainda, o melhor. O mais confiável. O que nunca lhe deixa na mão.

Saia! Viaje! Divirta-se!

Não esqueça porém que, na sua volta, carinhosa e pacientemente, seu fiel escudeiro Alonso Menendez e sua amiga baiana Dona Flor, estarão lhe esperando.

Da mesma forma que eu, carinhosamente trato meus charutos, esperando contar com sua paciente leitura.  


088.    FAZER CHARUTOS, COISA DE MULHERES.

Nesta Fumaça Mágica falarei consigo de “fumas” e de “galera”. Em Cuba, antes da revolução castrista, as manufaturas de charutos representavam valioso segmento da atividade empresarial do país. À época, a atividade tinha tal volume e importância que, ao contrário do que acontece conosco, onde há um só sindicato de empregados ligados ao tabaco, lá havia um sindicato para cada departamento fabril. Imagine Você. Havia um sindicato de charuteiros, um de “rezagadores”, outro de “escojedores”, outro mais de “anilladores”, um sindicato de “fileteadores”, et caterva.

A sofisticação chegou a ponto de haver lei segundo a qual, cada empregado tinha direito a cinco charutos diários gratuitos. Era o que os cubanos denominavam de “fumas”. Este termo foi incorporado ao jargão da Menendez & Amerino, passando a significar aqueles charutos que a turma da fábrica pode fumar a vontade. Contabilmente, a conta “Rotos e Fumas” é formada pelos puros que, por qualquer motivo, tiveram que ser desmanchados, com os charutos fumados graciosamente.

Eu fumo muitas fumas, também chamadas de “rezagos”, assunto que, aliás, foi objeto de uma de minhas crônicas passadas.

Mas, voltando à Cuba, a área onde ficavam os (as) charuteiros (as) chamava-se de “galera”, outra palavra que usamos, aqui na Menendez, no dia a dia da fábrica. A origem do uso desta denominação perde-se no tempo. Sendo galera um barco movido à vela e remos, creio que a palavra tenha sido incorporada por força de similaridade. Um monte de gente fazendo, de forma compassada, a mesma coisa.

Veja Você que, acima, ao me referir aos cubanos que fazem charutos deixei entrever como sendo homens e mulheres. E de fato, em Cuba, mesmo nos dias de hoje, a atividade é exercida pelos dois sexos. Já na Bahia....

Ah! Na Bahia, o bicho pega! Historicamente, não me pergunte por que, o bicho sempre pegou: fazer charutos é coisa de mulher. Nas coxas, segundo o folclore. Na Bahia, homem que se preza faz de tudo numa fábrica de charutos, menos charutos. Agora, pasme. Quem ensinou e treinou nossas primeiras charuteiras, ao final dos anos setenta, foi um cubano, Evélio Oviedo que conviveu conosco por larga temporada. Mesmo assim nunca houve homem nenhum, destas bandas, que se atrevesse ao métier.

E é, considero eu, dado ao fato de nossos charutos nascerem, apenas, de mãos femininas que eles têm o charme e o encanto que fazem a alegria dos homens. Como o Alonso Menendez Especiales que desfruto, enquanto me comunico consigo.

Pense nisso na próxima vez que Você for degustar seu charuto.

E, para encerrar, caetanovelosamente:

“Não s’esqueça de mim, não s’esqueça de mim, não desapareça”.  


087.    É PROIBIDO FUMAR?

Sou do tempo em que Melhoral era melhor e não fazia mal;do trem Maria-Fumaça.

Do tempo dos cartazes do Rum Creosotado, nos bondes “Veja ilustre passageiro, a pessoa ao seu lado, quase morreu de bronquite....”.

Sou do tempo do Bromil, o amigo do peito, do maravilhoso Trio Regina, do Phimatosan quando você tossir, Phimatosan, se a tosse resistir.... Das coloridas estampas mitológicas dos sabonetes Eucalol; das chaves de um carro procuradas dentro dos sabonetes Vale Quanto Pesa, do sapólio Radium; dos talheres que, para não enferrujarem, após ariados e escaldados eram postos no sol a secar. Dos quaradores de roupas; dos galinheiros nos quintais. Do Super-Flit e dos isqueiros com pedra e pavio.

Sou do tempo no qual, homens solteiros acima de certa idade (25 anos?) pagavam uma espécie de imposto do celibato; das cartas que nunca chegavam; das carroças com rodas enormes, revestidas com aro de ferro, provocando estrondoso barulho nos paralelepípedos; não havia asfalto.

Sou também do tempo dos caminhões acionados à manivela; do dar-se o lugar às mulheres e aos idosos; do usar-se a cabeça coberta apenas em áreas externas e do descobrir-se a cabeça ao cumprimentar alguém.

Do tempo quando as lâmpadas, ao anoitecer, eram ligadas, todos se desejavam Boa-Noite de forma quase simultânea.

Sou tempo em que a visão de um simples par de joelhos era motivo de regalias e comentários; da revista O Cruzeiro, dos enormes rádios com válvulas para ouvir as rádios Nacional, Tamoio ou Tupi; das escolas masculinas maristas, salesianas, lassalistas e jesuíticas, com uniformes militares; das galochas em dias de chuva.

Sou do tempo dos padeiros, leiteiros, verdureiros deixando seus produtos às portas das casas, sem ninguém tocá-los; das freqüentes faltas de energia compensadas com lampiões a pavio e querosene Jacaré; dos fogões à lenha.

Sou do tempo do morrer e ser velado na própria casa; do prazo do luto, sucedido do meio-luto. Vi varredores de rua engravatados no tempo em que canções de Lupicínio eram ouvidas tempos a fio.  

Sou do tempo dos carnavais com lança-perfumes, dos blocos de sujos, dos corsos. Do bailes a rigor, das debutantes, nos primaveris meses setembrinos.

Sou do tempo de poucos brinquedos, mas de muitas brincadeiras nas calçadas.  

Do tempo em que um casal para hospedar-se num hotel, tinha que apresentar certidão de casamento. Vi tempos de casamentos por procuração no Uruguai; dos aviões DC-3 e da Panair (quem sabe o que quer, prefere a Panair).

Sou do tempo em que táxis eram carros de praça, chamados por telefones com apenas quatro algarismos; o patrimônio público era respeitado; Kolynos era o creme dental por excelência.

Sou do tempo dos castelos com discretas luzes vermelhas à porta e cortinas que escondiam mistérios; bebia-se cuba-libre; ir ao dentista, com aqueles motorzinhos acionados a pedal, era um suplício. As famílias tinham o seu médico. Dos avós aos netos todos passavam por suas mãos.

Sou do tempo das Ave-Marias, com conselhos, de Júlio Louzada (A mulher do meu melhor amigo me manda bilhetes todo dia, desde que me viu ficou apaixonada, me dá um conselho seu Júlio Louzada).

Sou do tempo dos exames de admissão ao ginásio; do ensino levado a sério; das sóbrias roupas sociais domingueiras; dos gibis com Tom Mix, Hopalang Cassidy, do Fantasma, do Príncipe Submarino, do Tarzan & Cias; das Pílulas de Vida do Dr. Ross (fazem bem ao fígado de todos nós, ou pequeninas, mas resolvem).

Sou do tempo em que Flash Gordon era o herói do futuro e das espreguiçadeiras às portas das casas, ao entardecer. Não fui do tempo dos cigarros Dalila. Mas sou do tempo dos cigarros sem filtro Elmo, Yolanda, Continental, Astória; dos charutos Costa Pena, Pook e Suerdieck.

Agora...

Bem, agora substitua no texto acima a palavra sou pela palavra fui e vice-versa. Releia-o assim, se quiser matar saudades. Prossiga.

Agora sou do tempo em que ao persistirem os sintomas procure o médico; das drogas em todos os sentidos; dos orelhões destruídos; da violência urbana; dos big-brothers da vida.

Sou do tempo das líber(ali)dades para muitas coisas e das restrições para outras tantas. Tempo das antíteses. Tempo do É proibido fumar neste local.

Mas mesmo assim, fumo.

Meus Alonso Menendez Robustos, companheiros do dia-a-dia, fazem o elo passado-presente tornando minha vida saudosista-realista. Não são saudades do passado. São saudades do futuro. Tentativa de imaginar a realidade dos anos que virão. E a indisfarçável vontade de ver-me, novamente, livre para degustar meus charutos onde e quando o quiser.

Até já!  


086.    A MAGIA DO CHARUTO

Dia de festa aqui em casa. Teimosa chuva miúda reduz espaços, provocando natural aglomeração das pessoas, sob as áreas abrigadas. As crianças, muitas, inundaram a varanda com brinquedos da primeira idade. Divertem-se num multicolorido mundo de coisas infantis. Comprazem-se com aquela mescla de formatos mil, sem nexo adulto. Riem. Comunicam-se, todas falando ao mesmo tempo.

Tento apreender a lógica da ambiência. Sem sucesso. Perdi a pureza da infância. Satisfaço-me com os raios de felicidade emanados do álacre círculo.

Com meu Alonso Menendez Robusto à boca, uísque ao lado, desvio a atenção para o local onde os adultos conversam. Ali, dois amigos, encanecidos como eu, também estão charutando. Sei-os não fumadores habituais. Mesmo que não o soubesse, prontamente identificaria a falta de prática neste exercício-prazer.

Você sabe do que estou falando. A empunhadura, o relaxamento, o deleite, o rodar nos dedos, o apreciar as cinzas, o olhar encantado com a fugaz fumaça. Tudo isso, e muito mais, sem desconectar-se dos circunstantes interlocutores.

Ao findar essa crônica talvez vá falar-lhes dessas coisas. Quem sabe, até, venham a ingressar na nossa confraria.

Volto o olhar às crianças. Aquelas cores vivas e vibrantes das suas roupas e dos seus brinquedos fazem-me lembrar as caixas dos charutos Dona Flor cujos rótulos são uma festa aos olhos e que, ao contrário da miscelânea da criançada, não me confundem. Permitem-me avançar e entender. São o prenúncio para desvendar os segredos dos maravilhosos puros jorge-amadianos.

Corro à sala onde sei ter uma caixa dos Dona Flor Robusto Mata Fina. Delicio-me com o esperado achado. Saio oferecendo os escuros puros, aos presentes e vejo funcionar a magia do charuto. Mesmo os não fumantes, os aceitam. Prometem guardá-los para uma outra “ocasião especial”.

Charutos têm dessas coisas. Além do prazer pessoal proporcionam, riqueza maior do homem, excelentes amizades.

Como a sua, estimado Amigo.  


085.    REPOSITÓRIOS DE EMOÇÕES

Oratórios, capelas, igrejas, catedrais, santuários. Não importa o porte. Vale a fé.

Maços, caixas, umidores, tabacarias, fábricas. Não importa o continente. Vale o conteúdo.

Maços-oratórios; caixas-capelas; umidores-igrejas; tabacarias-catedrais; fábricas-santuários guardam em seus altares, e sem distinção para os iniciados, a magia da arte de fumar.

Do maço, ora saco o puro; na caixa, ora o escolho; do umidor, ora o retiro; na tabacaria, ora o adquiro; da fábrica, ora o recebo. Mas nunca oro. Apenas creio. Creio, em qualquer dos casos, que minhas mãos, um dos umbrais do prazer, me fazem chegar aos demais sentidos, mais um momento especial.

A concentração dos templos.

A contemplação dos crentes.

A invocação de um ser-estar, mais do que físico, que se materializa progressivamente naqueles rolinhos de felicidade, à medida que incandescem.

E degustando esta baiana arte nativa, vejo a obra-prima, aos poucos, desfazer-se em cinzas. Das quais, como Fênix, renascerão os charutos das próximas vezes.

O ser-estar suprafísico se realiza: sou mais eu; fico mais feliz.

Tanto quanto agora, vendo e escrevendo. Vendo meu Alonso Menendez # 20 desfazer-se em cinzas e escrevendo/estando, outra vez, com Você, dileto Amigo.

Até nosso próximo encontro.


084.    O CHARUTO PREDILETO.

Queiramos ou não, temos nossas indisfarçáveis predileções. A comida predileta, o amigo predileto, o lugar predileto, a bebida predileta, a roupa predileta, o charuto predileto. E na dúvida, sempre optamos por aquela comida, aquele lugar, aquela bebida, aquela roupa, aquele charuto.

O mais das vezes, isso não é possível. Ora sua comida predileta não é servida no restaurante, no qual foi marcado um determinado encontro. Seu lugar preferido não anda com Você. Você tem que ir até ele. Ora sua bebida predileta não “casa” com o horário em que Você está trabalhando. Sua roupa predileta, digamos que seja a esportiva, não se adequa à sua atividade profissional. Em tudo isso se excetua seu charuto predileto. Este sempre o acompanha. E se Você o esquece “de que vale tudo isso se Você não está aqui?”.

Mesmo que placas acenem com a proibição do fumar, tê-los junto ao peito, apalpá-los, cheirá-los, “ameaçando” alguns dos circunstantes e despertando inveja noutros, é motivo de auto-regalia.

Certa feita, com um grupo, em almoço de negócios, vivi a experiência.

Após a refeição, sobremesa, licores, cafezinho, bate-papo. O aviso, assemelhado às placas de trânsito indicando estacionamento proibido, lá estava.

Fiz-me de cego.

Do bolso saquei meu Alonso Menendez. Um Robusto, naturalmente. Tirava-o de sua bolsa de celofane quando o companheiro a meu lado cochichou: “Hugo, Você já viu o aviso?”.

Fiz-me de surdo.

Com a guilhotina cortei o bico do meu puro, e o levei à boca. Aspirei-o profunda e prazerosamente.

Olhares hostis de pessoas da mesa ao lado, quais dados certeiros, me fulminaram.

Fingi-me só.

O maitre, gentil e solícito, aproximou-se, me dizendo:

“Senhor. Desculpe-nos, mas não é permitido fumar neste local”.

Ao que, levando o puro novamente à boca, contestei:

“Não me leve a mal, mas vou continuar a fumar sem, porém acender meu charuto Por acaso também será proibido fumar-se um charuto, sem acendê-lo?”.

E deixei-me assim ficar. Para o gáudio dos companheiros da mesa, com o assunto, como não poderia deixar de ser, descambando para os charutos e seus prazeres. Prazeres que nos oferecem, mesmo sem acendê-los.

Agora avalie, qual meu prazer fumando de fato meu charuto predileto, no meu lugar predileto, com minha roupa e minha bebida predileta, associados à predileção de escrever para Você, dileto Amigo.

Podemos discordar em matéria de comidas, bebidas, roupas, lugares e sei lá mais o que. Mas é certo que nossa predileção comum, degustar puros, nos une como se fôssemos velhos conhecidos.

Que assim sempre seja! 

Fique em paz e aceite meu fraterno abraço.


083.    O SANTO VELA. O CHARUTO REVELA.

Com meu puro, passo o tempo no paço do templo de São Gonçalo. E penso neste Santo que nunca foi canonizado pelo Vaticano. Fez-se santo pela tradição. Sua historicidade tornou-se questão secundária ante a magnitude de seu culto. Na realidade, a figura medieval portuguesa de Gonçalo (falecido, ao que se supõe, em 1259), teve seu culto permitido pelo Papa Julio III, isto é, foi beatificado, em 1551. É, pois, um Beato.

Há, inclusive, os que supõem ter sido Gonçalo, uma invenção barroca dos tempos em que a Igreja, para fazer frente às teses humanista e luterana sobre o culto aos santos, incentivara um surto de literatura edificante de pessoas ilustres.

Os partidários da santidade gonçalense apelam à crença popular e em face de pesquisas frustradas de provas documentais relativas a prováveis milagres, registram que as mesmas, por certo, foram perdidas. Uns supõem que se queimaram no incêndio subseqüente ao terremoto de 1755 em Lisboa, o qual destruiu o Arquivo Central dos Dominicanos (ordem à qual Gonçalo teria pertencido). Outros crêem que tais documentos faziam parte dos Arquivos Vaticanos que, em 1812, foram transportados para Paris, por ordem de Napoleão. Tais papéis, em 1816-17, foram devolvidos a Roma. Acontece, infeliz coincidência, que alguns dos carros utilizados neste transporte, caíram nos Alpes na viagem Roma-Paris. Assim se teriam perdido documentos que desfariam muitas dúvidas sobre o Beato Gonçalo.

De lá para cá, de comprovados milagres, nada. E a coisa, para por aí.

Mas vá Você dizer ao povo daqui da cidade de São Gonçalo dos Campos, ou para o povo da cidade de Amarante, em Portugal, que Gonçalo não é, nem nunca foi santo.

Vá também dizer para o povo de São Gonçalo dos Campos que os charutos feitos aqui, não estão entre os melhores do mundo.

Em qualquer caso, o pau quebra. É briga para quinhentos anos.

Santidade e qualidade à parte, como vox populi, vox Dei, respeito as crenças. Conselhos e água benta não fazem mal a ninguém. Embora, como dizem alguns, se bons fossem, caro custariam.

Da santidade de Gonçalo dou testemunho por inexplicável fé. Tanto que, quando estive em Amarante, em cujo mosteiro supõe-se estar o túmulo do Beato, adquiri e passei a usar uma corrente de ouro português com a imagem do Padroeiro.

Da qualidade dos puros são-gonçalenses dou testemunho por tê-los visto nascer e se afirmarem na opinião pública nacional.

Não por que seja eu, um expert num ou noutro tema. Ocorre que à força de invocar o Santo e do fumar os Alonso Menendez, passei a entender melhor o mundo.

O santo vela. O charuto revela. Revela nossa forma de viver diversa do assim caminha a humanidade. E, como é prazeroso, neste mundo de meu Deus, apesar de (in) voluntariamente ou (in) conscientemente estarmos nivelados pelos ditames da mídia e das grifes, saber-nos diferentes em algo. E esse algo, tanto para Você quanto para mim, reside no saber apreciar, na justa medida, um inefável puro.

Valha-nos São Gonçalo!

Valha-se dos seus charutos!

Que São Gonçalo lhe proteja.

Que nossos puros continuem sendo o indicativo do seu distinto estilo de vida.


082.    UM CHARUTO ÀS AVESSAS

Claro! Ninguém é louco para cortar uma cédula de cinco, de dez ou mais reais. Mas, dia desses, dê-se ao trabalho legista de fazer um charuto às avessas: autopsiá-lo. Cuide para que seu bisturi esteja bem afiado.

Faça uma incisão de cabo a rabo. Seja suave. Bem suave, de forma tal que o talho rompa, apenas, a capa do seu puro. Retire a mesma e a separe. Você verá: cola nenhuma agrega a capa ao corpo do charuto. Está soltinha da silva.

Restou em suas mãos o que chamamos, entre outras denominações, de tirulo ou bunch: os fumos da parte interna (conhecidos por filler, torcida, bucha, miolo, etc.) revestidos de outra folha de fumo, conhecida como capote ou sub-capa.

Tudo bem até agora? Nenhum enjôo? Então prossigamos.

Retome a lâmina escolhida para bisturi.

Vamos lá, doutor. Outro corte gentil do bico ao pé do charuto.

Agora Você tem condições de, soltando o capote, invadir a intimidade do objeto de prazer: os tabacos do filler. Separe o fumo do capote, como o fez com a capa. Destorça os fumos interiores. Analise-os. Separe-os, também.

Pegue, agora, um pedaço da capa. Com um fósforo, dê-lhe candela. Como um leque, abane a mesma, para favorecer a queima. Aproxime-a do nariz e inale seu aroma.

Proceda, da mesma forma, com um pedaço do fumo do capote.

Percebeu a diferença do bouquet?

Repita a operação, agora com os fumos do filler.

É assim que, de trás para frente, a gente analisa os fumos das safras.

Você, com um pouco de treino, caso não tenha um olfato apurado, irá sentir que cada tabaco tem suas características próprias: suas texturas, a forma e a velocidade como queimam, como sabem ao paladar e ao olfato.

E é da harmônica mistura, do balanço certo, que nascem os bons charutos.

Neste fumar às avessas que o Amigo praticou ficou, eu sei, mais uma experiência.

Se o fez, diga-me por carta, e-mail ou telefone.

Não quero que seu prazer de degustar um puro completo tenha sido prejudicado pela recomendada autópsia.

Se receber seus comentários, em sua próxima encomenda irei compensá-lo com cinco unidades, como cortesia, de meus Alonso Menendez Robustos (Claros ou Escuros). Quem escolherá, é Você, é claro! 

O abraço e a amizade do Hugo Carvalho


081.    ARTE & PRAZER

Se, porventura, alguém me perguntasse qual o negócio da Menendez & Amerino, produtora dos puros Alonso Menendez e Dona Flor, seus velhos conhecidos, sem vacilar responderia: “Charutos”!

Ledo engano.

Pensemos um pouco.

Você recorda nas incontáveis vezes em crônicas passadas, quando comentei de nossos charutos serem verdadeiras jóias, um artesanato com indiscutível individualidade? Recordará também de quanto tenho lhe falado sobre a arte e o prazer de se degustarem puros?

Pois é, Amigo. Assim como o negócio da Brastemp não é “geladeiras” e sim “conservação de alimentos”, assim como o negócio da Danone não é “iogurte” e sim “saúde”, o negócio da Menendez & Amerino não é “charutos” e sim, “arte e prazer”.

Os charutos são, meramente, o meio físico pelo qual lhe fazemos chegar o nosso negócio.

Assim entendida a companhia, sua visão de futuro deixa de ser a matemática da produção crescente e passa a ser a de estar “presente nos bons momentos da vida”.

Relembrará também das oportunidades em que lhe falei terem os charutos, gosto de festa estando associados às celebrações, vitórias, bons sucessos e aos momentos de paz e tranqüilidade? Não são tais, afinal, os “bons momentos da vida?” E é em tais bons momentos que queremos estar sempre presentes.

Mas qual o caminho a percorrer para atingirmos tal desiderato? Qual a missão que é delegada a todos os que fazem a empresa ser empresa? Qual a missão que me cabe, sendo a mão que lhe alcança a arte e a boca que lhe fala do prazer?

Isso, passados 25 anos de erros e acertos, agora, ficou muito claro. É, simplesmente, “buscar a perfeição, vencer os desafios, cativar os clientes, valorizar as pessoas, respeitar o meio ambiente, superar as expectativas”.

Para tanto tenho me empenhado junto ao Amigo. Busco a perfeição ao interagir consigo em minhas Fumaças Mágicas. Esforço-me para, muito mais que cativá-lo, encantá-lo com o nosso negócio e, acima de tudo, procuro superar suas expectativas como consumidor final da arte que faço chegar às suas mãos para lhe dar prazer.

Ficaram claros o nosso negócio, a nossa visão e a nossa missão? E, o que impulsiona tudo isso? Qual a força motriz que mantém em movimento tal gigante locomotiva? E fácil: “melhorando o futuro, aperfeiçoando o hoje”.

Se tudo isso não lhe ficou transparente, ao acender seu próximo charuto, num daqueles especiais momentos de auto-recolhimento, medite. Sobre tudo o quanto lhe falei e sobre sua vida de cujos bons momentos queremos sempre estar presentes.


080.    PENSO, LOGO EXISTO.

Pai velho dado a felicidade (e a coragem, nem tanto Mestre) de voltar a ter tido filhos quando já poderia ser bisavô, curto alegrias (e preocupações) difíceis de inserir no mundo das palavras.

Agora mesmo, à beira da piscina da Pousada do(s) Centenário(s), sua velha conhecida d’outras crônicas, enquanto meus amigos disputam outra rodada de carteado, preferi o isolamento.

Caneta, papel e meu charuto sempre me acompanham. E, como não poderia deixar de ser, os três companheiros são acionados. Acendo o puro, empunho a caneta e olho para a desafiante folha em branco, iniciando mais este bate-papo com Você. O primeiro do ano, associado à alegria de ver um mundo de crianças se esbaldando na piscina. Crianças que poderiam ser meus/seus filhos/netos, não importa. Crianças que, no meu íntimo, materializam o utópico anúncio televiso de minha última Fumaça Mágica.

Aqui posso fumar a vontade. Amplo espaço, ventilado por incansável brisa, permite que eu desfrute meu Alonso Menendez Robusto ao máximo.

Olhos n’água. Um menino (3, 4 anos?) fica nu. Paradisíaca inocência. A mãe acorre para revesti-lo. E eu, neste momento de plenitude e entrega, com a boca festivamente inundada com o aroma do meu puro e com o sabor do meu uísque, penso.

Penso em René Descartes, quando no seu Discurso da Razão (1637) afirmou: Je pense, donc je suis, frase mais conhecida pela versão latina Cogito, ergo sum. Em bom português: Penso, logo existo. E discordo.

Não é o pensar que me faz existir. Existo porque sinto! Existo porque pelos olhos sinto a pureza das crianças, existo porque sinto pelas mãos o prazer de escrever, existo porque pelo gosto (e pelo retrogosto) sinto a doçura do meu puro, existo porque....é o ver, o cheirar, o apalpar, o degustar que acionam meus pensamentos.

Existo porque estar consigo e com meus charutos, começando um novo ano, é sentimento, afeição, identidade. Numa palavra, felicidade. Não será feliz idade?

A minha ou a sua idade não importam. Importa saber que, na companhia de nossos charutos estamos, e almejo que continuemos a estar, juntos ao longo de 2003, desfrutando das alegrias da vida.

Ex corde.


079.    FELIZ 2003

Quando menino nas cidades gaúchas de Rio Grande e Porto Alegre nas quais, entre idas e vindas, alternei minha infância, olhava para o então longínquo século XXI. Tinha saudosas ânsias do futuro.

Hoje, vivendo e envelhecendo na Bahia, tendo por bengala meus charutos, percorro o caminho inverso. E relembro o velho Ruy quando afirmava que “o tempo não passa, quem passa somos nós”.

Papas passaram. Presidentes passaram. Passamos todos. O tempo, astronômico artifício da mente humana, continua aí. O tempo é.

E com o meu habitual Alonso Menendez Robusto à mão e à boca, fico imaginando estes comportados apresentadores das condições meteorológicas, nas TVs da vida, à meia-noite deste 31 de dezembro, empunhando um majestoso Alonso Especiales, noticiando: 

“O tempo, no Brasil, para 2003 prenuncia-se excepcionalmente bom. Chuvas oportunas nas épocas e regiões certas, além de afastarem o risco de novos racionamentos de energia, garantirão fartura no campo e nas cidades. Especial destaque para a safra de fumos da Bahia que deverá ser a melhor dos últimos cinqüenta anos. Céu de brigadeiro, apenas com tênue nebulosidade nas casas dos fumadores de charutos. A criminalidade, a fome e a violência desaparecerão. Os juros, a corrupção e o desemprego cairão a níveis nunca vistos. Crianças no lixo e nas esquinas serão coisas do passado. As minorias, entre elas, os fumantes de charutos, terão seus direitos e opções respeitados. Os brasileiros estarão com sua auto-estima elevada ao cubo. Os charutos da Bahia estarão em mãos e bocas para comemorar este ano fantástico”. 

Sei que é um sonho. Mas como “o sonho não acabou” sonho para Você, querido Amigo, o 2003 da utópica notícia acrescido da realização de seus melhores anseios. E sempre, é claro, na companhia festiva dos melhores charutos nacionais: Alonso Menendez e Dona Flor

Feliz Ano Novo!

Para Você e para o Povo! 

Do seu amigo a/com qualquer tempo Hugo Carvalho.


078.    FELIZ NATAL 2002

Neste Natal que se aproxima chego, novamente, até Você. Desta vez, porém, prometo que não irei falar de charutos. 

Recosto-me na poltrona da sala. Olho para meus dois filhos pequenos. Aparto a disputa para resolver qual será o primeiro a tomar a mamadeira. São duas. A da tampa branca pertence ao maior. A da tampa azul é do menor. Propositadamente as troco. O maior dispara: “A minha é a branca”. Dou partida ao intraduzível prazer de amamentá-los sem ter tetas. E vejo neles a presença do Criador na terra.

Deus que espero, esteja consigo agora e sempre. E de modo particular neste Natal, redivivo na intimidade do seu lar, trazendo esperanças de novos tempos, atendendo suas melhores esperanças e como um presente, presente. Transfigurado naquilo que o seu olhar, olhar; a sua boca, provar; o seu ouvido, ouvir; a sua mão, tocar. Na sua mulher, nos seus filhos, nos demais parentes, nos seus amigos, não importa. Todos são feitos à imagem e semelhança do Renascido. E se estão na terra consigo, não é por acaso. É para dizer-lhe que, se Deus não existe como afirmam alguns, ele precisa ser inventado. 

Feliz Natal e ponto final. 

Do irmão e amigo Hugo Carvalho.


077.    O MARKETING DOS CHARUTOS

Quando, há alguns anos, comecei a escrever sobre charutos era movido por preocupações de cunho meramente comercial. Marketing direto e telemarketing eram palavras da moda. Ao ser criado o sistema 0800 em Salvador fui o primeiro do ramo, a implantá-lo. Mantinha dois funcionários “azucrinando” os ouvidos de meus clientes. Lá se vão 16 anos. E, era digamos, muito técnico naqueles primeiros escritos.

 Preocupava-me em explicar como são feitos os charutos, como são fumados, etc. Tais textos, quando hoje os releio, me parecem estéreis, enfadonhos. Transcrições adaptadas à minha linguagem, daquilo que outros disseram e redisseram, muito antes de mim, sobre a matéria.

Com o advento da Internet, então, nem se fala. “Choveram” sites sobre puros. Basta Você acessar qualquer um e irá encontrar, quase sempre, as mesmas ladainhas. Quantas vezes, navegando em sites charuteiros, encontrei palavras minhas (?). Ledo engano querer ensinar o padre-nosso ao vigário. Quem melhor sabe de charutos é Você que os consome. 

Evadi-me da vala comum. Abandonei as preocupações mercantis; troquei o marketing direto pelo marketing de relacionamento e passei a escrever pelo prazer de escrever e de fumar charutos.

Puxa! Como a vida mudou. Gentil cliente chegou a me chamar de “professor”. Oxalá o fosse, pois duas coisas eu gostaria de ter sido: mestre e jardineiro. Aceitei o professor não no sentido daquele que ensina algo a alguém, mas como quem professa inabalável crença.

Agora, salvo ocasional recaída que o retrogosto dos puros provoca, não retroajo. Interajo consigo. Procuro dar novo sentido a nosso relacionamento tentando demonstrar serem os charutos, para quem neles se iniciou, parte integrante do cotidiano.

Tenho relutado em criar meu site na Internet, pois não gosto de falar com estranhos sem ter sido previamente apresentado. Não me sinto confortável em me expor para aqueles a quem não conheço. Essa característica pessoal meus charutos não corrigiram. Ao contrário, respeitam-na, pois eles não são para todo mundo. São apenas para pessoas especiais, como Você dileto amigo, que os curte nos, por si eleitos, melhores momentos de sua vida.

Por isso sei que nossos Alonso Menendez e Dona Flor estarão consigo, mais do que nunca, no período de festas de final de ano, que se aproxima. 

Ainda pretendo estar consigo neste dezembro. Mas se antes disso necessitar de mim, ou de seus charutos, Você sabe onde me encontrar.


076.    O BOM PURO É COMO O VINHO

Cinza, azul-marinho, branco, marrom, preto e outras cores menos votadas, encontro todos os dias ao abrir meu guarda-roupas. Dois botões, três botões, transpassados. São os ternos que manhã-tarde-noite fui obrigado a vestir por muitos anos. Ocupam agora, de forma inútil, precioso espaço. Isso sem contar camisas, sapatos sociais e um sem número de gravatas. A maioria fora de moda. Não sei bem se fui eu quem os abandonou ou foram eles que me abandonaram. Não importa. O fato é que vivendo sob o mesmo teto, não mais fazemos parte da mesma família. Houve uma fase em que juntos, corremos mundo. E quantas vezes eles foram à lavanderia impregnados do doce aroma do tabaco dos charutos. Quanto a esses, apesar de eu ter vindo residir no anterior, o casamento se manteve. Diria mais. A mudança do estilo de vida aperfeiçoou nossa relação.

Camisas mangas curtas (necessariamente com bolso para amparar os charutos), calças esportivas, discreto tênis ou sandálias franciscanas, formam a vestimenta matutina dos dias que correm. À tarde as calças encurtam. Viram bermudas. Os puros saem do bolso da camisa, pois não mais necessito deles. Em minha oficina de trabalho vespertino, os tenho e mantenho, às dezenas.

Agora mesmo, em meio a meus livros e rabiscando estas mal traçadas, fui à cata de um puro. Deparei-me com uma caixa dos Alonso Menendez nº 10 fabricados há dois anos. Com todo o carinho do mundo, a abri.

Privilégio raro, pois apesar da grande maioria dos fumadores exigirem charutos “frescos”, o bom puro é como o bom vinho. Quando bem estocado, quanto mais velho, melhor. E se na caixa não encontro as variadas cores dos ternos de outrora, detecto com olhos de lince, as múltiplas nuances que me fazem escolher o charuto “daquele” momento.

Saiba disso e o comprove. De cada caixa ou maço que Você adquirir, estoque uma para degustá-la bem no futuro. E, na ocasião, compare com os recém adquiridos. Você sentirá a nítida diferença para melhor, nos charutos envelhecidos.

Portanto, Você fumador habitual, vá cuidando de formar seus estoques pessoais para consumi-los em longo prazo. Você verá que, a par da satisfação do simplesmente fumar puros, há uma outra. A das adegas. Passear entre as múltiplas opções e idades dos seus charutos. Com gravatas ou sem elas. O preâmbulo é também muito importante quando Você escolhe o purodaquele” momento. Seja acompanhado, à mesa de uma sofisticada casa de pastos metropolitana, seja sozinho à sombra de frondosa árvore interiorana. O que importa não é o estar. É o ser. Ser como sou, incorrigível escriba e declarado amante da arte e do prazer de fumar. E de lhe servir. Com o pouco da minha vivência e com o muito da qualidade dos Alonso Menendez e Dona Flor.

E lembre-se. Está chegando o final do ano. Tempo de festas e de dar presentes. Dê charutos a seus amigos que têm tudo na vida. Eles, mesmo que não sejam fumadores, além de envaidecidos, ficarão imensamente gratos.


075.    ALTA ANUNCIADA

Conselho e água benta não fazem mal a ninguém.

Commodities como o alumínio, a soja, o petróleo, o tabaco e uma infinidade de produtos outros, industriais ou agrícolas, têm seus preços atrelados à moeda norte-americana.

As empresas brasileiras que utilizam tais insumos em seus processos devem levar em conta, nos seus sistemas gerenciais de custos, as desvalorizações da moeda nacional. É regra de sobrevivência.

Quanto maior for a participação do commodities no custo do produto tanto maior a repercussão negativa da desvalorização cambial na projeção dos resultados empresariais.

Os defensores do purismo contábil alegam não ser justo, para com o consumidor, internalizar os custos em dólar, vez que os materiais que se encontram em estoque estão contabilizados em real.

Ocorre que o empresário vigilante, não trabalha para o presente e sim para o futuro. Assim sendo, se ele não se capitalizar de forma suficiente, reajustando os preços de seus produtos, esgotará seu capital de giro, inviabilizando as futuras reposições dos insumos cotados em moeda forte.

A esta altura do campeonato, com o dólar tendo chegado a patamares inesperados em tempos de real, os preços dos charutos Dona Flor e Alonso Menendez, defasaram-se. Quando as atuais cotações passaram a vigorar, em inícios de 2002 o dólar valia menos que R$ 2,00. Ora, considerando-se que o commodities tabaco representa algo ao redor de 50 % dos custos de produção dos puros, fácil fica deduzir que nossos preços se encontram muito defasados. Por outro lado, os charutos produzidos no exterior (cubanos, dominicanos e outros menos votados) foram compelidos a corrigir suas cotações na razão direta da desvalorização do real.

Resumo do drama. Não se surpreenda, pois, com aumento de preços dos charutos nacionais o qual já se encontra no prelo. É lei de mercado.

Por isso, é hora de nos abastecermos, protegendo-nos assim, ao menos por algum tempo, do inevitável reajuste.

Como disse ao início, conselho e água benta não fazem mal a ninguém. 

Enquanto aguardo uma decisão sua, pedindo a Nosso Senhor dos Puros que faça passar, em paz, o que resta dos anos de milnovencentosefernandohenrique, reafirmo minha estima colocando-me a seu inteiro dispor.


074.    UNIVERSOS CHARUTEIROS

Convivo com dois mundos que em tudo se assemelham, exceto nos seus oceanos. Os habitantes de ambos, na sua imensa maioria, são homens maduros, gente vivida que entende da vida, amantes da boa música, dos bons vinhos, dos bons charutos. Gente que é gente mesmo.

Pompeu, em resposta aos marinheiros que o queriam dissuadir de embarcar durante uma tempestade, (Plutarco, Vida de Pompeu), disse em grego, traduzido para o latim “Navigare necesse (est) vivere non necesse”. Caetano Veloso pescou o verso e na sua música “Os Argonautas” o imortalizou. (“Navegar é preciso, viver não é preciso”). Da mesma forma que, Fernando Pessoa em “O eu profundo e outros eus”, onde escreveu “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: - Navegar é preciso, viver não é preciso -. Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar”.

E como navegar é preciso, navego nos dois distintos oceanos. Para chegar aos habitantes do primeiro universo, enfuno as velas da minha nau e velejo por águas postais. Para estar com os habitantes do outro, tal qual Mercúrio dos romanos, asas céleres aos pés, clico teclas e até eles me transporto, pelas águas eletrônicas.

Custou-me um bocado deixar de ser um Cabral ou um Colombo e ser (voltar a ser?) o mitológico e urgente mensageiro. Afinal, velocidade não é atributo que se adeque ao fumar charutos.

Sou (quero continuar sendo) dos velhos tempos das cartas escritas à mão, do papel pegado com carinho, da retórica, do pedir (e dar) a benção paterna, dos textos mais adjetivos que substantivos. Por isso, todas as minhas Fumaças Mágicas são prévia, e inevitavelmente, manuscritas. E, via de regra, nascem acompanhadas de um bom drinque e de meu inseparável Alonso Menendez Robusto. Por isso, também, que mensagens eletrônicas recebidas, imprimo-as. Para “pegá-las”, para degustá-las com carinho. Associo, pois, ao prazer visual, o prazer táctil.

Os tempos mudaram. (?). E nessa dicotomia entre o ser e o não-ser, entre o antigo e o moderno, aprendi a me movimentar. Lutar contra as inovações, quem há de?

Grande parte dos habitantes do universo das águas postais reluta, bravamente, a mudar de planeta. Um há que, tempos atrás, ao indagar-lhe se dispunha de e-mail, respondeu-me “Meu amigo! A última coisa mais moderna que comprei foi uma caneta Parker 51”. Fantástico! Apesar dessa afirmação, original licença poética de alto significado, ele não deixa de ser um homem antenado com o mundo.

E, queiram ou não os apologistas do universo eletrônico, charutos irão continuar sendo charutos. Fumo mais fumo. Matéria que Mercúrio nenhum conseguirá levar consigo. As velhas naus, que hoje voam, continuarão sendo necessárias para que Você os receba. Para que Você os pegue (com carinho); para que Você os cheire (delicadamente); para que Você os admire (com enlevo); para que Você, uma vez acesos, os aspire (com prazer).

E se Você, habitante de um ou do outro universo, quiser carinho, delicadeza, enlevo e prazer, basta falar comigo. Lembre-se que onde há fumaça de charutos, há requinte.

Requinte que está ao alcance de suas mãos pelo e-mail hugocharutos@uol.com.br, ou pelos meus telefones (075) 9133 1209 e (075) 246 1045. 

Saúde e Paz, o resto...


073.    REMINISCÊNCIAS FUMAGEIRAS 

Até o último quarteirão do século passado, fumar representava um ato de maioridade civil. E, um pouco antes, era também a máxima falta de respeito pitar na presença de parentes idosos e de superiores. Cunhados de meu primeiro casamento, e lá se vão mais de quarenta anos, então já maiores de idade, ao verem o pai a uma razoável distância, escondiam ou jogavam fora seus cigarros. Ninguém fumava na presença do velho.

Lembro-me que aos 17 anos (já fumava escondido, cigarros furtivamente subtraídos) e, tendo concluído o curso científico, muni-me de coragem e pedi, a meu pai, licença para fumar. Estávamos ao sofá da sala. Ofereceu-me ele, a carteira. Temendo uma inesperada e adversa reação, não estendi o braço. “Vamos, vamos!”, encorajou-me. “Quero ver se Você sabe mesmo fumar”. Ante sua insistência, mas mantendo prudente afastamento, acendi meu primeiro cigarro na frente de meu pai. Estava decretada minha maioridade. O gesto representava um ato de emancipação e de suprema homenagem.

J. Guimarães Rosa, na sua obra Sagarana, bem retratou similar momento. “Quando dei fé, a festa já tinha acabado, e meu pai estava me dando um cigarro, que ele mesmo tinha enrolado para mim; o primeiro que pitei na vista dele... E foi falando: Meu filho tu nasceu para vaqueiro, agora eu sei”.

No meu caso, que não nascera para vaqueiro, acabei virando charuteiro.

Migrar dos cigarros para os charutos, vários anos após, exigiu aprendizado. Sair do fumar anônimo que é o fumar cigarros, para o fumar individualizado dos charutos, requereu persistência para aprender que o sabor está no palato, nas vias respiratórias superiores e não nos pulmões; exigiu pertinácia para vencer o preconceito dos circunstantes e me impôs, - por que não dizê-lo? - leituras e estudo. E, à medida que avançava nos conhecimentos sobre a arte e o prazer de fumar, mais me apaixonava pelo fascinante mundo dos charutos. Arte e prazer que não são para qualquer um.

Saiba, fumador de puros, que Você integra uma especial e seleta confraria plena de gestos, sinais, estórias e rituais de iniciação quase cabalísticos.

O primeiro namoro a gente nunca esquece. Da mesma forma como nunca esquecemos nosso primeiro charuto. Que não foi – eu sei – tão prazeroso quanto os meus/seus Alonso Menendez e Dona Flor de hoje em dia.

Inefáveis companheiros nos bons e maus momentos os fazem meus amigos e confidentes. A cada novo puro que acendo, reacendo em mim, a chama do prazer da vida. Bem vivida como, espero, seja igualmente a sua.


072.    AS FITINHAS DO BONFIM

Aos meus manuscritos da pós-venda, costumo juntar as tradicionais fitinhas do Senhor do Bonfim. Foi a forma que encontrei de levar-lhe um pouco mais da Bahia, dizer-lhe da minha devoção, desejar que seus sonhos sejam atendidos e de me redimir de fato pretérito, a seguir relatado.

Corria o ano de 1978, inícios da Menendez & Amerino, com uma só marca no mercado batizada como El Pátio. Lutávamos contra a Suerdieck, a gigante de então, e contra outros fabricantes menores, a Pimentel, a Ideal e a Dannemann.

O nome da primeira marca de puros da Menendez fora escolhido por Benjamim Menendez. El Pátio significava, nas casas senhoriais, os pátios internos, rodeados de varandas e sacadas. Você vê muito isso nos conventos de antigamente. Para Benjamim Menendez, El Pátio evocava a infância. Os felizes momentos passados na intimidade do lar, em Havana.

Erlon Chaves, maestro que a morte cedo levou, à época era sucesso com música cuja letra não recordo, mas que fazia referência a inúmeros fatos/pessoas e complementava afirmando: É coisa nossa! Interpretei o sentido lúdico de El Pátio como sendo “coisa nossa” e foi, assim, por muito tempo. El Pátio era coisa nossa. Dado ao charme do fabricante, ao novo discurso empresarial e mercadológico e à qualidade intrínseca, os El Pátio assumiram a liderança das vendas de charutos premium.

As importações que, naquele tempo, eram proibitivas, protecionismo herdado de muitos e muitos anos, tinham provocado reflexos negativos na produção interna. Sem parâmetros comparativos, os fabricantes de charutos haviam se acomodado; não investiam no negócio e se consideravam, com se diz aqui no Nordeste, “por cima da carne seca”. A Menendez & Amerino deu uma “sacudida” no mercado. Começou a falar de long-filler, de short-filler. Plantou fumos de variedades exóticas para oferecer novos blends. Introduziu no Brasil, o método de esterilização dos charutos via congelamento. Pintou e bordou. E os El Pátio subindo na cotação dos consumidores.

À época eu residia em Salvador e muito ia à Igreja do Bonfim. Por gostar, aos domingos, e sempre noutros dias para levar amigos visitantes. Nenhum roteiro turístico soteropolitano é completo se não incluir a chamada Colina Sagrada. Lá, ao redor do templo, há incontáveis barracas que vendem coisas da terra. E, entre elas, multicoliradamente penduradas nos alpendres, as “medidas” (fitinhas) do Senhor do Bonfim.

Eureka! Ocorrera-me a idéia. Mandei fazer umas fitinhas amarelas com letras marrons, pois eram estas as cores dos rótulos das caixas dos El Pátio. E em tais fitinhas mandei gravar: El Pátio, o melhor charuto da terra do Senhor do Bonfim. Para cuidar disso recorri aos préstimos de um amigo já falecido, Olavo Campos, então proprietário da Tabacaria Reis, em São Paulo.

As prendas foram um sucesso. Em quantas e quantas oportunidades, reuniões, encontros, feiras, eu as amarrava nos pulsos dos interlocutores, recomendando-lhes fizessem seus pedidos e dizendo-lhes que, quando as fitinhas rompessem por si mesmas, seus desejos seriam realizados.

O mágico poder do adorno fazia com que ninguém lesse o que estava escrito.

Anos passados dei-me conta da falsidade ideológica. Por isso que, depois de haver montado meu negócio de marketing de relacionamento de charutos, decidi ofertar as autênticas fitinhas do Senhor do Bonfim.

E, feito o mea culpa, me imponho a penitência a ser cumprida neste mês que se inicia. Seu pedido de charutos, se feito agora em outubro, será acompanhado de uma caixa com 10 tubos alumínio dos Alonso Menendez # 20, inteiramente grátis

Para me redimir e, do fundo do meu coração, desejar-lhe toda a felicidade do mundo.


071.    OUÇO, COMO, FUMO E ESCREVO

Quando jovem eu tinha duas bocas, um ouvido, um olho e uma só mão. Mal ouvia, mal via e mal manejava a caneta. Não bastassem as duas bocas, comprazia-me também em falar pelos cotovelos. Os charutos não faziam parte de minha vida. Também pudera! Com uma só mão e a boca sempre ocupada, como iria empunhá-los e degustá-los, concomitante a outros misteres?

O único ouvido era seletivo. Escutava apenas o que interessava. O único olho, em vez de óculos, tinha um K na frente. Um ser socialmente disforme. 

Depois, com o passar do tempo, descobri o quanto é sábia a natureza. Não é à toa que para uma boca há duas mãos, dois olhos, dois ouvidos. Pela boca nada se aprende. Aprende-se pelo tato, pela visão, pela audição. Foi quando comecei a calar, a olhar vendo, a ouvir escutando e já, com duas mãos, a tatear meus charutos com uma e, com a outra falar deles. 

Agora, quando me deparo com um interlocutor loquaz me comprazo em ter duas lentes fotográficas clicando o momento, dois gravadores antenados, uma das mãos amparando o queixo (ou segurando o copo), a outra rodando meu Alonso Menendez, e a boca só se abrindo para aspirar a doce e inebriante fumaça do meu puro.

E quanto, enquanto fumador-ouvinte-calado, aprendo. Quase sempre, de forma discreta, anoto frases, expressões, gestos, que me motivam. Como agora quando recordo de um interlocutor, algum tempo atrás, neófito na nossa confraria e que, desconhecendo minha atividade profissional, falava-me sobre charutos e suas maravilhas. E, por coincidência rara, eu nada fumava naquele momento. Ofereceu-me um puro. Por sinal, um Dona Flor Corona Claro.  

Explicou-me como cortá-lo com a guilhotina, como acendê-lo, como degustá-lo. E à medida que avançava, sem dar-me tempo à fala, menos à vontade me sentia para dizer-lhe ser do ramo. Mantive-me gentilmente calado. Ouvi muitas e boas. Tantas que me inspiraram a escrever mais uma crônica. Crônico mal meu. 

Já não falo tanto. Mas ouço, como, fumo e escrevo falando sempre dos bons puros brasileiros.  

O silente abraço do Hugo Carvalho


070.    FUMAR É UM PRAZER

Meus dois filhos pequenos são o freio limitante de meus impulsos etílicos. Igualmente, minha mulher é o limitador de meus impulsos fumígeros. Beber e fumar, no meu entendimento são fugas, compensações de déficits afetivos pretéritos. O que fazer?

Lembro-me de nosso ex-presidente Jânio Quadros que, quando interpelado quanto à razão pela qual bebia, respondeu com duplo sentido inteligentemente: “Bebo porque líquido é, pois se sólido fosse comê-lo-ia!”.

Charutos, não bebo, nem como. Mas como é bom embriagar-me com suas mágicas fumaças!

Agora mesmo, fugindo à preferência confessa de meus Robustos, apalpo um Alonso Menendez nº 20 Mata Fina. Olho no anel, olho o anel. Rodo-o nos dedos. Examino a textura da nigérrima capa. Enamoro-me com a consistente cinza. Aspiro deixando a fumaça inundar a boca. Relembro verso de canção dos anos 50:

“Fumar é um prazer, que faz sonhar...”.

Sonho. Escrevo. Fujo. Evado-me em busca de caminhos perdidos. Que não eram caminhos posto que se o fossem, noutros caminhos estaria caminhando. Situo-me em algum lugar do passado quando algo, não sei o que, faltou. Meu charuto compensa a indesejada falta. E sempre, mas sempre mesmo, ele preenche o vácuo decorrente de circunstâncias alheias à minha vontade.

Por isso fumo. Para completar-me. Para ser eu mesmo. Para ser, ainda, mais feliz. Este Alonso # 20 de agora, a par de fazer com que eu navegue no passado, brinda especialíssimo momento do presente. E me explico. Fui distinguido, pelo mais dileto de meus sobrinhos, convidando-me para ser seu compadre. Isso, assim dito, luz como fato irrelevante. Mas – e me dê um instante para reacender o meu Alonso – bote relevância nisso.

Trata-se do primeiro filho(a) de um sobrinho que, pelos (des)caminhos da vida – aqueles aos quais me referi ao iniciar esta crônica – por quase quarenta anos andou por rotas paralelas às minhas. E, não faz muito tempo, um dia chegamos ao infinito. As paralelas se encontraram. Mas, não se cruzaram. Juntaram-se. Contorceram-se. Confundiram-se.

E, independente dele ora viver em Paris, de sua mulher morar em Praga e eu aqui, na província-de-são-gonçalo-dos-campos-da-bahia, não vejo a hora de estarmos juntos, em 2003, acendendo um Alonso Special Reserve, para comemorarmos o batizado.

O moço foi corajoso! Compadres, por pressuposto, deveriam ser cronologicamente contemporâneos. A hipótese é que, na eventual falta do pai, o padrinho supra a paterna ausência.  Mas o entendo. Na homenagem com a qual me distinguiu, traduziu seu afeto. E, de mais a mais, deu-me mais razão para me esforçar em viver mais. Agora, a par de meus dois infantes extemporâneos, vem-me este afilhado(a) que, no dizer de seu pai, vai nascer em Praga, vai falar francês e vai amar o Brasil.

Tenho ou não razões para estar feliz?

Como feliz espero, seja Você, degustando de quando em quando, os bons charutos brasileiros.

Alonso Menendez e Dona Flor, os melhores puros nacionais, por minhas mãos, estão às suas ordens.

Até nosso próximo encontro.

Ex corde.


069.    SEMPRE APRENDENDO

Quem não recorda, com saudades, da canção A Banda de Chico Buarque?

“Estava à toa na vida, o meu amor me chamou...”.

Pois não é que outro dia, eu estava à toa na vida e minha mulher me chamou, tirando-me a concentração na qual mergulhara para redigir esta crônica?

Menos mal que a compacta cinza do meu Alonso Robusto me entreteve no entretempo.

Caindo no tapete da sala, na qual fumava furtivamente às horas tantas da noite, e antes que a mulher se apercebesse, apressei-me em esmagá-la como se fosse indesejado inseto.

Não fumo dentro de casa. Acontece que, após uns drinques, transgredira o hábito. Rompera a regra.

Duplamente admoestado, pelos drinques e pelo charuto intramuros, Você já imaginou se ela se apercebesse das cinzas no tapete?

Não mais seriam admoestações. Justificada e altissonante bronca, maior que um Especiales # 1, ressoaria pela casa e pelos ouvidos. E certamente eu perderia o fio da meada, pois o que eu queria hoje lhe falar, não era nada disso. Vou, pois, cessada a tormenta, tomar o elo condutor de nosso bate papo charutífero. (Desculpe o neologismo, mas afinal, se fruto gera frutífero por que charuto não poderia gerar charutífero?).

Na boquinha da noite, após o jantar e antes do(s) charuto(s) do final da jornada é condicionado reflexo ir escovar os dentes. Ontem, como de praxe, fui fazê-lo, seguindo-me, como autômatos, meus dois pequenos infantes. O ritual é sempre observado pelos ditos. Escova, creme dental, fricções, abluções, gargarejos. E os dois, paradinhos, o tope das cabeças mal alcançando o balcão da pia, ansiosos para repetir os gestos.

“Primeiro eu!”, disse o maior.

“Eu primeiro!”, retrucou o menor.

“Eu!, Eu!, Eu!”.

“Calma meninos, você que é o maior deve dar a vez para seu irmãozinho menor”.

“Ah é papai Hugo?”, indagou o maior, completando: “E porque então Você foi o primeiro a escovar os dentes?”.

Lembrei dos aviões onde recomendam que, em caso de despressurização súbita, Você primeiro cuide de si e depois das crianças. Mas era difícil explicar isso. Engatei a primeira e venci o desafio que me fora imposto.

Alternância foi a palavra chave.

“Hoje foi papai, depois o menor, depois o maior. Amanhã será o maior, depois o papai, depois o menor. Outro dia será o menor, depois o maior, depois o papai, e assim por diante!”.

Com meus charutos ajo assim.

Meus papais são os Alonso Menendez Robustos. Meus menores são os Alonso 10 e 20. Meus maiores os Especiales # 1 e os 8-9-8. Ora um, ora outro, se alterna em feliz e democrática convivência. E como meus meninos que estão aprendendo a viver, a cada dia aprendo um pouco mais sobre a arte e o prazer de fumar.

Espero que com Você, assim seja. E, necessitando de seus charutos não deixe de recorrer a meus préstimos.

068.    OS CHARUTOS DA INFÂNCIA

Temendo o chamado declínio cognitivo justifico o fato de, vez ou outra, minhas Fumaças terem conotações autobiográficas. Encare o texto.

Iniciei-me no ramo dos charutos em 1976 aos 35 anos de idade. Até então, com breves incursões nas indústrias do açúcar e dos refratários, me escolara na indústria química. Tintas, para ser mais específico. Foi o tempo das réguas de cálculo Archimedes. Puxa p’ra lá, puxa p’ra cá, seno, co-seno, tangente, co-tangente e lá se ia a gente calculando fórmulas químicas, com a precisão de uma maquineta eletrônica. Dessas moderninhas que estão, agora, na mão de qualquer pessoa. Depois das réguas, progredimos. Vieram as Olivetti Multisuma e Divisuma, ao início manuais. As elétricas, então, eram objetos de desejo. Para multiplicar fazíamos adições sucessivas, para dividir, deduções. Meu braço direito, sou destro, empunhou muitas e muitas de tais máquinas. Avalie Você, o quanto de tempo eu, como economista das empresas onde prestei serviços, nos últimos quarent’anos, perdi (ganhei?) fazendo cálculos, hoje instantâneos. Houvesse paciência! Até então não tomara conhecimento do maravilhoso mundo dos charutos. Charutos, para mim, eram simples reminiscência da antiga fábrica Charutos Pook, na cidade de Rio Grande/RS onde vivi os alegres dias de minha infância. Dias que integram meu patrimônio das boas recordações.

Lá ia eu, mãos dadas ora com minha avó, ora com minha mãe, em direção a uma instituição que abrigava idosos e – pasme – (falo dos anos 40) mantinha um jardim de infância. Nesta fase da vida entendo melhor o por que de minha atração pelos mais velhos. E, de quebra, passando pelos portões dos Charutos Pook, me deparava com dezenas de operários, às horas de suas saídas, muitos deles empunhando charutos. Daí minha atração pelos puros.

Puros que reencontrei na Bahia, com a rara felicidade de haver participado, desde a feitura do contrato da sociedade até os dias que correm, do sonho conjunto de Benjamim Menendez e de Mário Amerino Portugal: a Menendez & Amerino. Sou, no ramo, um brasileiro privilegiado. Foi nos ombros de Benjamim Menendez que me amparei para descortinar a atividade charuteira. História, estórias, ouvidas daquele mestre e amigo, curiosidade, dedicação, pesquisas, estudos e oportunidades raras sempre aproveitadas, permitiram que hoje eu pudesse falar um pouco, acerca do tema. Mas não tema!

Cada fumador de puros tem sua história. Por certo que a sua iniciação se reveste também de apreciáveis nuances. Deixe-me saber das ditas. Escreva-me. Sei que da sua experiência advirão inspiração e munição para continuar falando, e escrevendo, sobre os puros brasileiros. E entre esses, sem desmerecer outras boas marcas, ressalto a qualidade dos charutos Alonso Menendez e Dona Flor.

Dos quais, como Você sabe, mantenho estoques especialíssimos. Para fumar e para servi-lo.

Para tanto, basta contatar-me.

O abraço que, apesar de enfumaçado, não impede a visibilidade de minha estima por Você.

067.    PUROS PECADOS

Hoje o bate-papo é descontraído.

Quem teve a felicidade de aprender a fumar charutos e provou um bom charuto baiano, nunca esquece. Repete.

Quem provou a farinha copioba, produto também tipicamente baiano, não se satisfaz com outras farinhas de mandioca.

Façam o que fizerem; digam o que disserem. Assim como os charutos, a melhor farinha de mesa é a baiana.

Domingo passado, após meu Alonso Menendez Robusto, entremeado a aromas e sabores de meu uísque preferido, foi anunciado o prato do dia. Um prosaico prato nacional que adoro. Lauta feijoada.

Não me fiz de rogado. As derradeiras fumaças de meu Alonso Menendez, não por coincidência, mas por experiência, se associaram aos últimos goles do scotch. Com a boca farta e plena, preparei-me.

Primeiro os toucinhos, o branco e o defumado. Pecado. Sobre o prato, amassados, amassados e amassados com o garfo, formaram condenada pasta. Depois a copioba, finissimante tostada, se mescla ao pecado capital, fazendo recender inebriante aroma. A seguir o charque, o pé de porco defumado, a carne de fumeiro, o paio, a carne de sal presa, a calabresa, tudo recortado e misturado à massa inicial. Arroz, caldo do feijão. Para completar, o molho baianamente apimentado: coentro, cebolinhas verdes, malagueta, caldo de limão, azeite mais cebolas e tomates, picadinhos. Eu disse, picadinhos, embora sejam na verdade, pecadinhos.

Mais copioba para dar a consistência exata e, depois, sem escrúpulos mergulhei, gulosamente, no desafio gastronômico esgotando-o, sem pressa. Mas, ávido.

Você não pode avaliar o que seja uma feijoada da Boa Terra complementada com a farinha copioba, típica do Recôncavo Baiano. E, nem de longe pode imaginar o quanto, após ela, sabem os sabores dos bons puros de nossa terra. Seja um Alonso Menendez, seja um Dona Flor.

São puros pecados que nos conferem celestiais prazeres. 

Foi prazeroso estar consigo outra vez.

066.    MOMENTO A DOIS

Cotovelo esquerdo apoiado na cadeira ao lado, um Dona Flor Churchills Mata Fina entre os dedos médio e indicador, cabeça amparada pelo polegar, olhos no infinito e a mão direita com a caneta apoiada no papel. Assim inicio mais um bate-papo charuteiro com o Amigo, em pelo inverno baiano. 19º C. Frio para os nativos. Para mim, amena saudade dos pagos sulinos.

O charuto queima magnífico, desnudando compacta e retilínea cinza. Aspiro-o indulgente e preguiçosamente. Aquece-me. Giro-o com a mão esquerda. A cinza alterna auréolas, de distintos tons da grafite, caprichosamente delineadas. O anel da queima está perfeito. Negro, como a noite lá fora, deixa entrever, no ato da aspiração, ígneas cintilações. Fulge!

Como ampulheta na qual a areia escorre, marcando o tempo, meu Dona Flor d’agora, à medida que se consome com sua crescente cinza desafiando a gravidade, revela-me o tempo escoando. E veloz, pois velozes são os tempos dos prazeres.

Penso até que haja, no mundo, dois tempos de distintas durações. O longo e infindável tempo das aflições, e o breve e fugaz, das satisfações. Meus charutos, quando excepcionalmente bons, e os envelhecidos são os melhores, transformam minha hora, em efêmero instante. Quando acabam, fica uma saudade danada daquele feliz momento a dois. Que, como é natural, nem sempre reencontro no próximo charuto. Por isso, ao final da relação, agradecido, o coloco no cinzeiro e deixo a boca, inebriada por gostos e aromas, fazer viajar o pensamento. Espremo a língua contra o palato, extraindo das papilas o doce-amargo do companheiro que materialmente se foi. Mas que se perpetuou numa viagem de muitos embarques.  

Ao embarcar no seu próximo charuto lembre-se que o puro que se fuma em pacífico silêncio, é o único que permite desfrutar as melhores sensações.

O resto é festa! Ou hábito! Os quais, também, têm seus momentos próprios. 

Até nosso próximo encontro.
065.     MEU MARKETING

Quando a propaganda dos produtos de fumo era permitida, algumas pessoas me indagavam do por que as fábricas de charutos, a exemplo das fábricas de cigarros, não investiam no marketing de massa: televisão e revistas de grande circulação nacional. 

Respondia-lhes que sendo os charutos produtos das elites, a guerra não poderia ser à base de artefatos nucleares e sim do tipo baionetas caladas: homem a homem. 

Homem a homem significava, usando-se termos da moderna tecnologia, um raio-laser, característica não do marketing de massa e sim do marketing direto. 

Há algum tempo atrás, lendo – porque é lendo que a gente aprende que só se aprende lendo – conheci, e passei a aplicar, algo que já intuía e até realizava de uma forma, digamos, amadorística: o marketing de relacionamento. Aprendi o valor quase nunca percebido da importância dos clientes, dos amigos e dos formadores de opinião, o qual deve ser resgatado. 

O marketing de relacionamento não é um raio-laser.É uma supercola. Quando a gente consegue colar-se aos clientes de modo que eles se sintam confiantemente bem, alcançamos nosso objetivos: o benefício mútuo. 

O posicionamento central do marketing de relacionamento, ideal para produtos como os charutos, em minha opinião, é conhecer os clientes e cuidar bem deles. Cada consumidor é um caso específico. Conhecer suas preferências bem como garantir reciprocidade de benefícios são elementos essenciais. Integram o pacote de benefícios, entre outros, a qualidade, a velocidade, o preço justo, as comunicações oportunas. 

Por maiores que sejam as posses de qualquer fumador de puros, por certo que seus desejos sempre as superam. Os desejos são quase ilimitados. Cabe-me mostrar-lhes que os charutos brasileiros – Alonso Menendez e Dona Flor – lhes oferecem maior valor e satisfação pelo dinheiro investido. 

Quantos de nós – e incluo Você neste plural – não esteve em alguma loja e da mesma saiu com a  inequívoca convicção de lá não voltar nunca mais? Atendentes mal treinados, produtos falsificados ou mal estocados, informações incorretas, inflexibilidade comercial, integram o elenco que nos fazem abandonar qualquer fornecedor. 

Por isso quem manda no meu negócio de charuto é Você. 

Reclame! Sugira! Proteste! Telefone! Mande uma carta, um faz ou um e-mail! mas, pelo amor de Deus,diga alguma coisa, porque quem cala nem sempre consente. 

Por hoje é só! 

Até nosso próximo encontro: um chamado seu ou até a outra Fumaça Mágica.

064.    A MAGIA DA FUMAÇA

A fumaça representa uma relação antropológica homem-divindade.

Na crença – consenso universal – da existência de um ser superior, a fumaça por sua propriedade de evolar-se, ascendendo, foi uma das fórmulas que os mortais encontraram de elevarem-se às alturas. Onde, supostamente, habita o Ser Maior.

Você sabe disso por haver lido a respeito ou, por simples intuição. Observe. Aos índios americanos com os quais aprendemos a fumar, o tabaco e sua fumaça eram próprios dos pajés, interlocutores da divindade. E em todas as religiões nos apercebemos que a fumaça se reveste dessa forma mítica. Não importa o que seja queimado para produzi-la. Incenso ou mirra nos turíbulos católicos ou hastes aromatizadas dos orientais. Também não importa que nas religiões afro, a fumaça advenha dos charutos fumados pelos pais de santo.

Em todos os casos a magia da fumaça se faz presente, seja para espantar maus espíritos, seja para tentar-se chegar ao Ser Divino.

Em estudo que realizei nos anos oitenta quando dirigi a extinta fábrica de charutos Suerdieck, havendo inclusive na época escrito a respeito, constatei que no Brasil, cerca de 25% da produção de charutos se escoavam na área dos rituais afro-religiosos.

É claro que falava, então, da produção global de charutos nacionais, incluindo-se, pois, entre os ditos, tanto os puros oriundos da produção empresarialmente organizada, quanto os charutos – as regalias de balaio – feitos em fundos de quintais. Com fumos Deus sabe lá de que origem.

Aliás, devo aqui abrir parênteses para comentar haver vezes em que, um ou outro amigo me liga dizendo que recebeu uns charutinhos especiais aqui da Bahia, feitos por uma charuteira em sua casa e que os mesmos estavam maravilhosos. Valha-me Senhor! Se ele soubesse que tais charuteiras, sem capital para investir em tabaco, compram os restos dos restos dos restos do que sobra nos fabricos organizados, jamais poriam um charuto daqueles na boca. Os cubanos chamam tais restos de fumos de basura. Em bom português: lixo.

Mas é com tais fumos que são feitos os charutos de fundo de quintal. Bons para pais de santo incorporados. Péssimos para Você que aprecia a arte e o prazer de fumar. Para aqueles, o que se faz presente é a coisa mítica herdada de nossos índios. Não é o seu caso onde os charutos, com sua prazerosa fumaça, estão muito mais para os cachimbos da paz. Apaziguam. Tranqüilizam. E trazem Você para dentro de si mesmo.

Como acontece comigo agora, degustando meu Alonso Menendez Robusto.

Em paz comigo, levo a Você minha paz e meus agradecimentos por sua leitura atenciosa.

E, quando seus charutos - as fontes de suas fumaças mágicas – esgotarem recorde-se de mim. Para tanto disponha de meu e-mail ou de meus telefones.

Que a Paz do Senhor esteja consigo.

063.    CUBA’NTIGA

Na minha Fumaça Mágica 59 falei de alguns termos e costumes usuais nas fábricas cubanas de charutos, assim como da incorporação dos ditos ao dia a dia de nossa fábrica de São Gonçalo dos Campos. Escaparate, rezagos, fumas, galera, etc. usuais tanto lá, como cá, demonstram ter sido muito forte a influência dos membros da família Menendez, que aqui aportaram no final dos anos setenta. Tão forte que, por alguns anos, a Menendez & Amerino, adotou o slogan “Técnica cubana pelas mãos de brasileiros”, o que continua sendo patente verdade. 

Mas, alguns costumes da Cuba de antanho se perderam no tempo. Um deles foi a existência dos “leitores”, nas fábricas de charutos, em finais do século XIX e inícios do século XX. Tempos sem televisão e do rádio no seu nascedouro. Os “leitores” trabalhavam nas fábricas de charutos, porém seus salários eram pagos pelos charuteiros. 

Postavam-se de frente aos charuteiros e, em voz alta, pela manhã liam os jornais do dia. Pela tarde liam livros, geralmente romances, aos quais os cubanos chamam novelas. Isso proporcionava aos empregados das fábricas de charutos um nível de conhecimentos bem acima da média. Por conseqüência, embora fossem de uma cultura primária, eram muito ativos e com forte influência na vida política cubana. Além disso, à época, as fábricas das marcas “H. Upman e Montecristo” e a da marca “Partagás”, que juntas mantinham algo ao redor de 1.500 empregados, ficavam muito próximas do Congresso cubano, em Havana. 

Havia disputas, entre os empregados, sobre qual o próximo romance a ser lido, capítulo por capítulo, dia após dia. E aí eu, à varanda de minha casa, baforando meu Alonso Menendez Robusto e assistindo aos Clones televisos globais, fico pensando que os cubanos tinham, e têm, razão em chamar de novelas, aos romances. Afinal, aquelas para nós nada mais são do que romances digeridos aos pedaços. Entremeados de comerciais os quais, os charuteiros cubanos de antigamente, não eram obrigados a suportar. 

E, falando em comerciais, lá venho eu aporrinhar seu juízo lembrando que continuo às suas ordens, tanto pelo meu e-mail hugocharutos@uol.com.br, quanto pelos meus telefones (075) 9133 1209 e (075) 246 1045. 

Até nosso próximo encontro.

062.    FONTE DE INSPIRAÇÃO

“Só peço inspirações ao meu charuto”. 

Este verso não é meu e sim de Álvares de Azevedo em “O Poema do Frade”. Paulista, Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852), é tido como um de nossos maiores talentos do Romantismo. Sabia das boas coisas da vida apesar de ter morrido precocemente.  

Sua obra revela os desencantos românticos, clara nestes outros versos do citado poema:

“E do meio do mundo prostituto”,

“Só amores guardei ao meu charuto”. 

A extremada exaltação dos sentidos, outra característica da escola romântica, também se faz presente quando versa:

“E que viva o fumar que preludia.

As visões da cabeça perfumada!

E que viva o charuto regalia!

Viva a trêmula nuvem azulada,

Onde s’embala a virgem vaporosa

Viva a fumaça lânguida e cheirosa!

O “Poema do Frade” só pode ser bem interpretado por quem, como Você, aprecia charutos. Isso aprendi por experiência própria. Na companhia de meu robusto Alonso Menendez, sinto-me à vontade para, mais uma vez, falar com Você. Fugindo da forma habitual sem evadir-me, porém, daquilo que nos une: os bons puros brasileiros. 

Companheiro fiel sempre disponível, exaltador dos sentidos, com sua fumaça mágica tênue e perfumada, o meu/o seu charuto é permanente fonte de inspiração. Como o foi para Álvares de Azevedo. 

Quando Você for degustar seu próximo puro, lembre-se dessas coisas. 

Não faça do fumar um gesto mecânico, automatizado. 

Não fume por necessidade, fume por prazer. Prazer que lhe ofereço, espero, com minhas crônicas e, certamente, com meus charutos. 

Charutos que aguardam seu chamado.


061.    PUROS TEXTOS

A busca de novidades é característica inata ao ser humano. Novidades são notícias de coisas novas. Daí o sucesso dos jornais televisos ou dos noticiários radiofônicos. Ibope lá em cima, à espera sempre de fatos novos, originalidades. O fumador de puros não foge à regra.

Se Você é internauta por certo, sempre que pode, anda acessando sites que tratam de nossos charutos e seus prazeres. Eu o faço por, digamos, imposição do ofício. E confesso encontrar, como regra, trivialidades, mesmices e lugares comuns.

Manter-se uma home-page voltada para um segmento tão específico como o nosso ramo requer, não só visual atraente, coisa fácil de se conseguir, mas conteúdos pragmáticos mutantes, ricos e diversificados. Acontece que num mercado como o brasileiro, no qual a oferta se reduz a um número de fábricas que, com sobra, cabe numa das mãos, o site não pode ficar o tempo inteiro contando a história dessa ou daquela fábrica. Nem poderá se limitar a, repetitivamente ficar tratando das técnicas seculares do fabrico ou falando de capas, de capotes, de fillers, etc. e tal. Chega uma hora em que a paciência do leitor-internauta esgota. E, por menos exigente que seja, pensa ele com seus botões: “Mas que zorra! Acesso esse site para saber se há alguma novidade e encontro, sempre, a mesma lengalenga!”.

No fundo a culpa não é do site em si. Nasce do porte do nosso mercado interno.

Volta e meia, um ou outro fabricante lança novo charuto em nova embalagem com um novo apelo.

Sabe Você, por acaso, o que acontece na prática? A vida dele se complica com mais um item de produção para administrar e as vendas totais não aumentam. Há, simplesmente, um deslocamento da demanda de determinada bitola tradicional para a nova marca ou bitola.

A razão é de uma simplicidade meridiana que os marqueteiros teimam em não reconhecer: novos produtos, variantes do mesmo tema, não significam novos consumidores, nem fazem com que os tradicionais fumadores consumam mais. Por isso, como economista e profissional ligado ao ramo há mais de duas décadas, afirmo sem temor algum, que a demanda nacional de charutos é inelástica. Traduzindo em miúdos. Não cresce, nem de longe, na razão direta dos esforços e investimentos mercadológicos dos fabricantes.

Trata-se de uma questão cultural. Questão cultural essa que me aconselha a ser prudente em intentar (e sempre adiar) um site charuteiro na Internet. Malgrado insistências de um ou outro amigo.

Prefiro ficar com a flexibilidade de minhas enfumaçadas crônicas nas quais, navegando no mundo das palavras, consigo associar à sua/minha vida, os seus/meus charutos. São novidades, permita-me o neologismo, lítero-charuteiras. Puros textos, sem imagens, sobre os puros.

As imagens ficam por conta de sua imaginação.

Como, imagine-me agora, abraçando-o.

060.    MULTIPLICADOR COMUM

Os charutos são como as pessoas. Nunca são iguais, mas uns e outros, têm denominadores comuns, próprios, que nos permitem identificá-los.

Retirando-se o anel de um Alonso Menendez, p. ex., antes de entregá-lo ao Amigo, e Você estiver acostumado à marca, por certo que irá reconhecê-lo. Primeiro por suas características externas: a plasticidade, a textura da capa, o formato. E, depois de acendê-lo, por suas características intrínsecas: a explosão do sabor e do aroma.

A significativa maioria de meus clientes, conquistados ao longo dos últimos 25 anos, é como se fossem, para mim, charutos sem anéis. Nunca tive o prazer de haver estado com eles pessoalmente. Mesmo assim, os reconheço pelo contato afetuoso que mantém comigo.

Por tal motivo me permito, volta e meia, misturar temas familiares às minhas baforadas crônicas charuteiras.

Desnudo-me. E, em contrapartida, recebo mensagens distanciadas do elo que nos vincula, os charutos. Tais mensagens comprovam ser a amizade algo que independe do contato físico. Basta haver um denominador comum.

Um dia, um de meus amigos se dá ao trabalho de agradecer os charutos recebidos, associados às minhas, segundo ele, carinhosas palavras, afirmando que aqueles não vivem sem essas. Outro dia, outro amigo, deixa de lado seus afazeres e, declarando-se curto e grosso como um Robusto, me convida para visitá-lo no Pantanal. Outro mais, da serra fluminense, quer que eu vá visitá-lo no inverno, para curtirmos puros e vinhos. Outro ainda me oferece sua casa praiana no litoral capixaba. E por aí vai.

Isso tudo sem falar dos muitos outros, gentis por excelência, que me incentivam a editar algo sobre charutos, como se escritor eu fosse. Há, ainda, os que me escrevem falando de suas vidas privadas. São médicos, políticos, advogados, industriais, professores universitários, engenheiros, atores, músicos, sei lá.

E Você há de convir que eu, mero charuteiro, sinto-me feliz pelo fato de graças aos charutos, haver granjeado tantos amigos, entre os quais lhe incluo. Amigos que me privilegiam com sua preferência. Preferência que brota, eu sei, da qualidade dos puros da Menendez & Amerino, associada à amizade gratuita que o amigo me dedica, a qual está embasada no comum denominador. Aliás, chamar os charutos de denominador é muito pouco. Eles são, na realidade, um multiplicador comum.

Enquanto desfruto meu preferido Alonso Menendez Robusto, de uma canção recolho o seguinte verso: “Como vai Você? Eu preciso saber de sua vida”. E a lembrança veio a propósito. Os charutos também fazem parte de sua vida.

Deixe-me saber deles e, por conseqüência, dela.

059.    “ESCAPARATE” E “REZAGOS”

Escaparate. Na “última flor do Lácio, inculta e bela” a palavra não existe. No idioma de Cervantes, porém, significa armário, geralmente grande. O termo, em Cuba, no dia a dia das fábricas de puros, segundo ensinamentos do cubano Félix Menendez, foi incorporado ao processo de produção. No “escaparate” de cedro guardavam-se os charutos para envelhecerem. Félix não gosta do verbo envelhecer. Prefere “maturar”. Nisso não concordo muito com ele, pois coisas há, na vida, que quanto mais velhas, melhores. Os vinhos, para não me alongar, que o digam. Os americanos usam a expressão “aging-room”.

Na fábrica da Menendez & Amerino, produtora dos puros apreciados por Você, tivemos um “escaparate” nos primeiros anos da empresa. Questões relativas ao alto índice de umidade relativa do ar recomendaram sua substituição pelo “aging-room”. Um grande ambiente climatizado. Entrar nele, para quem ama os charutos, é entrar no paraíso.

Entro no paraíso, todos os dias. Com olhos gulosos e periscópicos, rodo 360 graus.

“Fulano é cubadeiro” diz a linguagem popular baiana, se referindo a terceiros que gostam de tomar conta da vida dos outros. Ao vir para a Bahia, tal qualificação me soava estranha. Porém, se Você se detiver deduzirá tratar-se de uma derivação do verbo “cubar”. E o que é um cubo se não um quadrado tridimensional? Cubar, portanto, é medir, esquadrinhar em todas as dimensões.

Pois bem, cubo diariamente nossa sala de envelhecimento dos puros, inebriando meu olfato com aquela aromática mescla doce-mel dos variados tipos de fumos. Aroma familiar aos iniciados que, quando abrem uma caixa de puros, perseguem.

Ali, a portas sempre fechadas, o prazer olfativo do abrir uma caixa de charutos, é exponencialmente aumentado. Ninguém ao redor. Só umas poucas funcionárias que entram e saem de forma quase automática.

Deixo-me ficar como se estivesse à procura de algo. Há charutos de todos os formatos, de todas as cores. Uns já pré-selecionados, anelados. Outros ainda no aguardo dos processos de revisão e classificação. Estão em amarrados, de pé, em grandes caixas de madeira, às quais denominamos bandejas. Respeito os puros já escolhidos. Afinal estão agrupados em maços, geralmente de 25 unidades, correspondendo a 25 irmãos cromáticos. Talvez fosse melhor dizer “clonáticos”. O clone é, em verdade, o que mais se intenta numa linha de charutos. Restam os charutos não escolhidos, mas esses não servem. Estão ainda muito úmidos. Então o que fumar?

Na sala referida, temos sempre uma coleção multi-variada de puros, aos quais a terminologia cubana, chama “rezagos”. São os descartes procedidos pelo controle de qualidade. Charutos com defeitos plásticos, tipo pés lascados, bicos mal formatados, capas manchadas, etc. Tais puros ali ficam para que a turma da fábrica que aprecia fumar charutos sirva-se.

Mergulho, sem escrúpulos, nos “rezagos”. Encho o bolso da camisa. Acendo um e saio dali, abastecido, para mais uma jornada. Atento ao sabor, à queima, à compactação, sempre que necessário, levo ao diretor técnico, Félix Menendez, meus comentários críticos.

Da mesma forma como gosto que Você proceda comigo, sempre que seu charuto não lhe agrade.

Afinal, quem manda no nosso negócio é Você. Por isso, mande suas ordens.

058.    SILENTE CUMPLICIDADE

Outro dia, ao cair da tarde, eu estava como de hábito em tal horário, em minha chácara da qual já lhe falei em crônica anterior. Em vez de ir para o jogo nosso de cada dia na Pousada dos Centenários, voltei ao escritório para adiantar o expediente. Costumo fazer isso, sempre que recebo pedidos no período vespertino, ou que minha secretária Eliana avise que há correspondência para responder.

Primeiro a obrigação, depois a devoção.

Tal horário é ótimo para trabalhar. A temperatura está mais amena, não há (pelo menos aqui) ruídos urbanos e, adicionalmente, não há ninguém por perto, para aporrinhar o juízo. Deu-me uma saudade danada de fumar um Brasil 500 Anos. Fui ao local onde, com especiais cuidados, estoco os meus puros. Escolhi um, dei-lhe candela. Sendo ouvinte habitual de estações de rádio AM, apercebi-me que era a hora do Ângelus. Navegava na Internet com o rádio ligado. O Brasil 500 anos fumegava incensando minha sala de trabalho. Parei, por instantes, para meditar e percebi, de entremeio aos acordes da Ave-Maria, o som de um berimbau invadindo a janela. Meu escritório situava-se, então, numa pequena pracinha tipicamente interiorana. E, sentado na amurada que rodeia a amendoeira da praça, lá estava o solitário tocador do berimbau dedilhando os acordes do toque conhecido como São Bento Maior. Eu e meu Brasil 500 Anos nos debruçamos ao parapeito. A noite caiu com a velocidade típica dos trópicos e nos deixamos ficar, em silente cumplicidade, trocando confidências, ante o desconhecido instrumentista popular.

Foi, creia, um dos grandes charutos de minha vida. 

Como Você sabe um charuto em si, não é nada mais do que um charuto. É fumo puro. Ele só se agiganta, e dá prazer, quando associado a ocasiões especiais. Mesmo que tais momentos sejam os da solidão, da reflexão ou do trabalho. 

Sempre a seu dispor para um bate-papo, relembro que falar comigo é facílimo. Pelos telefones (075) 9133 1209 e (075) 246-1045, seja pelo meu e-mail hugocharutos@uol.com.br, aguardo seu contato. 

Na próxima Fumaça Mágica falarei de “escaparate”. O que é isso? Aguarde. 

Fraternalmente o abraço prometendo voltar a sua presença, antes de Você sentir saudades.

057.    FUMANDO PIRÂMIDES

Há algum tempo atrás um de meus clientes, apreciador dos Dona Flor Churchills, teve a gentileza de manter contato comigo, confirmando sua direção eletrônica e, de passagem, registrando haver experimentado os charutos Dona Flor Pirâmides, tendo achado esses últimos, “ardidos” no seu terço final. Nada reclamou. Apenas comentou.

Como quem manda no nosso negócio é o cliente, de pronto, lhe enviei esclarecimentos, a seguir transcritos. Creio se tratar de tema do interesse de todos, como Você, que me privilegiam com suas leituras e preferências.

Os charutos produzidos por Menendez & Amerino, desde os El Pátio lançados em 1977, passando pelos Amerino em 1978, pelos Alonso Menendez que entraram no mercado em 1980, pelos Marília & Dirceu de 1981 e chegando aos Dona Flor lançados no ano 2000, à exceção da bitola Pirâmides, sempre tiveram o formato cilíndrico (corpo reto).

Ao se cortar o bico de um charuto, a regra recomendada e adotada pela maioria dos fumadores, é fazer-se um corte reto, de forma tal que o diâmetro de saída da fumaça, corresponda ao diâmetro do próprio charuto. Neste caso, no momento de aspirá-lo, não se forma nenhuma pressão interna no puro. A fumaça flui sem problemas.

Já num charuto piramidal, onde o diâmetro do bico é menor que o diâmetro do pé, quando da aspiração, forma-se uma pressão interna a qual poderá provocar uma condensação nicotínica na última parte, causando algumas vezes, a sensação que foi observada pelo cliente.

Os fumadores mais ortodoxos têm como regra abandonar o terço final de qualquer charuto, pois ele funciona como um “filtro” dos dois terços iniciais.

No Brasil de maneira geral, costuma-se fumar o puro até bem próximo ao bico. Eu, que tenho o hábito de manter o anel, às vezes chego até a chamuscá-lo.

Por isso, para contornar o problema das Pirâmides se recomenda aumentar o corte do seu bico. Assim agindo, o fumador perceberá que tais charutos ficarão bem mais agradáveis ao final. 

Até nosso próximo enfumaçado encontro.

056.    GABRIELAS

Nossa confraria tem aumentado em gênero e número. Do grau não falo, vez que se o que Você fuma é o que lhe basta, basta. Tem aumentado em número, pois a cada dia, cresce a quantidade de apreciadores dos puros. Gente que, como Você habitual charuteiro, se inicia na arte e no prazer de fumar. Tem crescido em gênero vez que é crescente a quantidade de mulheres que, deixando os cigarros, optam num primeiro passo, pelas cigarrilhas.

Daí terem surgido as cigarrilhas Gabriela.

Nossas Gabriela não sabem nem a cravo, nem a canela. Ao menos, por enquanto. Os dois sabores que chegam ao mercado são o achocolatado e o original. Esse último, sem aromatizante, é quase um mini-puro. Medindo 99 mm de comprimento, por um diâmetro de 9,5 mm, as Gabrielas preenchem uma lacuna na linha de produtos da Menendez & Amerino, vindo a concorrer com as cigarrilhas Palomitas e Talvis, produzidas por outras empresas do ramo. Mas, de quebra, celofanadas uma a uma, acondicionadas em atraente display de 50 unidades (hot-stamping em alto relevo, de inegável bom gosto), têm preço competitivo e chegam ao público brasileiro com a reconhecida qualidade dos charutos da Menendez & Amerino

Não há mulheres, amigas de charuteiro, que resistam ao charme e encantos de uma Gabriela. Por isso sugiro que, em sua próxima encomenda de charutos, inclua algumas embalagens de tais cigarrilhas para ofertá-las àquelas que o rodeiam. Será para as mesmas, creia, uma agradabilíssima surpresa, vencendo quaisquer resistências, mesmo as das antitabagistas mais convictas. 

Confie em mim. Sei, por experiência própria, do que estou lhe falando. Mulher amiga de homem que fuma charutos se apaixonará, de cara, pelas Gabrielas.

055.    SIAPED ADREM

Depois que, no Rio, a animália que puxa carroças passou a ter limite de horas diárias de trabalho e licença maternidade; depois que, em São Paulo, os cachorros passam a ter carteira de identidade, eu e meus/seus charutos trememos. E tememos.

Há muitos anos atrás, no finzinho dos anos setenta, ainda residia no Brasil, o cubano Alonso Menendez pai nominal da homônima marca de charutos. Eu adjetivei a paternidade de nominal vez que o pai técnico foi seu irmão, Benjamin Menendez, que então dirigia a empresa.

Alonso e eu, à época, trabalhávamos juntos na área de marketing, da novíssima Menendez & Amerino. Também prestava seus serviços na companhia um alemão, ex-funcionário da Suerdieck, ex-soldado da SS na 2ª guerra mundial, Joseph Hoerchel, mais conhecido como Seu Pepe. Seu Pepe além de ser um autêntico germânico e poliglota, tinha um pavio curto, cuidando da área de comércio exterior da empresa. Sabia tudo de comércio internacional e dos meandros burocráticos nacionais relativos ao setor. Chegado qualquer negócio, de qualquer país, era ele quem, em primeiro lugar, era informado, para logo ir adiantando a papelada oficial.

Naqueles anos o continente africano mudava constantemente sua geografia política e não havia mapa que se mantivesse atualizado, sendo o tempo também que nos familiarizávamos com nomes de seus países. Não havia a Internet.

Um dia Alonso Menendez e eu resolvemos pregar uma peça em Seu Pepe. Simulamos haver recebido, para embarque aéreo imediato, um pedido de charutos de um país ao qual chamamos de Siaped Adrem e cuja capital não lembro mais o nome que inventamos. Mas o nome do país, isso recordo bem, era assim mesmo: Siaped Adrem. Comunicamos a Seu Pepe que o pagamento seria antecipado.

Tempos difíceis. Falta de dinheiro. Seu Pepe corre logo para agilizar o processo, deixando de lado todos seus outros afazeres. Passa-se um dia e nada de Seu Pepe. Passam-se dois dias e Seu Pepe anda preocupado, pelos corredores da empresa, resmungando com um e com outro, reclamando que a África mudava todos os dias, que ninguém mais tomava pé, que já estivera na Varig, que já havia comprado um mapa-múndi atualizado, que já consultara a antiga CACEX do Banco do Brasil, que já fora no departamento de geografia da Universidade Federal da Bahia e que ninguém, ainda, tinha conhecimento de Siaped Adrem. Todos, entretanto, estavam agilizando suas fontes de informação para tentar ajudar Seu Pepe a levar a frente o negócio.

Seu Pepe, a esta altura, nem mais dormia e não fazia outra coisa se não sonhar com o tal Siaped Adrem. Todo dia, no cafezinho, outro não era o assunto. E nós pressionando-o, pois “o pedido já estava pronto na fábrica”. Uma semana depois, Seu Pepe, que não gostava de incomodar ninguém, resolvendo sozinho seus problemas, entregou os pontos.

Veio até nós pedir se poderíamos ajudá-lo. Alonso Menendez que à época fumava charutos da antiga marca El Pátio, posto que os puros homônimos ainda não existiam, com um El Pátio pendurado à boca olha para seu Pepe, com toda a paciência do mundo, dizendo-lhe que a solução do problema estava no próprio nome do país. Pediu-lhe lesse, com atenção tal nome, tocando fogo assim no pavio curto de Seu Pepe. Esse, em voz alta e com seu indisfarçado sotaque germânico lê para todo mundo ouvir: SIAPED ADREM.

Não, seu Pepe, o senhor está lendo errado, diz Alonso. Leia de trás para frente, recomendou-lhe.

Ah meu amigo! Quando seu Pepe leu, também em voz alta, o nome invertido, ninguém mais trabalhou naquele dia.

São histórias de nossa fábrica que me fazem pensar, às vezes, que Alonso tivera alguma premonição quando vejo cavalos com carga horária e cães com RG.

054.    CONTRA-SENSO

Em minhas charuteiras crônicas exalo fumaças postais e eletrônicas procurando ter sempre, como tema central, os bons puros da Bahia.

Volta e meia divago sem perder de vista que aquilo que me vincula a Você, a par da amizade e confiança recíprocas, é a arte e o prazer de fumar. Eu como escriba-mercador, Você como fiel charuteiro. Esta relação varejista exige mudanças constantes. A forma como hoje me comunico consigo é uma delas. Das antigas Fumaças Mágicas postais, chego à grande maioria, pela Internet.

Alinho-me entre os que pensam que um bom charuto vendido a um bom preço não seja o bastante. Tenho por obrigação superar as expectativas de meus clientes e amigos, os quais esperam encontrar em mim, não um simples atendente, mas um profissional do ramo. E para tanto me empenho em encantá-lo e, se for possível até, surpreende-lo.

Procuro criar um padrão de atendimento associado a informações que funcione como se fosse uma “marca registrada”. Se a Bahia tem um jeito que nenhuma terra tem, meus charutos têm por obrigação possuir um algo mais, que os mesmos charutos de outras fontes não tenham.

Daí estas baforadas mescladas com a azulada cinza de um magnífico Alonso Special Reserve que, enquanto lhe escrevo, degusto.

Outro dia falei do nosso ex-ministro José Serra e da campanha antitabagista com peças que passam a aparecer nas carteiras de cigarros. São nove peças com fotos e frases intimidadoras. De tais peças, em oito aparecem pessoas de cor branca, e na outra, uma de cor negra. Até aí tudo bem. Das frases escolhidas e associadas às fotos apenas uma delas trata a nicotina como droga, causadora de dependência. E não é que os marqueteiros foram logo vincular essa frase com a pessoa da raça negra?

Não deu outra. O MNU (Movimento Negro Unificado) “caiu de pau” em cima do então ministro, acusando-o de racismo, com ação na Justiça Federal, representação criminal do STF e sei mais lá o quê. Em que vespeiro o candidato foi se meter.

De nossa parte, ainda bem que somos ferrenhos defensores dos charutos de capa escura (Brasil/Bahia-Mata Fina): os autênticos charutos brasileiros. Você já pensou se a gente defendesse o contrário? Seria, no mínimo, um contra-senso.

053.    NINGUÉM É DE FERRO

A vida nas cidades grandes, para quem já teve oportunidade de nelas haver vivido por muitos anos, não é prazerosa. Todavia, viver-se no interior, longe das atrações urbanas, requer sabedoria que só o tempo traz.

Em São Gonçalo dos Campos, um perto-longe de Salvador, pois são apenas 100 quilômetros de distância, está sediada, como Você sabe, a Menendez & Amerino, produtora dos charutos que o Amigo aprecia. Aqui , num mar de tranqüilidade, ouvem-se as buzinas das cigarras e o cantar dos pássaros. Mas nem tudo é placidez, pois se trabalha. E como!

Saio antes das 6:30 horas da matina. Meu primeiro puro da jornada: um Alonso Menendez nº 20. Na fábrica aonde trabalho nas primeiras horas, lá se vai o segundo puro: um Alonso Robusto Claro. Dos escolhidos diretamente na produção.

 Benissimamente bem aclimatado. Jóia rara. Cerca das 10:00 horas encerro o expediente fabril. Uma rápida passagem por casa, beijos na meninada que quando saí estava dormindo, um cafezinho e lá se vai o terceiro puro. Outro Robusto. De lá uma passagem pelo Banco. Do Banco rumo ao escritório de minha firma. Estas ações e trajeto consomem 15 minutos e representam uns 300 metros. Na firma, atendimento e despacho dos pedidos chegados por e-mail ou telefone. Seus charutos, minha vida. A Igreja Matriz de São Gonçalo soa as badaladas meridianas. Hora de voltar a casa. Almoço rápido, às vezes antecedido de um mergulho na piscina. Noticiário televiso. Chegou a vez do quarto charuto: qualquer bitola, desde que seja um Mata Fina. Beijinhos, beijinhos, tchau, tchau.

Vou, então, para minha chácara. Menos de três quilômetros. Lá, um verde explosivo de fazer inveja ao verde mangueirense. Agora estou construindo área para onde pretendo, breve, transferir meu escritório. Assim reunirei o útil ao agradável. Os meus charutos, os “barulhos” do interior, ar puro e todas as facilidades de comunicação dos dias que correm. Uma caminhada. Outro puro. O quinto do dia. São 15 horas e, nesta época do ano, o sol arde em brasa. Tudo brilha. O cajueiro, com frutos não colhidos da safra que ora finda, atrai cardeais, chupa-laranjas, caboclos, curiós do brejo, lavadeiras, assanhaços e outros pássaros. Uma festa que todos os dias se renova. Sento à mesa do quiosque e manuscrevo estas mal traçadas. Passa-se o tempo. O puro apaga. Reacendo o puro. 17 horas. Um banho de chuveirão ao ar livre. Os trabalhadores vão-se. Uma última volta pelos jardins e lá me vou para o hotelzinho da cidade. Já falei dele em crônicas passadas. Todos os dias ali, aos domingos inclusive, uma turma com motores 6.0 e 7.0, se reúne para o carteado. Da chácara à Pousada, uns 400 metros. Circulo de carro tão pouco que as trocas de óleo não são controladas por quilometragem. O são por semestres. Sempre nos períodos junino e natalino. Vida difícil. O jogo, na Pousada do Centenário (a qual chamo Pousada dos Centenários em alusão às idades da turma da jogatina) flui até a boquinha da noite. Durante isso acendo meu sexto puro. Um Dona Flor Maduro, de qualquer bitola. Uns dois parceiros, que não fumam, sempre reclamam. Mandam desligar o ar condicionado, abrir portas e janelas. Danem-se. 20 horas: volta ao lar. Tempo de ajudar a mulher a por os meninos a dormir. Mamadeiras, orações, embalos, cantigas de ninar. Nada de fumo dentro de casa. Um passeio pelos canais da TV. Um drinque. Uma espiada na novela das oito, que sempre é às nove. Os meninos dormiram. Aleluia! Vamos jantar em paz. Assuntos da casa são comentados. Jornais e revistas, folheados.

 Telefonemas familiares e de alguns clientes que gostam deste horário para falar comigo.

Tranqüilidade. Saio para a varanda onde, matutando na vida, degusto o último puro do dia. Outro Alonso Robusto Claro. São 23 horas e vou repousar, pois afinal ninguém é de ferro.

052.    TUDO COMO DANTES

Minha casa é uma bagunça institucionalizada. Meu motor 6.0 não me permite mais ser, simplesmente um pai. Sou um pai-avô complacente, de dois garotões às vésperas de 4 e 2 anos, respectivamente. Imagine Você o que aprontam. Meu computador domiciliar que tinha se transformado em mais um brinquedo da garotada, fui obrigado a levá-lo para meu escritório. Agora – pergunto eu – que faço com dois computadores no mesmo local? O ambiente onde o dito se encontrava foi convertido em sala de brinquedos, na vã tentativa de tentar disciplinar, um pouco, o mundo de quinquilharias infantis, espalhadas pela casa, nas quais tropeçava a todo instante.

Há momentos em que os bombeiros seriam de extrema utilidade para ajudar, com seus potentes esguichos, a lavar as varandas da casa. E, penso eu, talvez até, se trouxessem uma escada Magirus ou um detector de metais, auxiliariam encontrar pequenos objetos que somem, graças aos desordenados meninos: telefone sem fio, controle remoto da TV, chaves do carro, revistas, óculos, mamadeiras, meus charutos, copos, canetas e sei lá mais o que.

Quero perder a paciência. Impossível! O caçula que está começando a querer falar, me chama de Vavaio, abreviação inventada por ele, para meu sobrenome paterno. Olha para meus Alonso Menendez Robustos e exclama: “Chauto Vavaio”!

Aí eu fico matutando e pensando no nosso Ministro José Serra o qual, outro dia, foi à TV anunciar o início da obrigatoriedade de se colocarem tenebrosas imagens nas embalagens de cigarros e charutos. O Ministro, por sinal, até que foi muito gentil com os fumantes. Declarou, não sei se Você teve oportunidade de assisti-lo, que os mesmos são cidadãos como outros quaisquer. Aleluia! A confraria agradece. Disse que a preocupação do Governo é evitar que os jovens comecem a fumar e que a obrigação das imagens é medida adotada por outros países do mundo, como o Canadá. Aí o Ministro pisou na bola. O único país, além obviamente do Brasil agora, que impõe a citada medida, é o Canadá.

Mas, até aí, tudo bem. Leis existem para ser cumpridas. Nós do ramo charuteiro andávamos preocupados com a nova exigência, a qual, felizmente, para os charutos, foram abrandadas pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Embalagens de 20 charutos ou mais, ou de cigarrilhas com 50 unidades ou mais, não estarão obrigadas a cumprir o dispositivo legal. Foi, se reconheça, uma vitória de nosso sindicato de classe, presidido por Mario Amerino Portugal, um dos sócios titulares da Menendez & Amerino.

E como, praticamente, quase todos os charutos são modulados em 25 unidades, o Amigo não terá o desprazer de, ao manusear suas caixas ou maços, dar de cara com imagens que, pelo amor de Deus, tiram o tesão de qualquer sujeito.

Portanto, tudo como dantes no quartel de Abrantes. Aliás, este verso camoniano me fez recordar um locutor radiofônico soteropolitano que, em plena folia momesca, se referiu ao mesmo, como sendo o comandante do quartel de Abrantes. Ui! Essa doeu. Foi dose!

E, de dose em dose, se Você beberica por prazer, por certo que também incorpora ao mesmo, o ato de degustar nossos puros.

051.    MERCADO NACIONAL DE CHARUTOS

No Brasil há pouquíssimos consumidores de puros. Você é um dos privilegiados desta casta de iniciados a qual, pasme, não deve ultrapassar a casa dos 40 mil consumidores. Se compararmos tal número com o dos fumantes de cigarros, uns 35 milhões, Você entenderá por que me permito e me delicio em, volta e meia, ocupar alguns minutos de sua preciosa atenção. 

Muito se fala, mas pouca tinta se gasta, quando se discute ou se tenta dimensionar o mercado brasileiro de charutos. 

Lembro de viagem que fiz a Havana, quando superintendente da extinta Suerdieck em que, em reunião com cubanos do ramo, expus as cifras de nosso mercado. Tenho certeza que meus interlocutores à época, falo do ano 1985, não acreditaram.

 Passou-lhes pelas mentes que eu apresentava cifras reduzidas para não lhes aguçar interesse. Hoje, com o mercado de importações aberto, certamente, devem ter amplo conhecimento de tal realidade. E, observe-se que os charutos cubanos, e somente eles entre os importados, por força de acordo bi-lateral, entram no país sem pagar impostos de importação. Some-se às importações oficiais os produtos contrabandeados, geralmente contrafações. 

Além dos cubanos encontramos, nas lojas nacionais, puros de diversas procedências, cumprindo destacar os dominicanos (quase todos hand-made), os norte-americanos (todos feitos à máquina) e os holandeses (idem, idem). Os puros destas duas últimas procedências, embora por ignorância do mercado, entrem na disputa da demanda sofisticada, não nos interessam pois, pretendo apresentar apenas as cifras dos premium hand-made

Aí então, o mercado brasileiro está, mais ou menos, na seguinte posição:

Mercado nacional de charutos (em milheiros unidades - 2001)

Nacionais

Importados

Menendez

1.800

Cubanos

300

Chaba e Le Cigar

1.400

Dominicanos

300

Outros

500

Outros

200

Total

3.700

Total

800

Então, como vemos, andamos pela casa dos 4 milhões e 500 mil unidades de puros hand-made consumidos, por ano, no Brasil. E o contrabando? Vá, adicione se quiser e para arredondar, mais 1 milhão e 500 mil charutos. Chegamos assim à ínfima cifra de 6 milhões de puros premium anuais. 

Ora, relacionando-se tal montante com os estimados 40 mil fumadores brasileiros de charutos chega-se à média, per-capita, de 150 puros ao ano. E, Você que me lê, sei que está bem acima dela. 

Por isso tem gente que se diz apreciadora de puros mas só os degusta nas festividades de fim de ano ou em outros momentos especiais. 

Já eu, com meus 7 a 8 puros diários......


 

Hugo Carvalho

E-mail: hugocharutos@uol.com.br

Telefones: (075) 9133 1209 ou 246 1045

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44330-000 São Gonçalo dos Campos - BA

 

 

 

 

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