FUMAÇA MÁGICA

 

HUGO CARVALHO*

Arte e Prazer para os bons momentos da sua vida

É autorizada a reprodução destas crônicas em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor.

 

Número

Tïtulo da Fumaça Mágica

Fundo Musical - MIDI Data
225 PRA QUE MISTÉRIO? 27/05/06
224 QUEM VIVER, DESFRUTARÁ 24/05/06
223 BEM DIFERENTE 21/05/06
222 O JOGO QUASE ACABOU 17/05/06
221 NADA FEITO 13/05/06
220 CONCÓRDIA FRATERNA 10/05/06
219 ESTOU CONFUSO 06/05/06
218 PORQUÊS 03/05/06
217 MUDANÇAS 30/04/06
216 CAROLINA 27/04/06
215 ADEUS SOLIDÃO 24/04/06
214 COM MUITO PRAZER 20/04/06
213 NEM TUDO ESTÁ PERDIDO 17/04/06
212 FUMO NELES! 13/04/06
211 LESA-URBANIDADE 10/04/06
210 EU, NÃO 06/04/06
209 GRANDE VIAGEM 03/04/06
208 TIQUE-TAQUES 29/03/06
207 REGALIAS DE BALAIO 26/03/06
206 SEGREDOS DO CRONISTA 22/03/06
205 QUASE COINCIDÊNCIA 18/03/06
204 CHARUTOS PRESENTES 14/03/06
203 PENSE NISTO 10/03/06
202 INCÓLUME 06/03/06
201 TUDO, BEM BRASIL 02/03/06
200 COISAS DO PASSADO 22/02/06
199 NOVOS EVANGELISTAS 16/02/06
198 MEUS CHARUTOS 09/02/06
197 INFORMÁTICA 02/02/06
196 PARODIANDO O POETA 26/01/06
195 3 ÉFES 19/01/06
194 PARTITURA 12/01/06
193 CASAMENTO INDISSOLÚVEL 05/01/06
192 DESAFIO 27/12/05
191 ORIENTE 22/12/05
190 CORAÇÃO PARTIDO 15/12/05
189 VIVÊNCIA RARA 08/12/05
188 HABEMUS LUDUS 02/12/05
187 INESPERADO ANTÔNIMO 18/11/05
186 PUROS E MARRONS 03/11/05
185 ORQUESTRA 21/10/05
184 O MELHOR CAMINHO 30/09/05
183 COMPRIMENTOS ERRADOS 20/09/05
182 AQUI É DIFERENTE 06/09/05
181 MORRER SEM VIVER 01/09/05
180 SEM RIVAIS 24/08/05
179 FUMAR PLATÔNICO 15/08/05
178 BOAS SAFRAS 08/08/05
177 RECORDAR É PRECISO 30/07/05
176 LISARB 21/07/05
175 ÉTIMOS 18/07/05
174 EXTENSÃO DOS SENTIDOS 11/07/05
173 GRANDE ARQUITETO 04/07/05
172 SÃO JOÃO 28/06/05
171 INVERNO 24/06/05
170 TOQUES 17/06/05
169 CHARUTOS DE GETÚLIO 07/06/05
168 ELOS IMPORTANTES 16/05/05
167 RAÍZES 09/05/05
166 CONFISSÕES 02/05/05
165 GENTE ESPECIAL 25/04/05
164 COISAS SIMPLES 18/04/05
163 BUSCA 08/04/05
162 TALVEZ 04/04/05
161 BICO 28/03/05
160 DESFRUTAR A VIDA 21/03/05
159 POETANDO 14/03/05
158 COMIDA A QUILO 07/03/05
157 OVELHAS NEGRAS 28/02/05
156 BRASÃO PÁTRIO 21/02/05
155 ADEUS, LINO! 15/02/05
154 ME DÁ CÁ TEU NETO 10/02/05
153 BISAVÔ 03/02/05
152 BOM TOM 26/01/05
151 A EXIGÊNCIA DOS CHARUTOS 18/01/05
150 RELÓGIOS 11/01/05

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 225 ATÉ >>>

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 125 ATÉ 150

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 101 ATÉ 125

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 051 ATÉ 100

FUMAÇA MÁGICA - CRÔNICAS 001 ATÉ 050

É autorizada a reprodução destas crônicas em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor.


225.    PRA QUE MISTÉRIO? 

Conta a verdade.

Se tens saudade, pra que mistério?

Zezé de Camargo & Luciano, canção “Fala Sério”

Está certo que, como afirma Manoel Oliveira, cineasta português, nascido em 1908 e na ativa com seus 97 anos, “envelhecer é perder o desejo tolo de se continuar jovem quando já não se é”.

Meus charutos já haviam me confidenciado isso em outras palavras. E, com eles, tenho “assumido” numa boa, os anos e seus fardos. Mas daí a dizer que não tenho saudades da juventude é outra história bem diferente.

Saber enfrentar as dores de não mais ser um jovem é tão difícil quanto deveria ser ter que abandonar definitivamente meus charutos.  Isso sem contar os “micos” que gente velha como eu, mas metida a inserida no contexto, faz outros passarem.

No começo, tais “micos” me aporrinhavam tanto quanto, segundo dizem os antitabagistas, lhes incomodam meus charutos. Agora, para falar a verdade, até que me divirto com eles.

Se eu houvesse nascido no Ano Zero, Cristo estaria sendo crucificado, quando estaria nascendo minha atual mulher, a mãe dos meus dois caçulinhas. Aí vocês já imaginam. Perguntarem se ela é minha filha é a coisa mais comum do mundo. Da mesma forma, canso de ser indagado se meus dois filhos pequenos são netos. Minha resposta depende sempre do meu humor, ou melhor, de como o meu interlocutor encara o meu charuto.

Outro dia parti para incluir uma médica geriatra no rol de minhas costumeiras visitas. Simpaticíssima. Ela, a médica. Já sua atendente, pagou um brutal “mico”, quando ao fazer minha ficha, me indagou o nome do meu “acompanhante responsável”.

Parei. Pensei duas vezes. Mirei-a bem nos olhos. Inspirei profundamente e, em sinal de protesto e na falta de palavras adequadas publicáveis, quase acendi um charuto naquela sala asséptica. Brinquei dizendo-lhe que não sabia ser a médica, pediatra e não geriatra. Não ouvi a ficha cair. Acho que a mocinha não entendeu.

Por isso, como diz a canção, estou lhes contando a verdade.

Tenho saudades.

Pra que mistério?


224.    QUEM VIVER, DESFRUTARÁ.

Minha caixa postal, que só presta para receber contas, para não fugir à regra, acolheu a cobrança da anuidade do Conselho Regional de Economia ao qual pertenço. Coisa de valor equivalente a uma caixa de bons charutos nacionais.

Ia pagá-la, como sempre. Entretanto, parei para me questionar. Por que, depois de 40 anos de filiação ao Conselho, e já aposentado, devo a ele me manter vinculado?

Meu charuto-companheiro me alertou que, desde me formara em Economia, nunca e em nenhuma circunstância me fora solicitada a comprovação de que eu seria, de fato, um profissional habilitado.

Ora bolas! Antes, quando eu precisava validar o exercício da profissão, tudo bem que eu contribuísse. Mas, agora, quando não mais a exerço e nem pretendo voltar a faze-lo, para que continuar pagando?

Muni-me da coragem que meu charuto costuma me proporcionar em tais ocasiões e, questionando o Conselho Regional, fiquei sabendo que por haver completado 65 anos, já estou remido. É só trocar a carteira para ficar isento, doravante, de qualquer taxa.

Ótimo. Sobrará um pouco mais para os meus charutos.

Maravilhas da terceira idade! Quem viver, desfrutará!


223.    BEM DIFERENTE

Vou-me embora pra Passárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Manuel Bandeira – “Vou-me embora pra Passárgada”

 Ele está pendurado numa das paredes cá do meu recanto ao qual carinhosamente chamo de lítero-charuteiro. Digo lítero por nele nascer boa parte de minhas enfumaçadas crônicas e digo charuteiro por nele guardar meus puros e por suas paredes estarem impregnadas dos aromas dos charutos que já se foram.

Pois é. Nele, o quadro que está pendurado numa das paredes, vejo nós. Não, não. Não estou falando de nós, pronome pessoal da primeira pessoa no plural. Falo do plural de nó, aquele laço apertado feito de corda ou coisa semelhante.

Não vou citar todos os nós que vejo. Seria enfadonho. Fico com o nó de forca, o nó direito, o nó de frade, o nó de moringa, o nó torto e o nó de correr. Há anos que namoro tais nós, me prometendo sempre, que irei tentar aprender a faze-los.

Pura ilusão. O namoro dos nós tem sido o curtir saudades de meu filho que me presenteou tal quadro, que se fez ao mar no alvorecer da vida e que, agora, após 25 anos navais, vai se desligar da tropa e virar comum mortal. Sem farda, nem fardão. Só a camisola. Dela, a namorada sua que mora em Pernambuco.

Ele me ligou do Rio, na noitinha de um sábado de março do meu aniversário. Feliz da vida. Pai! Tenho uma boa notícia! Meu pedido de “baixa” da Marinha foi aprovado! Vou-me embora pro Recife!

Tal “Vou-me embora pro Recife” me evocou um outro. O “Vou-me embora pra Passárgada” de Manuel Bandeira. E meu filho sabe, pois já lhe disse com outras palavras, que para ser feliz em Passárgada, no Recife ou onde quer que o seja, terá que aprender a desatar os nós, que nos últimos 25 anos, querendo ou não, a vida no mar lhe obrigou fazer.

A vida em terra firme, fora dos navios, é outra história. É bem diferente. Que o digam meus charutos.


222.    O JOGO QUASE ACABOU

Os que  acompanham minhas crônicas devem estar lembrados das vezes em que lhes falei do carteado, de quase todos os santos dias, freqüentado pela turma amiga da velha guarda, aqui da província-de-são-gonçalo-dos-campos-da-bahia. E botem velha guarda nisto. Pois não é que aos poucos, depois que me aposentei, e com mais tempo para freqüentar o carteado, paradoxalmente, fui me afastando das rodadas baralhísticas?

Assim como não é muito fácil se entender a razão pela qual fumar charutos é um prazer pessoal - pessoal aqui, como oposto a coletivo – (compartilhamos o prazer social do ato, mas não o ato em si) também não dá para entender como um sujeito que sempre gostou do prazer coletivo das cartas, quando trabalhava tinha tempo para joga-las e agora, aposentado, tendo tempo, não mais gosta faze-lo com a constância de um voto religioso.

Matutando com meu charuto conclui que há tempos passados, estar com os amigos do carteado – quase todos aposentados e nascidos antes de mim  (“nascidos antes de mim” – essa é boa!) era um prenúncio. Era o futuro que me aguardava e ao qual me lançava tentando saber o sabor das conversas de gente que, regularmente,  nada ou poucas coisas tinha a fazer. 

Quando me transformei num ser descompromissado (ou desocupado?), os momentos do jogo passaram a me entediar. Talvez porque não tenha chegado o tempo da conformação plena e eu insista em continuar produzindo, escrevendo, fumando e falando de meus charutos. E a eles, a turma da jogatina, tirante os charutos, nada de tais coisas interessam. 

Por isso, para mim, o jogo quase acabou.


221.    NADA FEITO

Aposentado tem lá suas (des)vantagens. Passadas as fases do deslumbramento pela sempre sonhada liberdade e da falta do contato freqüente com amigos do trabalho,  fases que, no meu caso, balizavam o consumo de meus muitos charutos diários, a gente constata que a aposentadoria não é lá essa coca-cola toda. Sem o querer, querendo, voltamos a ter horários e rotinas. Só que agora eles estão muito mais voltados para as questões da saúde e da família. E, por que também não dize-lo? Das finanças.

Tais constatações, agora quando acendo meu charuto, me acodem a propósito do quanto me acontece, neste patamar da vida. Vejam ilustres leitores. Aposentado, voltei a levar filhos a escola. É verdade que, vivendo agora no interior, não enfrento mais aqueles longos percursos urbanos com sinaleiras, quebra-molas ou redutores de velocidade – como queiram - congestionamentos. Coisa bem mais simples. Atravesso a rua e quase confronte minha casa,  está a escolinha dos meus dois filhos, havidos na terceira idade. E como um deles freqüenta o turno matutino e o outro, está no vespertino, lá estou atravessando a rua e “batendo o ponto”, em quatro horários distintos: às oito, às doze, às treze e às dezessete horas. 

A par disto, caçando o que fazer, escrevo minhas crônicas e, acreditem se quiserem, planilhando e agendando os sei lá quantos especialistas (quase todas mulheres) que a vida (o fumo e a bebida, segundo a maioria deles) me passou a exigir: endocrinologista, cardiologista, reumatologista, angiologista, oftalmologista, urologista. 

Já pretendo partir para uma (no feminino, mesmo) geriatra que venha a funcionar como a “central de coordenação de minhas necessidades médicas”. Estou em processo de escolha. Quero uma que não me encha o saco com admoestações, tenha e use e-mail, me avise dos próximos exames de saúde, compreenda minhas necessidades e me permita continuar desfrutando meus charutos. Caso contrário, nada feito.


220.    CONCÓRDIA FRATERNA

Quando abro uma caixa de charutos e muito antes de pensar em apalpá-los, cheira-los ou fuma-los me deixo ficar num breve mas indescritível momento de contemplação e êxtase. Sentimentos, desapercebidos por amadores na fraternidade, afloram, me fazendo entender, como diz o salmista, quanto é belo e prazenteiro o convívio de muitos irmãos juntos.

Aquela coleção-irmandade tem tudo quanto têm quaisquer outras. Sejam as de identidade cultural; sejam as de cunho social; sejam as de princípios filosóficos; sejam quais forem. Irmãos reunidos num dado tempo, num certo templo, munidos de um propósito comum, nutrindo pontos de vista comuns e prontos, supostamente, a prestarem serviços comuns.

Meus charutos em suas caixas-templos, devidamente paramentados com seus anéis-insígnias e suas capas, muitas vezes me confundem, parecendo-me todos, como se fossem iguais uns aos outros. Coisa que na prática, e o confirmo há anos, não acontece.  Mesmo estando irmanadas as almas, os comportamentos diferem. E quanto! E como!

Quantas e quantas vezes, dois charutos que conviviam juntos, na mesma caixa, são totalmente distintos ao fuma-los. Um, doce e prazeroso. Outro, amargo e difícil. 

E me deixo ficar pensando de como as gentes se assemelham aos charutos. 

Abrigadas em templos comuns, expressam laços fraternos em manifestações verbais, mas não preservam tal fraternidade quando os acontecimentos as obrigam a provar a força de seus propósitos. 

E, infelizmente, não há maneira prática, se não vivendo, - no caso das pessoas - ou fumando, - no caso dos charutos - de se poder separar uns dos outros.


219.    ESTOU CONFUSO

Agora que o meu rio virou lago fiquei confuso.

Acostumado ao pôr do sol daquele rio da minha infância, registrado em retratos dos tempos do preto e branco quando, com ímpar beleza, o astro-rei se deixava fotografar ao morrer nas suas margens, vejo neste momento, mais de cinqüenta anos passados, que eu fora enganado.

Aliás, pensando bem, quando menino, já ouvira discussões do tipo se aquilo seria um rio ou um estuário. Mas que seria um lago, confesso, isso eu nunca ouvira não.

É verdade que nos tempos de tais discussões eu ainda não fumava charutos, tinha mais cabelos e pretos, estudava Economia, estava no primeiro casamento, comprara minha primeira TV, dirigia um DKW e já lia, há muitos e muitos anos - desde os dias vividos na casa paterna -  a revista Seleções. Pois não é que, em tal revista, lendo agora uma reportagem sobre capitais mais limpas do Brasil, reencontrei a minha trilegal Porto Alegre num primeiríssimo lugar?

Fumava placidamente meu charuto dos domingos, sorvia uma taça de vinho e, no reencontro feliz, pois ano passado lá não estive, voltei a passear por Porto Alegre revisitando o meu Guaíba, em cujas margens nasci e nas quais sobrevivi à enchente de 1941. Que para mim sempre fora um rio e que, agora, no artigo em questão, vem citado como sendo um lago. Está lá. Literalmente. Seleções, edição março 2006, página 41, o Guaíba conceituado como “um lago formado por cinco rios”. 

Eu e meu charuto estamos confusos. Com a palavra os especialistas em hidrografia. Gaúchos de preferência.


218.    PORQUÊS

Habituado às minhas crônicas Você, provavelmente, deve estar esperando encontrar a palavra charutos. Mas, desta feita, eles estão em segundo plano. Não foi esse o porquê de haver redigido este texto. Então, qual o porquê ou, simplesmente, por quê?

Foi porque, nem sempre, na hora de escrever, consigo bem distinguir por que, de por quê, de porque e de porquê. Complicado?

Toda a vez que me ocorre a dúvida, saio pela tangente, recorrendo à sinonímia ou alterando o texto. Ou, como agora, consultando a gramática.

É verdade que consultar a gramática não nos tira da angústia de diferenciar alhos de bugalhos na linguagem escrita, quanto a palavras distintas e de sons absolutamente iguais. As tais de homófonas. Recorrer-se às suas definições costuma complicar mais ainda.

Uma delas, o tal de por que, ser um advérbio interrogativo que, de quebra, recebe um acento circunflexo apenas quando vem no final da frase, passando a ser por quê. A outra delas, o tal de porque, ser uma conjunção explicativa ou causal. E a terceira, o tal de porquê ser simplesmente um substantivo.

Quando alguém, inimigo declarado dos charutos, me indaga:

Não entendo por que Você fuma charutos. Por quê?

Respondo-lhe, sem pestanejar:

Fumo charutos porque gosto, eis o porquê.

Deu para entender? Fácil, não?


217.    MUDANÇAS

Hoje em dia escrever passou a ser atividade de alto risco. Essa onda de renomear eufemisticamente coisas que aprendêramos com um certo nome e que como tal as reconhecemos quando as reencontramos, pesa na hora em que nos dispomos a colocar idéias no papel.

Quando vejo uma pessoa sem uma perna logo me acode “aleijado”. Aí tenho que dar uma bruta volta mental e repensar como sendo “deficiente físico”. Dar outra volta mais e, como recentemente se considera, ver dita pessoa como sendo uma “portadora de necessidades especiais”.

Quando eu era pequeno, quem fosse privado da visão era cego. Hoje, é portador de deficiência visual.

Negro era preto. Errado então, por uma questão cromático-semântica. Preto é cor mas não é raça. Hoje, negro é afro-descendente.

Fazenda de cacau pasmem, virou “Floresta de chocolate”.

Telefone era telefone (sempre preto). Hoje, é portal de voz.

Judiar era maltratar. Agora tal verbo passou a ser visto como discriminatório à raça judaica.

Quem cabelos na cabeça não tivesse era careca, no dia a dia, e calvo nos momentos sociais. Hoje, deve ser algo parecido com portador de deficiência capilar.

Gordo era gordo. Agora, penso deva ser magro fora de forma.

Invasor de propriedade alheia era bandido. Hoje é membro do MST, sim senhor.

Os velhos eram simples e carinhosamente velhos. Agora viraram idosos.

Vagabundo era salafrário ou vagabundo mesmo. Nos dias correntes, a depender da idade, poderá ser carente de re-direcionamento familiar ou portador de síndrome de família desajustada.

No meu tempo de menino, pais davam palmadas nos filhos e não tinham, nem deixavam, complexos disso ou complexos daquilo. Hoje, se o fizerem, poderão ser conduzidos à delegacia mais próxima.

No tempo da minha infância fumar charutos era socialmente aceito e visto como um diferenciado modo de viver. Hoje fuma-los, exceção feita em alguns bravos redutos, é praticamente impossível.

Agora, estou esperando o tempo em que tais ventos me orientem como deverei chamar ao mineiro escultor “Aleijadinho”; que me impeçam de escrever o que penso ou, ainda, que me proíbam fumar meus charutos em minha casa.


216.    CAROLINA

A propósito do que se vê, se lê, se ouve, se...

É pouco provável que, fumando meu charuto e incensando o ambiente com sua fumaça invasora, seja eu capaz de passar desapercebido, por quem quer que seja. Aliás, sinceramente, muito gostaria que assim o fosse.

Na realidade as coisas não acontecem como tal. Mesmo com meu charuto apagado, basta ameaçar leva-lo à boca para que a mais inocente das pessoas, estando próxima, salte do seu estar e me assalte com inquiridor olhar. E se só isso fosse, seria ótimo. O mais das vezes a mim se dirige, admoestadora: Você não vai acender esse charuto agora, vai?

Falo do caso de uma pessoa educada. Outras há – no mundo tem de tudo – que, em vez de “esse charuto”, vêm logo com “esse troço”, deixando-me uma deselegante resposta atravessada na garganta.

Verdade é que o tempo vai passando pela janela e a gente, queira ou não, vai vendo times vencerem, outros perderem, preços mudarem, costumes sumirem, pessoas sambarem, agentes públicos se locupletarem, astronautas subirem, estrelas caírem. E não pode, mesmo que não seja algo tão gritante quanto um charuto fumegando, desconhecer tais coisas que acontecem no mundo, na nossa vizinhança, na nossa casa. Sob pena de nos convertermos na própria Carolina que além, de nada ter visto, nada também deve ter ouvido, nem cheirado.

Mas, pelo quanto se sabe, Carolinas continuam e continuarão existindo. De nada adiantou Chico Buarque, em 1967, versar para a sua “Carolina”, de então: “todo mundo sambou, uma estrela caiu”.

Ao que tudo indica, quarenta anos se passaram na janela e Carolina continua a mesma. Só ela não viu.


215.    ADEUS SOLIDÃO

Escrever é um ato de solidão. Todo o escritor é, enquanto escreve, um solitário que se satisfaz estar, apenas, consigo mesmo. Nesta velha e conhecida questão da solidão literária, cogito estar sendo uma exceção. Espanto-a com meu charuto companheiro, exorcizando-a com suas fumaças mágicas.

É já quase um reflexo condicionado, escrevendo com a destra, e quando esta pára, pausando o pensamento, abandonar a escrita e volver meu olhar para a sinistra na qual, tendo o puro apoiado nos quatro dedos maiores, o giro com o polegar, num vai e vem de meias voltas.

Tais instantes são, para mim, sublimes momentos da perfeição do fumar charutos. Das meias voltas do vai e vem digital, com a cinza e a fumaça disputando minha preferência, nasce o texto.

E, dividindo assim a minha atenção entre o texto e a cumplicidade da caneta com o charuto, tendo o papel, a cinza e a fumaça por testemunhas, deixo de estar sozinho.

Adeus solidão.


214.    COM MUITO PRAZER

Diz-se que o órgão do homem que mais dói é o bolso e, por isso, preço passa a ser fator de peso para os que perseguem o prazer dos puros, sem passarem privações.

Após pesquisas, parei para pensar e ponderei.

De que vale a prestação de serviços se os preços pendem para os píncaros?

A maior parte dos consumidores se permite trocar de fornecedores, tão naturalmente, quanto permuta pijama. Os serviços acessórios devem ser, apenas e pois somente, os pilares da relação entre as partes. Na hora do “vamos ver”, embora muitos se aconselhem com uns, acabam comprando de outros.

Algo errado? Absolutamente não.

Tendo, como eu tenho, me esforçado em cativar clientes, com o passar do tempo, percebi que muitos, passo a passo, haviam esquecido minhas propostas de preços, satisfazendo-se só, com a minha pretensa postura de cronista.

A princípio, fiquei magoado. Depois, pensando bem, agradecido.

Os parâmetros mudaram. Por isso, agora progrido, pospondo o pesadelo.

Afinal, cada um fuma o quanto lhe apraz e se abastece com a, para si, melhor proposta.

Por enquanto era só. Sou só cronista.

Com muito prazer.


213.    NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

No alvorecer da década dos anos quarenta do século passado, quando estava eu nascendo e fumar charutos era corriqueiro, foi moda as mulheres cachearem seus cabelos. Eram as chamadas ondulações permanentes. As brancas copiavam as negras, êpa, as afro-descendentes.

Como não havia essa coisa meio maluca, chamada de politicamente correto, no carnaval de 1942, David Nasser com sua batucada “Nega do cabelo duro”, registrava o capilar modismo feminino versando.

Nega do cabelo duro

Qual é o pente que te penteia?

.........................................

Quando tu entras na roda

O teu corpo serpenteia

Teu cabelo está na moda:

Qual é o pente que te penteia?

Dez anos antes, no carnaval de 1932, Lamartine Babo e os Irmãos Valença, viraram sucesso com a sua “Teu cabelo não nega”, outra música carnavalesca que hoje seria classificada como politicamente incorreta.

Tais reminiscências agora me acodem, mais de sessenta anos passados, numa época em que, aqui na pátria amada, fumar charutos passou a ser coisa rara e não mais encontramos negras do cabelo duro, nem brancas dos cabelos cacheados. Negras e brancas alisam e esticam seus cabelos a mais não poder, muitas produzindo lindas trancinhas em verdadeiros artesanatos capilares, e fumar, a depender,  passou a ser proibido ou patrulhado.

Os costumes mudaram com o tempo.

Só não mudou a forma como as lindas negras da Bahia, espalmam fumos e fazem charutos nas fábricas que ainda restam no Recôncavo Baiano.

Ainda bem que nem tudo está perdido.


212.    FUMO NELES!

Costumo chamar a cidade de São Gonçalo dos Campos, na Bahia, de minha província. Poderia também chamá-la de minha aldeia, ou para ser mais atual, de minha praia. Falar de São Gonçalo é minha praia, como minha praia também tem sido falar de minha vida e dos meus charutos.

Qualquer seja o tratamento dispensado a este recanto, meio zona da mata, meio sertão, não lhe retiraria os encantos ou afetaria as particularidades que, vez ou outra, me esforço em registrar.

O mais importante é que tenho procurado me ater, sempre que possível, aos limites impostos por minha objetiva 6.5, a qual nada mais alcança que não sejam atos e fatos das minhas praias.

E como Dostoievski dizia que a melhor maneira de ser universal é narrar bem a sua aldeia lá vou eu, charuto em punho, de crônica em crônica, montando este quebra-cabeças. Com visão crítica, por haver procedido de outras paragens, tenho que encarar, não importa quanto tempo se passou, um permanente choque cultural com tudo o quanto convivo, vejo, respiro, testemunho.

Talvez ai resida o maior desafio. Não douro a pílula, mas tenho que tentar sempre bem traduzir seu sabor, sem lhe acrescentar fel nem mel.

Já enfrentei problemas com nativos, no passado. E volta e meia, ainda os enfrento. Ufanistas-bairristas, que não aceitam visões distintas das que não sejam paradisíacas traduções da realidade, censuram-me chamando-me de forasteiro.

Puxa vida! Fazem me sentir ator de um destes westerns globais, tendo que sacar do coldre meu charuto, para demonstrar-lhes que, mais do que muitos deles, eu curto, preservo, amo e divulgo esta província.

Fumo neles!


211.    LESA-URBANIDADE 

Mas um dia, nóis nem pode se alembrá,

Veio os home com as ferramentas

Que o dono mandou derrubá.

(Saudosa maloca – Adoniram Barbosa)

Um olhar atento pelas fachadas e frontispícios das construções, aqui na minha São Gonçalo dos Campos, na Bahia, comprova que a grande maioria das casas antigas, data dos anos 20 do século passado. O famoso período da Semana de Arte Moderna de 1922 também correspondeu à época do fausto da economia fumageira local, quando singelas construções de pau a pique foram substituídas por casas “modernas” de fachadas trabalhadas em relevo com florões, rosáceas, bilros, pináculos e outros adereços e – quase sempre – com o ano da construção em destaque. Eram obras de arte ao ar livre.

Não me canso de, nos entardeceres, passeando na companhia do meu charuto, perscrutar com olhos de tomar conta da vida dos outros,  as velhas fachadas que ainda se mantém de pé. A maioria delas tenho guardado em fotos digitais.

Num de tais passeios testemunhei um verdadeiro assassinato urbano. Bela senhora, nascida em 1921, na metafísica beleza dos seus 85 anos, foi abatida com impiedosas marretadas. 

Em poucos minutos, muito menos que o tempo de fumar meu charuto, aquela fachada transformou-se num monte disforme de escombros. Tudo em nome de um “progresso” que vem transformando São Gonçalo dos Campos, num mar de construções sem arte que lembra, com suas novas fachadas retas e suas indefectíveis portas de ferro de enrolar, tristes depósitos. Sem vida, sem alma, sem estética, sem nada...

Minha santa ira não foi, por certo, menor que a dos mulçumanos ante a dinamarquesa caricatura do seu profeta maior. Num lance de misericórdia, durante o fatídico atentado, tive o cuidado de pedir aos carrascos-demolidores, antes que o quebrassem, o último dos pináculos que adornava o frontispício. 

Recolhi-o, com o carinho que um pai acolhe um filho ferido aos braços, reservei-lhe um lugar no meu jardim, recuperei-o.

E agora, ao olha-lo, fico torcendo para que tais impunes crimes de lesa-urbanidade não venham mais ser cometidos.

Que assim seja!


210.    EU, NÃO

É lendo que se aprende que só se aprende lendo. É fumando charutos que se aprende que só se aprende a fuma-los, fumando. Por isso, há muito tempo deixei de escrever sobre as melhores formas de faze-lo. Algumas delas, inclusive, sofisticadas frescuras ritualísticas consagradas.

Sei que muitos de meus leitores, amantes dos charutos quanto eu, poderão se surpreender com tal afirmação. Acontece que quando convivemos em nichos culturais, sejam de fé, de pensamentos, sejam do que bem o for, somos levados a excluir, abominando, certos pontos de vista ou comportamentos que conflitem com práticas consideradas consagradas. Vezes até, sagradas.

Vejam, por exemplo, o que aconteceu com padre Pinto, aqui na Bahia.

Travestiu-se num Orixá, maquilou-se e mandou ver em plena missa. E mandou ver tão bem, que o próprio bispo não gostou do quanto viu e afastou o sacerdote dos seus misteres.

Uma pena.

Quem sabe, dia desses, o padre Pinto viesse a se travestir num Pai de Santo e, em vez do incenso sobre o carvão ardente do turíbulo, resolvesse, cheio de trejeitos, se valer da fumaça de um belíssimo charuto.

Por certo, em represália, altos prelados charuteiros também reclamariam do que classificariam de uso indevido do charuto em rituais de ara. Como o bispo do fato real, ficariam verdadeiras araras.

Eu, não!


209.    GRANDE VIAGEM

Agora, quando (mais) um brasileiro subiu para o espaço - a safra tem sido grande e o número de candidatos, maior ainda - fico indagando a meu charuto se realmente vale a pena, a gente levar as coisas muito a sério. A ponta de faca, como dizia meu finado avô.

Embora algumas idas ao espaço tenham custado muito dinheiro, a verdade é que, nem sempre, isso acontece. Você pode, sem o querer, criar asas tipo dançar num plenário de engravatados, devassar a conta bancária de um cidadão, pagar despesas de campanha sem declara-las, e acabar também, indo para o espaço. Para onde vão, sempre, as fumaças companheiras dos meus charutos.

Como não tenho camisa, passe, senha, nem crachá, para tais camarotes astronáuticos, cujas cifras e mordomias causam inveja aos ocupantes da geral, sempre atentos por saberem que o leão não é manso, me dou por feliz e satisfeito com meus puros e com um passeio sensorial e cultural pela Estação da Luz, na capital paulista. Passeio recomendado.

De lá cheguei agora mesmo. Das coisas mais lindas vi e vivi naquela antiga estação ferroviária. Falo daquilo que nos une: a língua. Trata-se do Museu da Língua Portuguesa no qual permaneci por mais de quatro horas. Saí com vontade de ficar. Lá, enquanto examinava a Árvore das Palavras, enquanto assistia a filmes sobre a origem da linguagem, enquanto me deixei ficar na Praça da Língua e mesmo quando, na Grande Galeria, assisti a 11 filmes simultâneos, enquanto tudo isso, pude fumar meu charuto, mandando suas fumaças para o espaço.

Por ser amante das palavras e dos charutos, talvez seja eu suspeito para alardear a maravilha. Mas, sinceramente, mesmo não levando as coisas muito a ponta de faca, brasileiro que se respeita, não pode deixar de visitar o Museu da Língua Portuguesa.

Os que, como eu, moram longe da capital paulista, não precisam se preocupar com despesas de passagens e estadas. Basta acenderem seus charutos e viajarem em www.museudalinguaportuguesa.org.br

Tudo é 0800.

Uma grande viagem. Tanto quanto a de nosso primeiro astronauta. E bem mais barata.


208.    TIQUE-TAQUES

Depois que resolveram futucar meu coração pela artéria femoral, expressões tais como disfunção do nó sinusal com o nó AV normal, fibrilação atrial intermitente, bradicardia sinusal e arritmia sinusal frásica, passaram a se incorporar ao meu vocabulário. Na complexidade morfológica encontrada misturaram-se causas fisiológicas com causas adquiridas.

Longe de mim a pretensão de tentar traduzir tudo isso para meus distintos leitores, mesmo porque pretensão e água benta, tomam-se nas doses desejadas. E eu, não estou agora a necessitar nem de uma, nem da outra. O que eu quero mesmo, é que minha simpática cardiologista, baiana casada com um holandês, me libere das restrições impostas e me desassuste das ameaças segundo as quais,  se eu ficar marcando passo nos velhos hábitos, terei que vir a usar um marca-passo.

Mas enquanto tudo isso não chega, meus muitos charutos diários converteram-se num modesto, mas inigualável, charuto dominical. Quanto ao álcool, não o propriamente dito, mas o outro que se disfarça sob mil nomes, foi também limitado a uma taça de vinho nas “ocasiões especiais”. Ainda bem que sou eu quem está definindo quais são tais ocasiões.

Consola-me o fato de que determinada válvula cardíaca, -  bastante enferrujada, segundo a atual responsável por minhas batidas cordiais -  poder vir a ser oportunamente substituída por um impulsionador mecânico dos meus tique-taques. Mas, para evitar ataques, tive que alterar meus tiques.

Haja mau humor!


207.    REGALIAS DE BALAIO

Hoje vou contar-lhes fato verídico, a mim relatado por meu fraterno amigo José Antônio Torres, baiano de 500 anos, acontecido na época em que Adhemar de Barros governava São Paulo.

O pai de José Torres fora um grande apreciador de bons charutos e sempre mantinha, em casa, uma reserva técnica. O que sua esposa classificava como um "Vietnã de fumaça"....!

Certa feita, determinado amigo do mesmo, fora a Paulicéia para um curso de especialização da Polícia Militar e, ao ser informado que havia sido aprovado, sabendo da amizade de “velho” Torres com Adhemar de Barros, desejava agradecer, obsequiando o governador, com algo que bem representasse uma lembrança da Bahia.

Lembrou-se, então, de pedir uma sugestão, havendo lhe sido aconselhado que melhor seria levar charutos da Boa Terra. Um mimo ideal.

Comprou-os e os levou para o governador.

Tempos passados, estando o “velho” Torres que também se chamava Luiz, com Dr. Adhemar, deste ouviu os seguintes comentários:

"Luiz, onde foi que você conseguiu aqueles charutos que o Cel. Fulano de tal me deu de presente?   Quase fui expulso de casa pela Leonor...!  Verdadeiras merdinhas. Não pude saborear um sequer! Além de pequenos eram muito fedidos...!"

Retornando a Salvador, Dr. Luiz Torres, ficou sabendo que o coronel, não iniciado na arte e no prazer de fumar, houvera adquirido tais charutinhos na antiga Feira Água de Meninos (hoje Feira de São Joaquim). Autênticas merdinhas, como bem classificara Adhemar de Barros, vendidas a granel e enroladas em papel de jornal. E que, nos dias correntes, ainda são encontráveis por lá, avulsas, fétidas e  baratíssimas.

São as famosas Regalias de Balaio.  Fuja delas como o diabo foge da cruz.


206.    SEGREDOS DO CRONISTA

O cronista é um corredor de 100 metros rasos. Não tem o preparo físico para encarar a maratona de um livro mas pretende ter a habilidade de, numa página, pontuar um dado momento, experiência de vida ou o que o seja,  e prender a atenção do leitor do começo ao final da corrida.

Eu venho escrevendo há alguns anos.

Meu trabalho, as “Fumaças Mágicas”, começou por imposição profissional. Depois acabou "ganhando mundo". Aos poucos, foi encontrando um "nicho" próprio sendo, talvez, o único que tenha sempre presentes  os charutos.

No começo me prendia a temas técnicos. Depois, abri o leque, dei asas à imaginação e, na companhia inspiradora dos meus puros, passei a ser ora autobiográfico; ora um "retratista" de minhas vivências interioranas na terceira idade; ora um "pensador"; ora um crítico dos usos e costumes, e por aí está indo a coisa.

Não tenho condições de ser conselheiro para estreantes, mas vou tentar.

Quais os segredos desta maravilhosa empreitada que se constitui preencher uma folha de papel, com algo que a maioria do distinto público aprecie?

No meu entendimento há dois e que exigem persistência. Um, genérico: estar sempre lendo. Outro, específico: limitar-se a um só assunto em cada crônica, deixando para o final a melhor tradução possível do título.

Ah! No meu caso há um terceiro segredo: acionar os neurônios com os meus charutos.


205.    QUASE COINCIDÊNCIA

Não faz muito tempo. Coisa de uns dois meses atrás, na época do estio, quando me encontrava à varanda da casa da fazenda. Descansava e curtia meu charuto na maior tranqüilidade. Há, para mim, poucos lugares melhores do que aquele meu recanto rural, para fumar-se um puro. Nada de automóveis; nada de poluição; nada de barulhos urbanos. Levara comigo a família para curtirmos uns dias das férias do verão.

A atividade de lá é puramente agrícola. Cacau. Não há bois, nem cavalos. Galinhas, umas quantas para assegurarem os ovos nossos de cada dia. Ah! ia me esquecendo. Temos sim, algumas mulas, contabilmente denominadas semoventes, que servem para o serviço de transporte do cacau proveniente das roças. Tais mulas são a diversão maior dos meninos. Quando equipadas com panacuns (cestos laterais reforçados) neles os meninos entram – pesos divididos, um ou dois na sela, mais um em cada panacum – e vão passear no meio cacaual, guiados por um dos empregados. É divertidíssimo. Com os sacolejos da animália, riem a mais não poder.

Enquanto fumava meu charuto - os meninos lá pelas bandas da cozinha - eis que o caseiro, sabedor do gosto da turma, aparece ao longe, trazendo uma das mulas devidamente “equipada”. Nem um minuto se passou para que todos, dando-se conta da aproximação da sempre esperada diversão, aparecessem correndo e esbaforidos. Um deles grita.

Papai! Olha a mula lá!

Comecei a rir gostosamente. Os meninos, ao não entenderem a razão de meu riso, indagaram-me a respeito. Afinal a exclamação nada tinha que pudesse fazer alguém rir.

Foi nada não, expliquei-lhes. Vão se divertir, completei.

E, depois de “embarcarem” na mula, continuei sozinho. Rindo na companhia gostosa do meu charuto. Aquela mula lá, me evocava a quase coincidência com  um certo slogan.

Mula-lá!


204.    CHARUTOS PRESENTES

Logo cedinho, todos os dias do calendário, abro a caixa preciosa, aqui no meu recanto de teres e haveres, e vejo os charutos. Olho os charutos com um só olhar. Imediatamente percebo que não posso estar vendo charutos. Ver charutos nunca se mantém no presente: mal vejo os charutos e já se torna tê-los visto há muitos e muitos anos passados. Quando, como tais, foram batizados.

Afinal, no próprio instante em que vejo os charutos, eles passam a ser a lembrança de charutos. Só vê os charutos quem os tiver visto antes. Quem nunca os viu, não sabe do que se trata ao vê-los pela vez primeira.

Aliás, abro um parêntese nesta crônica, redigida em cima do maravilhoso texto de Clarice Lispector (O ovo e a galinha, no seu livro A Legião Estrangeira - 1964), para testemunhar o quanto acima foi dito.

Meu filho caçula, hoje com cinco e então com três anos, sem maiores contatos com o mundo exterior, vivendo numa família de não fumantes, sem ter nenhum acesso informativo, via televisão, quanto ao que seriam cigarros (dado à proibição da propaganda dos produtos fumígeros) e pois, conhecendo apenas os meus charutos, certa feita, em estando aqui, em nossa casa, alguém empunhando cigarros, apressou-se em indagar:

Papai! Por que o charuto dele é branco e bem pequeno?

Por isso, assim como aconteceu a impossibilidade de reconhecer cigarros a quem nunca antes os vira, só vê os charutos quem os tiver visto antes. E ao vê-los é tarde demais: charutos vistos, charutos perdidos.

Ver charutos é a promessa de um dia tornar a ver os charutos. O olhar é curto e indivisível. Fulminante. Abstrai o pensamento. Que não há. Há, apenas, os charutos. O olhar é só um instrumento que, depois de usado, jogo fora. Descartado o olhar, fico com os charutos.

Preparo, então, meus demais sentidos os quais, tanto quanto o olhar, foram previamente treinados e instruídos, para materialmente transformar em passado os charutos presentes.


203.    PENSE NISTO

Lidando com um público leitor seleto, em sua expressiva maioria integrante do topo da pirâmide social, temo às vezes expressar sentimentos pessoais nascidos da minha vivência, e com isto entrar em choque com opiniões de alguns que, por herança, trabalho ou desígnios da vida, galgaram ou ganharam postos, por assunção ou ascensão, e estão confortavelmente instalados na estrutura da sociedade.

Com meu preferido charuto Robusto, volta e meia confabulo. E tendo sido eu um dos ungidos pelo trabalho e pela sorte, meu puro me alerta, neste patamar da vida, a deixar de olhar o mundo de baixo para cima e sim, fazer o contrário. Para aqueles que, em vez de um bom charuto, só podem comprar unidades avulsas de cigarros contrabandeados do Paraguai, num dos botequins da vida.

Ante isso, confesso, me acode um certo sentimento de pesar por omissões pretéritas. Por não ter tido, até então, a capacidade de ver naquilo que me ensinaram a chamar de povo, ser eu um integrante do próprio povo. De deixar de pensar um pouco em mim mesmo e passar a pensar, um pouco, na multidão de deserdados que, no quase ou no todo, são verdadeiros párias. A pensar no discurso da igualdade de oportunidades que, a rigor, não existe. E disto dou testemunho. Em 1960, não fosse eu “filho do Eugênio Carvalho”, não teria ingressado na empresa do meu primeiro emprego. E, veja bem, há tanto tempo atrás não se ouvia falar de desemprego.

Independente dos governantes, temos que fazer a nossa parte.

Liberdade temos. E a fraternidade, onde anda?

Quando Você for acender seu próximo charuto, por favor, pense nisto.


202.    INCÓLUME

Não tenho hora certa para escrever. Tenho momentos. Momentos de introspecção. Introspecção que inspira. Inspiração que incita. Incitação que motiva. Motivação que me leva a escrever. Tenho poucos momentos de introspecção. Por isso escrevo pouco.

E, em tais momentos especiais, nada melhor que uma especial companhia. Meu charuto.

Fiel escudeiro de priscas eras, este velho amigo, que comigo convive com a assiduidade de um boêmio cadastrado, volta e meia, tem sido alvo de injustas acusações. Patrulhadores da felicidade alheia, uns tão velhos quanto eu, outros nem tanto, insistem para que abandone o velho hábito. Não sabem eles que a doce fumaça de minhas baforadas espanta os maus pensamentos. Vivem me “aconselhando”, sem se lembrarem que conselhos são uma forma de nostalgia.

Faz mal à saúde! - Atiram os higienistas.

Vais acabar morrendo!  - Bombardeiam os temerosos.

Essa fumaça prejudica os outros! - Alvejam os chatérrimos.

A munição tem sido farta. Os ataques têm sido constantes. Mas meu incensado-castelo-fortaleza permanece inexpugnável. Não se rende. Ele foi construído com o carinho das coisas bem feitas.

Feito para resistir. Bravo e incólume.


201.    TUDO, BEM BRASIL

Abrir uma caixa de charutos é, para os aprendizes, tentar desvendar mistérios e, para os iniciados, consentir prazeres. Mistérios por não se poder, de início, entender onde encontrar prazeres. A iniciação sem instrução dificulta o perfeito entendimento da liturgia e de toda a simbologia do significante e do significado.

As lendas e as crenças, a pureza e a tradição, o carinho e os cuidados que se evolam com as fumaças destes rolinhos de felicidade têm que ser conhecidos, para que sejam plenos os prazeres consentidos.

Segredos do transformar fumos, passados de pai para filho, se materializam, em terras baianas, graças aos conhecimentos dos cubanos Félix Menendez e Arturo Toraño, mentores e guardiões maiores da qualidade dos charutos Alonso Menendez e Dona Flor.

Fizeram escola. Nos últimos seis anos, surgiram no mercado, inúmeras novas marcas, produzidas por outros empresários, também na Bahia. À sombra do sucesso da Menendez & Amerino, muita gente nova tem ingressado no ramo. Sem a mesma tradição mas, cada qual, com a sua história e se esforçando para oferecer bons charutos aos consumidores nacionais. Alguns produtos foram de vida efêmera. Mas todos não deixaram, de uma ou de outra forma, de colaborar para a efervescência do mercado, sempre ávido de novidades.

Eu, cavalo velho, não me deixei (a) trair pelos novos cantares. Continuo abrindo as caixas dos meus velhos conhecidos charutos Alonso Menendez e Dona Flor. Conversando com eles.

E, em tal prosa começada e nunca acabada com os ditos, volto ao começo desta conversa.

Prazeres consentidos.

Mistérios desvendados.

Tudo, bem Bahia.

Tudo, bem Brasil.

200.    COISAS DO PASSADO

As paixões da adolescência sublimam-se com o passar do tempo. Quem haverá, anos vividos, que não se recorde daquele “nó cego” na garganta, daquele pulsar acelerado do coração, nascidos das primeiras paixões?

Quatro e seis, dez. Viu? Saímos de nada! exclama um dos parceiros da rodada de baralho aqui ao lado, o qual com outros três decanos setuagenários, disputa uma partida de “buraco”.

Todos por certo, sabem – e bem – daquilo que lhes vinha falando. Dois deles, sempiternos maridos, se mantém em seus respectivos primeiros casamentos há quase cinqüenta anos. Possivelmente tenham disputado outras “partidas amistosas”, daquelas que não deixam rastros, nem seqüelas, posto não foram apaixonantes. Os outros dois, assim como este escriba, não se atrelaram ao primeiro embate. Viveram outros matrimônios. Desfrutaram outros nós e outros pulsares. Andaram por outros portos.

Mas o fato é que, amadurecidos pelos anos, tanto uns quanto outros, viajantes de uma ou de muitas viagens, todos chegaram ao mesmo porto.

Porto no qual os nós foram desfeitos e os pulsares, expulsos. Onde se fumam charutos, se fala da vida, se jogam cartas, se redigem memórias, contam-se “causos”. Porto onde os corações se transformaram em simples músculos, aquilo que sempre foram. E onde os (im) pertinentes desatinos das efêmeras paixões viraram coisas do passado.


199.    NOVOS EVANGELISTAS

Aos poucos, sem o sentirmos, nossas rotinas vão sendo mudadas. Quando de tanto nos apercebemos, vezes há em que, compreensíveis retrocessos, procuramos voltar a exercitar práticas do passado. Bobagem pura, tradutora de humanos saudosismos. Assim acontece com qualquer mortal.

A maioria das rotinas que atravessa os tempos é representada pelas impostas pelo caminhar da existência ou por certos amores indescritíveis. Mesmo sem ser adepto do fatalismo, acredito que elas não nos chegam por nossa própria vontade. Assim também acontece com certas práticas adquiridas. Ficam. Outras há, impostas pelo que se diz politicamente correto, que são ondas de opinião pública, marés não lunares, insufladas pela mídia da moda.

Meus charutos – ah! meus charutos – bem conhecem essa história. Fui num virar de ano (1976?) que me atrevi firmar um pacto com eles. Transformaram-se numa rotina consentida por mim e sentida pelos que me são próximos. Afinal, charutos são invasores de olfatos alheios. Sofri, então, pressões por tais invasões. Pressões que, com o passar do tempo, se dissiparam. Como a própria fumaça invasora. Tudo se acomodou.

Agora vivemos os tempos da maré antitabagista, cujas ondas nos tentam varrer para as margens sociais. Viraremos marginais?

Sem pedirem licença, os adeptos da nova onda, invadem nossa privacidade e nossa rotina. As pressões deixaram de ser dos mais próximos e  passaram a vir de todos os lados.

E, haja sacrossanta paciência para suportar as pastorais pregações dos convertidos a este testamento escrito por novos evangelistas.


198.    MEUS CHARUTOS

Filhos são dádivas. Ao traze-los ao mundo fazemos com que seres espirituais possam passar pela experiência humana. Que, apesar de efêmera, não deixa de ser um valioso instrumento para aperfeiçoar o espírito.

Pensava eu em tais coisas e, pensando e fumando, numa intemporal e infinita vastidão, saí de mim mesmo. Etéreo, me vi flutuar confundindo-me com as azuladas espirais da fumaça do meu puro. E, em tal mística simbiose, consegui mesclar as imagens de meus dez filhos.

Lá estavam Ieda Maria, a primogênita e que mora em Belo Horizonte; Márcia, meu presente de aniversário quando completei 20 anos, que vive em Maceió; Huguinho, velho marinheiro de guerra, habitante do Rio e o primeiro dos filhos homens; Dora Fátima, retrato redivivo de minha mãe, moradora de Brasília; Leandro, “Vovô-Bila” quando pequeno, hoje agrônomo e professor em Viçosa nas Minas Gerais.

Ainda integravam o quadro mais três dos meus filhos, residentes em Salvador: Adriana “Drica-Mosa”, um amor de criatura; Eugênio, nome que homenageou meu pai, outro filho muito especial, e Tâmara, mulher de invejada beleza, agora pelas bandas norte-americanas.

Completando o cenário vi meus dois últimos guris, que comigo moram em São Gonçalo dos Campos por ainda serem crianças: Júlio Adriano e João Afonso, as “alegrias da casa” e que, por serem extemporâneos não me têm dado tempo para viver a experiência de ser avô e bisavô. Daqueles “corujões” que passam o tempo paparicando netos. E olhem que já alcancei a casa dos 16 netos e 2 bisnetas.

Meu charuto que agora está chegando no seu final e que me inspirou este recordar dos descendentes, me alerta ser a vida um halo. A alimentar suspeitas sobre um modo de viver competitivo. A aprender a privilegiar mais as virtudes sublimes, a introspecção, as amizades, os convívios prazerosos e, naturalmente, eles, os meus charutos.


197.    INFORMÁTICA

O endeusamento da informática tem levado muitas empresas a situações conflitantes e até hilárias. Depois que o computador passou a ser “vendido” como a panacéia para a solução de todos os problemas, passou a se acreditar mais nos relatórios lights saídos das impressoras, do que nos alfarrábios dos guarda-livros da velha guarda. Meu charuto me tem dito isso.

Agora mesmo, desfrutando as delícias de um Robusto Mata Fina, num cair de tarde quase-verão, sem meu uísque, proibido por questões hepático-pouco-simpáticas, reativo neurônios em busca dos elos das minhas vivências não deletadas.

Você é bom em informática?

Ótimo! Então venha trabalhar conosco.

Pensa-se que como o computador não erra, se alguém souber maneja-lo, todos os erros humanos serão evitados. Tal idéia, passada à exaustão, fez com que se espraiasse um consenso modernoso equivocado.

As elites empresariais correram para a informática, assanhadas pela nova ordem e pelas naturais pressões de empresas vendedoras de programas e pacotes com poderes considerados quase miraculosos.

Meu charuto me faz, agora, recordar um expressivo caso que me foi relatado por um  amigo. Daqueles que, tendo em sua empresa um de tais programas, ficou refém do mesmo (leia-se, de empregados do segundo escalão), por não haver se disposto a imergir no mundo da computação. Tempos atrás, quando de uma tertúlia charuteira, o referido amigo se referiu à arqueologia submarina, dizendo-me que ao se imergir em tal especialíssima atividade, não se procura contratar submarinistas. O que se deve fazer é procurar arqueólogos para treina-los a submergir.

Havia lógica na decisão. Em termos de resultados empresariais é muito mais seguro transformar-se um arqueólogo em submarinista do que se tentar o contrário.

Os programas informáticos salvadores não revelam a face deste problema. As magias das demonstrações matematicamente corretas montadas para vende-los, se prendem às operações de submersão, passando ao largo das arqueológicas.

E o pobre do empresário-comprador – nosso querido arqueólogo – por não saber como agir nas profundezas do mar, não consegue transmitir como se reconhecer a diferença entre um bem de valor arqueológico e um simples pedaço de madeira envolta por carapaças seculares. Mesmo assim, embevecido pelos exemplos didáticos informatizados, compra o programa, acabando por contratar um submarinista para ser seu arqueólogo.

Depois.... Bem, depois como me revela meu charuto, advém as questões conflitantes – e até cômicas – a que me referi ao início desta crônica.


196.    PARODIANDO O POETA

 

Teu doce gosto eu descobri um dia

Como se fosse sempre, assim, um bom amigo

Que, prazeres novos, dividiu comigo.

Nas terras do tabaco – a Bahia.

 

Teu doce aroma eu descobri um dia

E muitos anos, disso se passaram.

Saudades muitas, de então, ficaram.

Pois já era eu feliz, e não sabia.

 

Tuas fumaças eu descobri um dia

Por entre névoas tênues e azuladas,

Subindo umas, outras espraiadas

Na inesquecível tarde, calma e fria.

 

Tua alva cinza eu descobri um dia

Que por descuido, logo despencou.

Era eu um aprendiz; agora não o sou.

Por isso escrevo esta elegia.

 

Os meus charutos descobri um dia.

Paixão ardente à primeira vista

Arte de ser, arte de ter, arte de artista.

Enlace eterno, prazer pleno, alegria.


195.    3 ÉFES

Quando aportei na Boa Terra era comum ouvir dos soteropolitanos, ser a Bahia “terra de muro baixo”. Então eu não fumava charutos e ainda não bem compreendia os fundamentos do chiste.

Corriam os anos 60 quando em Salvador – longe de ser a atual metrópole – “todos se conheciam”. As mesmas pessoas sempre se encontravam nas boates, nos coquetéis, nos clubes sociais, nas vernissages, nos festivais, na boemia. Nada se fazia sem que todos não o soubessem. Não se necessitava estar fumando um charuto para que sua aproximação fosse percebida. “Os tambores tocavam”.

Depois a capital baiana cresceu. Explodiu belamente. Surgiram, como em passe de mágica, em anos poucos, os túneis, as avenidas de vale, os viadutos, os arranha-céus, a urbanização da orla marítima, o Centro Industrial de Aratu, o Pólo Petroquímico de Camaçari, a indústria automobilística, os imigrantes de outros Estados, a revitalização do Centro Histórico, os shopping-centers, os hipermercados, os “escambaus”. A cidade, então, deixou de ser “terra de muro baixo”.

Foi quando resolvi (?) deixa-la para vir morar no interior. Nesta ocasião já era ardente meu sempre inacabado romance com os charutos.

Resumo da ópera. Avancei no conhecimento do ser humano, mas retrocedi, no tempo, uns sei lá anos quantos. Voltei à estaca da chegada na Bahia, “terra de muro baixo”. Só que aqui, na minha São Gonçalo dos Campos, que deveria ser do Amarante, nome litúrgico do Padroeiro, a melhor tradução do chiste, é 3 Éfes. Exatamente isto. “F” de festas, “F” de foguetes e “F” de fofocas.

Para tudo há festas. E a tudo os foguetes anunciam. Aniversários de gente de certa projeção, vitórias políticas, sucessos, dias santificados, as chegadas da “droga”, as novenas e tudo o mais. Não há santo dia, nem dia santo, em que não espoquem foguetes. Já o terceiro “F” bem reflete os “muros baixos”.

Por isso, nos finais de tardes, numa cidade sem jornais locais, me deixo ficar à fresca da porta de um dos bares citadinos, com meu inseparável charuto. Para saber de tudo e de todos.

Graças aos 3 éfes.

194.    PARTITURA

O mundo está mudando. Melhor dizendo, as formas de comunicação do mundo estão mudando. Há uns quinze, vinte anos atrás,  metade das encomendas de charutos de meus clientes chegavam – creiam – pela via postal e pelo fax e a outra metade, pelo telefone.

Agora, o telefone representa uns dez por cento dos meus contatos. Cartas e fax? Sumiram. A correspondência via eletrônica os substituiu e atingiu cerca de 90%. Eu, escriba dos tempos postais, talvez por um cacoete, ainda continuo colocando o número de minha caixa postal sob minha assinatura. Bobagem! A dita serve apenas para acolher contas e faturas de serviços públicos.

Minhas crônicas inicialmente seguiam pelos Correios. Aos poucos a via postal foi minguando a ponto de, algum tempo atrás, ter decidido abolir a remessa de umas tantas que seguiam, envelopadas, para renitentes destinatários que não quiseram se curvar aos novos tempos.

Pobre de mim se há uns dez anos passados, já então um “velho”, com mais de meio século de vida, não houvesse vencido a compreensível resistência às inovações.

Noto, porém que tal processo evolutivo, ao menos no meu negócio de charutos, se desenvolveu, e bem, na relação consumidor final-fornecedor. Já na área conhecida como B2B (business to business), ou seja, na relação lojista-fábrica, prossegue o velho (e arcaico, penso eu) sistema de vendedores comissionados.

Creio que, mesmo assim, num futuro não muito distante, a figura do vendedor tradicional deverá ser substituída por um “promoter”. O lojista quando quiser ou necessitar charutos, terá que se comunicar com uma central eletrônica da fábrica.

E aí, há os que questionam. Como ficariam aqueles que não dispõem de computador? Eu respondo com uma simples pergunta. Como é o caso dos contribuintes que para declararem seu imposto de renda, também não o têm?

Temos que nos render à modernidade. Agora, ou se toca por partitura, ou simplesmente não se toca nada.

193.    CASAMENTO INDISSOLÚVEL

Nunca dela falei em minhas crônicas embora seja uma das atividades na qual esteja envolvido há trinta anos. Tempo igual ao meu romance charuteiro. Numa região lindíssima da Bahia, conhecida como Vale do Jiquiriçá, mais precisamente na cidade de Ubaira, eu e um engenheiro, amigo e ex-cunhado, imergimos nos idos de 1975, na atividade cacaueira. Eram os bons tempos do Pró-Terra. Pagávamos juros anuais de 7,5% contra uma inflação bem maior. Eram tempos em que o cacau valia ouro e nos quais, um “Fusca” custava apenas umas trezentas arrobas de cacau. 

Para falar-lhes a verdade a sociedade em questão tem se constituído no mais duradouro casamento de minha vida. E olhem que já fiz de tudo, ou quase tudo, para acabar com ele. A ponto de, nas viagens com meu sócio que nunca nada fumou na vida, fumar incontáveis charutos, enfumaçando-o totalmente. Êta parceiro porreta! Adulava-me elogiando o aroma dos puros e afirmando detestar o cheiro (fedor, segundo ele) dos cigarros.

Por injunções do destino ao eu vir residir aqui no interior, nossos caminhos se descruzaram e, na jornada dos últimos anos, andamos meio afastados. Diria, por eu haver saído de Salvador, que hoje “dormimos em camas separadas”. E embora prossigamos sócios, agora nos vemos muito mais virtual do que fisicamente.

Meus charutos me têm aconselhado a propor-lhe um amigável divórcio. Afinal, passados tantos anos, centenas de árvores plantadas, centenas de arrobas de cacau colhidas, centenas de viagens feitas à fazenda, outras tantas centenas de charutos fumados, vejo chegar a hora da separação.

Mas qual o quê! Meu sócio, meu alter-ego por ser homem de poucas palavras e ruminante de decisões, tem adiado ad-eternam sua posição. Estou, portanto vivendo um verdadeiro casamento indissolúvel.

Seja o que Deus quiser.


192.    DESAFIO

Ao cronista se impõem método e disciplina. Ainda mais quando, no esforço de se ater a um tema recorrente, charutos no meu caso, o campo de suas elucubrações se restrinja de modo soberbo.

E é com método e disciplina que me esforço para atingir meus leitores. Com meus companheiros charutos sempre presentes, ora lhes falo dos ditos; ora lhes falo de minha família; vezes outras lhes digo de minhas preocupações existenciais; outras vezes lhes importuno com minhas experiências de vida. E vezes há, até, nas quais me proponho a poeta.

Agora mesmo, sem estar nutrindo uma específica inspiração, teimei em escrever. E, para tanto, - para mim ao menos - nada melhor que charuto em punho, para enfrentar o desafio.

Desafio tão grande quanto aquele que, a mais jovem de minhas filhas mulheres, Tâmara, está a enfrentar por estar estudando na terra do Tio Sam, comemorando um Ano Novo longe dos seus.

Língua e costumes estranhos lhe soam tão estranhos quanto um charuto para aquele que nunca o fumou.

O aprendizado é difícil. Mas, é bom lembrar, desafios não são imposições e sim concessões da vida.

Por isso sei que ela, com o método e a disciplina  com os quais  aprendi a apreciar charutos e a escrever, também irá vencer o desafio que a vida lhe concedeu.

Feliz Ano Novo. Para ela e para Você que me lê.

192.    ORIENTE

De lá vem a grande estrela anunciadora de um novo dia. Charuto em punho – quieto companheiro dos silêncios matinais – oriento-me no zênite. Já lhes disse tudo. Ou quase. Orientar-se é buscar o oriente.

Agora, é deixar fluir a imaginação. Viajar no tempo eterno das viagens intemporais. Dar-se conta do planeta Terra estar completando mais uma de suas eternas (?) viagens.

É tempo de lembrar de familiares, de amigos próximos ou distantes. Lembrar dos que já viajaram para outras paragens.

Lembrar de Você.

E lembrar Você, quanto à outra estrela. Gigante. A maior de todas. Daquela que, todos os anos, deve abrilhantar nosso espírito. Que nos agiganta. Que “fez soprar o vento do oriente nos céus e trouxe o sul com a sua força” (Sl, 78-26) orientando nossos corações ao convívio fraterno, à reflexão, ao amor.

Meu charuto deste instante é um charuto da paz.

Da paz representada pela grande estrela anunciadora da verdade, da sabedoria e da justiça.

Feliz Natal!

190.    CORAÇÃO PARTIDO

Para quem, como eu, vive baforando puros ter que entrar nos aeroportos da vida representa uma sair da realidade. Somente o faço ao último minuto permissível. Até então, ouvidos atentos aos alto-falantes, nas varandas aéreas onde poucos cinzeiros bravamente resistem, permaneço impávido com meu charuto, desafiando as placas proibitivas que a vista alcança a poucos metros.

A fugaz fumaça do meu puro teima em avançar na direção da porta automática fatal, invadindo o saguão. Passageiros do meu e de outros vôos entram apressados, inalando o reconhecido aroma. Uns há até que me olham com olhares inamistosos.

Desconheço-os solenemente.

Ali permaneço, tranqüilo e sereno, como se viajar não fosse. Somente ao ecoar a derradeira chamada para o embarque é que, gentilmente me despedindo do puro-companheiro, parto. Com o coração partido.

189.    VIVÊNCIA RARA

De notívago, até a casa dos quarenta, passei a madrugador, no quadrante dos sessenta. E neste passeio de vinte anos pela vida, passei-o transformando o brilho ígneo e o perturbador aroma dos meus charutos, em fumaças ao ar livre, anunciadoras de um novo dia.

São cinco horas da manhã. Noite ainda, portanto, por estas bandas nordestinas. E já me encontro na Estação Rodoviária de minha cidade – único ponto aberto  na alvorada – cafezinho à mesa, charuto em punho, ouvindo o canto de galos radiofônicos do programa Grandeza Nordestina da emissora de rádio local.

Aos poucos começam a chegar os ônibus que por cá transitam. Demandam cidades próximas: Salvador, São Felix, Santo Antônio de Jesus, Feira de Santana. Motoristas e cobradores destas horas, acostumados a ver dias nascerem viajando e a – volta e meia – me encontrarem fumegando, dão automáticos bons-dias, debruçam-se no balcão do bar, sorvem apressados cafezinhos, falam do tempo e, recolhendo os poucos viandantes da madrugada, partem.

Eu, saudando-os à partida, deixo-os deixarem-me na inefável companhia do meu puro das primeiras horas.

Vivência rara.


188.    HABEMUS LUDUS

Com a morte do amigo Lino Bouzas, galego que comandava a Pousada do Centenário, local onde, religiosa e diariamente, fluía nosso jogo de cartas, eu e os demais amigos que lhe sobreviveram, ficamos “sem eira, nem beira”. Nos transformamos em zumbis atarantados, como o disse em crônica anterior.

Meus charutos de durante o jogo passaram a não mais ter o mesmo sabor. Faltava-me algo. Algo esse que se superpunha à própria convivência. Falo da ambiência. Daquelas quatro paredes da sala de jogos, mudas testemunhas de nossas imprecações, impropérios e coisas próprias de um ambiente essencialmente masculino.

Foi-se Lino e com ele se foram nossos fumo-etílico-baralhísticos momentos de lazer.

Mas, como não há males que sempre durem, de fumar em fumar charutos, ele, também um amante destes, nos deu a solução.

Falo agora de meu amigo Mário Portugal. Em sua casa de finais de semana, aqui na minha província, num passe de mágica, transformou as dependências da piscina em aprazível e acolhedor salão de jogos.

Com direito, até, a obras de arte nas paredes, paredes essas que passaram, deste então, guardar os segredos de um novo momento em nossas vidas.

Meus charutos de durante o jogo passaram a ter o mesmo sabor de sempre, afinal, habemus ludus.

187.    INESPERADO ANTÔNIMO

Aos poucos, vou me livrando do velho hábito de somente escrever se estiver com caneta e papel à mão. Do fraterno uísque já me desvencilhei. O coadjuvante etílico passou a ser um aparato ocasional, domingueiro.  Só não abdicarei de meu charuto-companheiro. Agora mesmo, ao computador, com a folha de papel virtual à minha frente, encaro uma nova crônica cujo título, ao contrário do habitual, nasceu antes da redação do texto. Vejam que eu disse “ao contrário”. O mundo é feito de contrários, de contradições. A medalha tem duas faces. A energia tem dois pólos.  O bem e o mal. O alto e o baixo. O duro e o mole. A beleza e a fealdade. O justo e o injusto. O perfeito e o imperfeito. As idas e as vindas. As alegrias e as tristezas. A vida e a morte. A notícia tem dois lados. O direito é dicotômico.

Tudo isso vem a propósito de eu haver constatado que meu guri de sete anos anda, agora na escola, às voltas com sinônimos e antônimos. A professora relaciona sei lá quantos substantivos, para que se lhes indiquem outros, de opostos significados. E, volta e meia, sou interpelado sobre um ou outro antônimo. Coisas fáceis para nós, mortais vividos e a poucos passos da imortalidade. Mas difíceis para quem está começando a entender o mundo.

É verdade que posso até estar incorrendo em erro a fazer prejulgamento de dificuldade, amparado na minha experiência pessoal. Não se deve pensar o que não se sabe sobre os demais, pois no fundo, tal julgamento acaba sendo uma projeção de nós mesmos.

Recordo que certa feita alguém, em tom de brincadeira, enquanto fumávamos charutos, sabendo-me um amante das palavras e um profissional do ramo fumageiro, indagou-me qual seria o antônimo de “fumo”.

Ante minha confessa ignorância, meu interlocutor disse: “É vortemo”.

Vortemo? Indaguei surpreso.

E, me questionando por minha caipira opção de vida e por nem parecer ser um homem que vive no interior, me esclareceu: 

Não existe “nóis fumo?” Pois é! O contrário é “nóis vortemo”.

186.    PUROS E MARRONS

A turma da minha família já conhece a história, mas nada custa conta-la aos leitores de minhas crônicas. Coisas de um infante de cinco anos e seu pai, um escriba sexagenário.

Vivo numa cidade na qual a população branca é minoria e nada mais natural que os estudantes da mesma reflitam tal realidade.

Iniciado o ano letivo, logo nos primeiros dias, meu caçula extemporâneo, à mesa no almoço, com a pureza típica das crianças, inopinadamente comenta:

Papai! Lá na escola tem uma menina bonitinha. A cor dela é marrom!

Indaguei-lhe:

E você meu filho? É marrom ou é branco?

Dado a dificuldade de definir a cor de sua pele, o guri, sem pestanejar, me responde:

Não papai! Eu não sou branco, nem marrom. Eu sou normal!

Aí, ante a meridiana clareza de uma criança criada sem preconceitos, deduzi que cor é apenas uma forma de se ver o mundo. Sejam gentes, sejam charutos, seja o que for.

Aquilo que meu filho classificara de “normal” era apenas a predominância da família à qual está acostumado.

Os apreciadores de charutos sabem disto. Para uns, “normal” é o puro de capa clara; para outros, o charuto escuro, de capa marrom.

Eu que ainda labuto para me despir de preconceitos impostos por uma (in)formação inadequada, procuro no dia a dia, alternar preferências, sem distinções. Embora conviva com os puros todos os dias, dias há em que os quero puros e claros; outros em que os prefiro puros e marrons.

185.    ORQUESTRA

Donde estou vislumbro. Vislumbro uma palmeira imperial como se quisesse alcançar e invadir as nuvens. Meu charuto fumega nuvens azuladas que, pretensiosamente, se confundem com o azul-céu que se esconde por detrás daquelas bolas de algodão. Logo abaixo da copa daquele verde altaneiro, mangueiras em flor e frutas, denunciam o período do estio.

Descendo mais a vista, para aquém do muro que me impede ver inteiras aquelas árvores, quase junto a mim, avisto infantes aparentados divertindo-se no azul-água-céu de uma piscina feita para familiares prazeres.

Aspiro o puro. Ouço a algazarra dos meninos que, no afã de se dizerem presentes, disputam minha desatenciosa atenção. Gritam, espargem água para todos os lados, mergulham, abraçam-se, disputam aquáticos espaços.

Deixo-me ficar, uísque em parcimoniosos goles, a tudo assistindo. Risadas. A palmeira lá no alto. O charuto cá no lado. Meninos mergulhando. E eu, no pacato momento do assistir familiares em diversão sadia, empunhando e aspirando novamente o puro, sorvendo outro gole do proibido uísque, ouvindo as sábias advertências de minha mulher que sabe ter chegado a hora, relaxo e deixo as coisas acontecerem.

Retorno o olhar para o alto e vivo o que sempre vislumbro em tais momentos. A simplicidade e a beleza do viver. Basta sabermos ajustar nosso bio-relógio ao mundo em torno. E meu charuto, que está chegando ao seu final, me avisa que céu, palmeira, mangueira, piscina, água, crianças, alegria, são simples instrumentos desta única e maravilhosa orquestra-vida.

184.    O MELHOR CAMINHO

Quem sabe, dia desses, quando tiver alcançado umas trezentas crônicas, venha pegar os meus escritos e espremendo-os tentarei pinçar alguns que possam vir a compor um opúsculo. Chamar de livro, tal trabalho, seria muita pretensão. Em vez de uma bíblia, seria um catecismo. Fumaças condensadas na branca celulose que, espero, tenham meus leitores prazer em folhear.

Não seria, porém, um bom catecismo. Mandamentos do tipo como se deva fazer para bem fumar charutos, em princípio, estariam fora do trabalho. Tais normas eclesiais são facilmente encontráveis, por todos os cantos, em inúmeras publicações gráficas ou virtuais.  Mas, penso eu, apesar de não ser hermética, também não seria uma obra para neófitos. Seria mais bem digerida e compreendida pelos iniciados na confraria charuteira, uma vez que se resumiria àquelas crônicas que inserem e espelham os charutos no meu cotidiano.

Uma obra para ser lida no silêncio do recolhimento tendo um charuto fumegando por companheiro. Ou por aqueles que não fumando charutos, mas tendo a sensibilidade dos artistas, entendam meu hábito predileto. E ao falar de sensibilidade ligando-a ao mundo dos charutos, creio que aí esteja o âmago do pretendido projeto. Algo diferenciado.

Como declara Tom Peters, um dos gurus da administração moderna, “o mundo está cheio de pessoas iguais, com perfis iguais, trazendo idéias iguais, produzindo coisas iguais de formas iguais”. Pretendo escafeder-me desta igualdade. Por isso escrevo desta forma. A busca do melhor caminho cujas veredas não podem ser retratadas antes de terem sido percorridas. Estou ainda no percurso  da trilha. Preciso de tempo, pois não sou um ficcionista.

E neste entretempo, com minhas crônicas, meus charutos, meus livros, meus amigos, gente como Você que me lê, tento descobrir o melhor caminho para as fronteiras do Infinito.


183.    COMPRIMENTOS ERRADOS

Os comprimentos dos charutos Alonso Menendez, Dona Flor e os das demais marcas, famosas ou não, existentes no mundo, estão todos errados. Aliás, não é só isso. Errada também está a sua altura, nobre leitor, e tudo o mais que é aferido pelo sistema métrico decimal. O metro encurtou. Descobriu-se que o metro oficial (conceituado como a décima milionésima parte da distância entre o Pólo Norte e o Equador) é 0,2 milímetros mais curto do que devia.

O metro, que se transformou num monumento de platina – exibido até hoje, em Paris - passou dois séculos sem saber que tudo em volta era mais comprido.

A denúncia foi feita pelo pesquisador britânico Ken Alder, no seu livro “The Measure of All Things” (A Medida de Todas as Coisas – editora Little Brown), que alega ter descoberto isso ao examinar arquivos do Observatório de Paris. Pior de tudo foi que o francês François Méchain e seu companheiro de apuração, Jean-Baptiste Delambre – os cientistas responsáveis pela determinação exata – descobriram o erro mas ficaram calados ante as honras da comunidade científica da época.

Depois disso só resta o consolo de que o prazer dos puros – e de outras coisas mais – e aqui deixo fluir sua imaginação, apesar de serem maiores do que deviam, não se avaliam pelo comprimento e sim pela intensidade da satisfação que proporcionam.

Vale para nós, o velho adágio segundo o qual tamanho não é documento. Menos mal. Corrija-se o metro mas nos deixem em paz, mais altos do que o somos, mas medindo a vida com as baforadas de nossos charutos.

182.    AQUI É DIFERENTE

Momentos há nos quais, à cata de inspiração, deixo o olhar vagar desaprisionado, buscando num mundo sem gentes e sem paisagens, o tema para mais uma crônica. São instantes rápidos, pois logo caio no mundo real que me rodeia.

A névoa do meu charuto matinal é uma cortina, através da qual tento descortinar coisas que, habitualmente, meus olhos não enxergam. No compasso dos pacatos momentos cedos, tempo extra inacessível aos mortais comuns das grandes cidades, perscruto o mundo do alvorecer das quase sempre primaveris manhãs deste recanto baiano onde vivo.

Sendo o prazer uma coisa bem baiana, viver, tanto quanto fumar charutos, para se transformarem em prazer requerem calma. Não são obrigações. Não exigem pressa.  Exigem, isso sim, silêncio e espiritualidade. O prazer, quanto o silêncio, é residente. Está dentro de nós. E é com tal prazer residente, forma hábil de nos relacionarmos com o mundo, que meus olhos madrugadores, quase todos os dias, enxergam, por aqui, gentes escovando dentes às portas de suas casas. Gentes com gaiolas à mão, levando pássaros prisioneiros para tomarem banho de sol. Gentes sentadas nos meio-fios das calçadas num rotineiro bate-papo matinal. Vejo mais. Vejo gentes às portas do prédio da municipalidade e da casa do alcaide,  à espera de algum favor ou auxílio do poder público. Todos, sem exceção, com tempo bastante para  cumprimenta-lo com um Bom-Dia. Aspectos culturais interioranos que, me diz meu charuto, bem traduzem o viver sem pressa.

Aqui, na minha cidade, os habitantes não vivem isolados sem falar com os vizinhos. Eles não são gente, como registrou Darcy Ribeiro, que “só se entende com a gente da novela e só com ela tem um convívio humano, quase pessoal, ainda que unilinear e eletrônico”.

Aqui é diferente! E me confesso feliz por aqui estar, viver, falar com meus vizinhos, fumar meus charutos e poder expressar bem cedinho, rompendo o espiritual silêncio, meu Bom Dia a todos que encontro pela frente.

181.    MORRER SEM VIVER

 

Pano da Costa

Senhor do Bonfim

Fumos da Mata.

 

Bata de renda

Porto da Barra

Campos de fumo.

 

Torso de linho

Forte do Mar

Puros à mão.

 

Balangandãs

Amaralina

Alonso Menendez.

 

Brincos de Prata

Festas de largo

Os bons Dona Flor.

 

Xale de seda

Carnaval de rua.

Fumaça mágica.

 

Baianas dos terreiros.

Bahia da Tradição

Charutos baianos.

 

Brincando com meus charutos-companheiros, saí de dentro de mim e tentando sofisticar os prazeres que me proporcionam, rabisquei alternada e sucessivamente aquilo que, para mim, sintetiza a baianidade autêntica.

 

Afinal, “quem de dentro de si não sai, vai morrer sem viver”.


180.    SEM RIVAIS

Moro numa casa construída em 1928, da qual mantive o partido arquitetônico externo, redesenhando as funções do layout interno. As portadas alcançam os 3 metros de altura e os janelões, com seus 2,20 metros, correspondem em altura, às portas de hoje em dia. Não há fechaduras, nem trincos. Todas as aberturas, exceto a saída da cozinha, são fechadas com trancas de ferro. Paredes com mais de um palmo de espessura são arrodeadas por varandas típicas dos inícios do século passado.

O pé direito interno, com seus 3,5 metros permite ventilação invejável, reforçada por telas colocadas em portas e janelas, sempre abertas para o mundo.

Ao adquiri-la consegui dos herdeiros diretos do seu construtor, além da escritura original com seus éfes e erres da grafia da época, até os documentos do habite-se, bem como os documentos dos lotes onde foi erguida, arrematados em leilão da municipalidade. Jóia rara. Bem, para mim, de valor inestimável. Não a troco por casas de hoje com suas modernidades.

Tal casa guarda segredos entre suas paredes quase octogenárias. Situada confronte ao prédio da Prefeitura Municipal, nela moraram, no passado, os juízes de paz da cidade.

Quando a adquiri estava desocupada há vários anos e Você há de imaginar quantos charutos consumi em meus projetos para, carinhosamente, recupera-la. Os nativos, quando comecei a faze-lo, chamavam-me de louco, me aconselhando demoli-la e construir uma morada nova.

Haja falta de sensibilidade para com o patrimônio urbanístico!

Por certo que menos teria gastado se ouvisse os conselhos dados. Mas, em compensação, nela trabalhar e viver as satisfações  que me proporciona, nascidas da sua especial singularidade, são tantas quantas as de meus charutos: prazerosas e únicas.

Sem rivais. Sem similares.

179.    FUMAR PLATÔNICO

Minhas crônicas que chegam até Você, com regular freqüência, são parte do relacionamento consigo. Parte, diria eu, vital. E assim como Você, muitíssimos apreciadores de charutos recebem meus escritos. Formam parte do universo dos amantes da arte e do prazer de fumar.

Mas, além de tal seleto público, outros dois grupos há de destinatários. Um de amigos espalhados pelo Brasil mas que não são fumadores de puros. Alguns até antitabagistas convictos. Isso porém não me tira o direito de continuar sendo amigo deles. O outro grupo são os familiares residentes noutras cidades com os quais falo vez ou outra, por telefone, e para os quais raramente escrevo. Foi tal a fórmula que encontrei para que meus amigos mais íntimos e meus familiares, saibam que continuo bem e na ativa.

E, como soe acontecer, da mesma forma que muitos de meus leitores-fumadores, volta e meia, me retornam cumprimentando pelos textos, há diversos integrantes do grupo dos demais grupos que, uns me parabenizam, outros tentam dissuadir-me do fumar charutos e seus prazeres, propondo-me que me dedique unicamente às crônicas.

Acontece que “o leite dos meninos” cá de casa, as boas amizades alcançadas, meus teres e haveres, foram todos conquistados, e continuam sendo garantidos, pela minha atividade charuteira.

Como eu poderia falar – e promover – um produto que não apalpo, não cheiro, não degusto, não gosto? Como, de outra forma,  poderia eu transmitir o melhor dos meus sentimentos afetivos pelos puros? 

Meus charutos são uma eterna descoberta a cada caixa que se abre. Um suave enlevo a cada anel que se rompe. Um precioso desafio a cada cinza que despenca. Uma inigualável viagem a cada puro que incandesce.

Haveria, por acaso, um fumar-amar platônico?

178.    BOAS SAFRAS

As cabrochas arroxeadas dos antigos armazéns de fumo da Bahia já não são mais as mesmas. Tendo decrescido, em termos macro-econômicos,  a secular atividade ligada ao tabaco, reduziu-se o mercado de trabalho, impedindo o acesso de novas operárias. Mantiveram-se pois, na atividade, apenas as antigas cabrochas as  quais, pois, se tornaram cada vez mais experientes. A estabilidade no emprego transformou o visual gracioso e juvenil das caboclas operárias, num quase mar de cabelos encanecidos.

Nos armazéns de fumo e nas fábricas de charutos, vêem-se hoje cabeças com lenços coloridos ocultando cãs femininas ou, as mais vaidosas, com cabelos tingidos em busca dos anos passados espalmando folhas de tabaco ou capeando charutos.

Às mais narcisistas, os espelhos perturbam. As mais conscientes, que souberam viver intensamente, refletem nos seus embranquecidos cabelos, a sabedoria e a experiência de uma vida passada, esmerando-se em, a cada hoje, melhor fazer o charuto que Você fumará amanhã.

A safra remanescente do operariado charuteiro feminino, assim como se faz necessário com safra dos tabacos, é excelente por ser mais velha. Anote: é com boas safras, de operárias e de fumos, que se produzem na Bahia charutos de qualidade mundial.

177.    RECORDAR É PRECISO

Dele falei em dezembro de 1999 na minha Fumaça Mágica 29. Trata-se Mário Amerino Portugal. Gente finíssima. Empresário, fundador titular da Menendez & Amerino, amante dos charutos. E não é que, no final de 2004, me brindou com uma belíssima crônica falando dos seus amigos? Gostei tanto que me permito reproduzi-la aos meus leitores. Mário, com inspiração ímpar, diz tudo o quanto eu gostaria de dizer de todos aqueles que a vida colocou no meu caminho. Dele inclusive. Só faltou falar dos nossos charutos os quais, sei, fazem também parte do seu dia a dia.

E, como recordar é preciso, vamos ao texto:

“Tenho nos meus amigos o bem mais valioso do meu patrimônio. Curto todos sem limites de alegria e ternura. Os mortos, com imensa saudade e divertidas recordações. Os vivos, com o cuidado de quem guarda um tesouro de valor inestimável”.

Só enxergo suas virtudes e probidades. Defeitos nenhum. Generosos, inteligentes, charmosos, bons de papo e de copo, despretensiosos, educados e espirituosos. São, sobretudo, excelentes de cama e de caráter. Assim, com tantos dotes, fica fácil entender, o tremendo sucesso que fizeram no passado, com mulheres dos arredores e de além-mar. Deus me concedeu o privilégio de conhecê-los e a ventura de desfrutar, intensamente, da companhia deles.

Por princípio não tenho "conta corrente" com os meus amigos. Não há cobranças e eventuais falhas assim como omissões são relevadas. Tratamento recíproco entre todos os membros da confraria, sem exceção. O importante é que a solidariedade, o respeito mútuo, o perdão, a cumplicidade, o afeto e o bom humor são uma constante no nosso relacionamento.

No que se refere à minha formação, confesso que sofri forte influência dos velhos companheiros na minha maneira de ser. Alguns, católicos fervorosos, foram exemplos vivos de fé e de adoração a Deus. Entre humanitários e mundanos, outros me induziram aos mais variados padrões de comportamento que vão desde princípios éticos às delicias profanas da vida.

Com eles aprendi de tudo um pouco: o amor a Cristo e ao próximo, a dedicação à família e ao trabalho, o otimismo, a alegria de viver, a pontualidade, a coragem para enfrentar as adversidades e as frustrações, o mundo das artes, o gosto pelas antiguidades, os prazeres de viajar e conhecer gente, os encantos dos vinhos e da cozinha, o hábito de degustar um bom charuto, a afeição à música e aos esportes, a boemia e os tragos, a gula, a luxúria, os jogos de baralho, o culto às mulheres bonitas, e muitos outros pecados veniais irrelevantes.

Sábios ensinamentos edificaram sólidos alicerces responsáveis pela inexistência das palavras solidão e tristeza no nosso vocabulário. Aprendemos a sonhar acordados e a levar a vida com criatividade e muitas fantasias. Meus infinitos defeitos são congênitos. Não herdei de nenhum dos meus queridos amigos. Excetuando pequenos deslizes, uns aqui outros acolá, eles são modelos exemplares de fidelidade e constância, embora alguns passassem, vez que outra, a falsa imagem do garanhão fogoso e "ecumênico" à disposição do sexo frágil.

Que saudade enorme eu sinto dos que já se foram. Os locais que freqüentamos juntos, as músicas daquela época, os filmes antigos, as fotos que congelam o passado, os anos dourados que não voltam mais, os bons tempos da nossa exuberante virilidade, os casos engraçadissímos dos quais fomos protagonistas ou coadjuvantes, as moças bonitas da nossa geração. Em resumo, recordar eventos que marcaram nossas vidas, fatos e momentos felizes, me causa muita emoção.

Os remanescentes, que como eu resistem ao tempo, uma trupe de setentões pacatos e saudosos das divertidas loucuras de outrora, desfrutam hoje da sólida amizade que nos uniu para sempre. Entretanto, a aparente conversão desses indecorosos ex-boêmios em vestais não passa de uma mera ilusão. Eles não abandonaram os pecados. Foram os pecados que os abandonaram.

Os meus amigos têm gosto de festa. Peço sempre a Deus que me poupe da angústia de ser o último, pois para mim seria muito difícil viver sem a companhia deles.”

Assino embaixo.

Hugo Carvalho

176.    LISARB

Quando redigi minha crônica intitulada siaped adreM, não pensara, em momento algum, na querida pátria amada. O fantasioso país fora fruto de uma brincadeira corporativa. Agora, fumando meus charutos, vendo e ouvindo as coisas que por cá se passam, concluo que tal país existe. Vivemos nele.

Mega operações policiais detendo empresários acusados de fraudadores com estrondosa participação da imprensa. Dinheiro viajando de aviões, em caixas, malas, sacolas e cuecas. Homens públicos sendo equiparados a prostitutas por receberem dinheiro para trocar de posição. Incompreensíveis e inexplicáveis saques milionários, em grana viva. Resplandecentes fortunas nascidas do dia para a noite. Desculpas reticentes e esfarrapadas. Cigarros e charutos contrabandeados. Rios de dinheiro consumidos em injustificada publicidade por governos e estatais. Denúncias e mais denúncias de desvios e de desmandos com o dinheiro público. Negociatas. Falcatruas. Conchavos. Um verdadeiro lodaçal! Seus miasmas sulfurosos e suas emanações fétidas, contaminando o ar, nos sufocam e nos envergonham.

O senso crítico dos que, como eu, imobilizado, a tudo assisto está sendo subestimado. O senso ético dos atores desta grande tragicomédia foi jogado para debaixo dos tapetes. Maquiavélicas armações foram engendradas para se cooptarem opiniões ou se conseguirem adesões. Outras não menos maquiavélicas justificativas estão sendo urdidas e propagadas.

Minha auto-estima ruiu. Estou num profundo desalento. E assim, pensando nos meus filhos e vivendo no país siaped adreM, continuo aguardando o dia em ele possa voltar a ser chamado de lisarB ou, de trás para frente, Brasil.

Quantos charutos ainda terei que fumar?

175.    ÉTIMOS

 

Caçula vem do africano;

futebol, do inglês;

cantina, do italiano;

omelete, do francês.

 

Quilombo vem do africano;

repórter, do inglês;

macarrão, do italiano;

restaurante, do francês.

 

Do tupi vem jararaca;

do inglês, deletar;

do italiano, sonata;

do francês, felicitar.

 

O tamul nos deu charuto;

do árabe veio almofada;

do latim veio impoluto;

que também nos deu escada.

 

Cachimbo vem do africano;

avenida, do francês;

bandolim, do italiano.

Como é rico o português.


174.    EXTENSÃO DOS SENTIDOS

Quando fumo meus charutos, meus sentidos se ativam. Impulsionados, pelo desfrute ímpar, tato, visão, olfato, gosto e audição se aguçam. E paradoxalmente – ao menos para mim – o enfumaçado e exigente deleite amplia o espectro das sensações.

Mesmo sem propiciar o inebriar etílico, os passantes se me parecem mais familiares; a música que ouço, mais agradável; a bebida que ingiro, mais saborosa; as coisas que apalpo, mais delicadas; os aromas que aspiro, mais sutis. O charuto passa a ser uma extensão dos meus sentidos. Alcança-me o mundo exterior e a ele contagia com a doçura da sua fumaça pública e invasora.

Deleito-me em, num  cair de tarde desfrutando meu puro, num dos bares da minha cidade – na qual fumar não é proibido em canto algum – invadir a privacidade dos circunstantes. Traze-los até mim com suas curiosidades sobre o fumar charutos. E de, pacientemente, permitir-me ser interrompido na solitária e sensitiva apreciação do mundo que me rodeia.

Em cidade na qual todos se conhecem, nunca se está anônimo em lugar algum. Não se passam mais de dois minutos sem que alguém se aproxime para saúda-lo.  Enquanto isso, fumegando, o charuto liga olfatos, confirmando tatos de mãos que se cumprimentam. Uma sinfonia gestual na qual, concomitante, a caneta se apressa em tentar pautar os acordes do momento, transformando-os em palavras.

Palavras nutridas da pretensa esperança de, como meus charutos, serem também uma extensão dos sentidos  e seduzirem os que vierem lê-las.


173.    GRANDE ARQUITETO

Nunca o vi estar, mesmo que o fosse socialmente, em qualquer igreja. Apesar disso (ou teria sido por isso?) me fez estudar em colégios católicos – maristas, lassalistas, jesuítas. Tendo sido participante ativo da Maçonaria, sociedade na qual galgou os mais altos graus filosóficos, acreditava em Deus, o Grande Arquiteto do Universo.

Hoje, fumando meu charuto e contemplando uma de suas fotos que guardo com carinho, me encho de saudades. Falo de meu pai. Homem de poucas palavras, mas que, horas a fio, ficava em seu gabinete, datilografando de forma exímia, apenas com os dois dedos indicadores, seus trabalhos maçônicos. Textos que ensaiava, os lendo em voz alta para mim que, então, nada entendia.

Suas poucas palavras que me ocultaram, para sempre, os “segredos” e histórias da família, as eram apenas para os seus. Não fosse assim, não teria tido três enlaces familiares, em tempos de absoluta discriminação para tanto.

Deixem-me importuna-los e, na companhia do meu charuto, tentar recompor a história romântica do “velho”.

De seu primeiro casamento, o “oficial”, lhe advieram duas filhas, amadas irmãs, vivíssimas e “setentonas” a mais não poder. Depois, homem dado a muitos amores (rabo de saias, como se dizia), conheceu aquela que viria a ser minha mãe, a qual lhe deu três filhos, dos quais que ainda estão por aqui, resta apenas este sexagenário escriba. A seguir (ou teria sido concomitante?) conheceu, no seu trabalho (ah! os locais de trabalho, causadores de tantos encontros da vida!) se deparou com aquela que viria ser minha madrasta (palavra “pesada” e que não faz jus ao conceito -  perdoem). Com a dita veio a ser pai de um casal, também amados irmãos, contemporâneos de meus filhos mais velhos, agora “quarentões”.

E qual a razão que me levou a falar tais coisas?

Para deixar, aos meus, um pouco da história de minha vida, que meu pai, um grande arquiteto de famílias, não teve a coragem de contar.

Que o Grande Arquiteto do Universo o tenha.

172.    SÃO JOÃO

Meu filho derradeiro tendo nascido no ano 2000 terá a coincidência, em vida, sua idade se igualar, primeiramente às unidades, e logo após, às dezenas do século em curso. E, por ser de junho, nada mais justo que ter sido chamado João.

A festinha na escola, com seus amiguinhos, quase nunca acontece, pois aqui na nossa região, a data coincide com as férias juninas. Neste ano não fizemos festa maior para registrar a efeméride. Limitamo-nos às singelas comemorações interfamília.

Bastam os festejos que animam nossa província de São Gonçalo dos Campos na época junina, com suas cores, sons e pratos típicos. No São João os forrós e os arrasta-pés, em competição com bandas famosas, se espalham por todos os cantos. O povo da Capital invade o burgo, em massa, em busca dos folguedos da época. Os nativos viram estranhos em sua própria cidade. O agito é total. O comércio comemora. Gentes simples, e outras nem tanto, deixam suas casas para alugarem-nas aos forasteiros. O trânsito, numa cidade de becos e vielas, sem semáforos, fica uma balbúrdia. Licores de jenipapo, de passas, de acerola, de maracujá, de tamarindo, - todos de fabricação caseira - são as bebidas preferidas na época. Por serem dulcíssimos, os abomino. O vulgo os bebe aos litros  acompanhados de indigestos amendoins cosidos.

Em minha casa portões e janelas se fecham, em proteção às “espadas” que, apesar de proibidas, volta e meia zig-zagueiam por céus sem dono.

Os balões, estes sim, sumiram. Hoje são apenas caricatas armaduras de papel crepom, sem vida e sem chama, pendendo de cordões com bandeirolas multicoloridas.

Fugindo à tradição local, no São João deste ano, não enfeitei a casa. À noitinha, na varanda onde rabisquei esta crônica, na companhia de vinho e do charuto, não fosse o ouvir do espocar dos fogos, nada denotaria a data.

Uma prazerosa festa particular, cheia dos gostos e sabores do meu puro. E  enquanto todos andavam para cima e para baixo, procurando e esperando não sei o quê, descobri, sem sair do lugar, que aquilo que mais eu desejava estava dentro de mim mesmo: escrever, beber meu vinho e fumar meu charuto. Sem forrós, sem foguetes, sem licores e sem balões.

Viva São João!

171.    INVERNO 

Inverno, a rigor, é estação desconhecida nestas bandas nordestinas. Basta os termômetros anunciarem os 20º C, associados a um nublado céu paulista, miúda chuva e desordenados ventos, para todos vestirem roupas hibernais. Como se estivessem em Campos do Jordão, Erechim, São Joaquim ou Teresópolis. 

Eu, há trinta anos, antes um compulsório, hoje um voluntário habitante destas plagas, nutrindo saudades do autêntico inverno sulista, curto os raros dias do inverno do Recôncavo Baiano. Um moletom às costas, uma garrafa de um bom tinto à mesa e um Alonso Robusto à mão, fazem a festa no quiosque do meu sítio. 

Sozinho – e para que mais? – olhando a natureza ao derredor me delicio com o inigualável tempero chuva-frio-vento e me aqueço nos prazeres do gosto-tato-olfato vinícola-nicotínico. 

Temer o que? O frio é ameno. O vinho não faz mal a ninguém. E o charuto, por ser puro por sua própria natureza, acode temores e tremores. Simbiose perfeita que Baco, ao seu tempo, não teve o prazer de desfrutar. 

A chuva invade os beirais do piso do avarandado. O vento espanta a fumaça do meu charuto. O vinho, como o puro, aos poucos vai se esgotando. E eu, curtindo a miscelânea frio-vinho-chuva-charuto-vento me ponho a escrever outra crônica. Cujas embriagadas fumaças, ao chegarem até Você lhe demonstrarão, - assim o espero – que para se ser feliz basta por a felicidade onde nós estamos. 

Permita-se o direito de ser feliz. Só, ou acompanhado, eleja um momento na companhia do seu puro, para desfrutar as coisas simples e boas da vida. 

Tal é o meu melhor desejo.


170.    TOQUES

Gosto de sentir a maciez.

Toques suaves informam.

Estimulam.

 

Gosto de aspirar o aroma.

Toques amadeirados comovem.

Instigam.

 

Gosto de apreciar o sabor.

Toques de mel satisfazem.

Motivam.

 

Gosto de exalar a fumaça.

Toques ardentes que incitam.

Inebriam.

 

Gosto de enamorar-me das cinzas.

Toques de prata me falam.

Me calam.

 

Gosto de fumar meus charutos.

Toques do bom viver me distinguem.

Comprazem.

 

Gosto de falar dos meus puros.

Toques com tons que insinuam.

Orientam.

 

E, quando estou só,

charuto e caneta em punho,

gosto de estar com Você.

Que me lê.


169.    CHARUTOS DE GETÚLIO 

Hoje resolvi relatar o que ouvia falar nos corredores da velha fábrica de charutos Suerdieck, quando lá trabalhei nos idos dos anos 80. O assunto é pitoresco. 

Todos (os mais idosos, por certo) se recordam que Getúlio Vargas foi conhecido, carinhosamente, pela alcunha de Gegê. Houve até uma música carnavalesca, cujo verso inicial era assim, se bem me recordo: "Gegê, Gegê/, por que é que todo mundo/ gosta tanto de você?" 

E sendo ele emérito apreciador de charutos, a fábrica Suerdieck teria se decidido por "homenageá-lo" (ou seria uma ação de marketing, palavra desconhecida na época?) lançando uma nova marca denominada G.G., cuja leitura teria, pois, o mesmo significado de Gegê. 

Ocorre que, naqueles tempos, havia uma grande distância entre a autoridade presidencial e o povo. 

Jamais, quem quer que o fosse, iria se referir ao presidente da República, sem valer-se do  famosíssimo "Sua Excelência, o presidente da República". Já pensaram então, o que aconteceria se uma fábrica de charutos se "atrevesse" a colocar a alcunha presidencial numa de suas marcas? 

Mexe p'rá lá, mexe p'rá cá e acabou se decidindo colocar uma terceira letra G, ficando a marca denominada G.G.G. O pessoal saiu, pois, pela tangente. Mas isso, internamente, virou foco de muita brincadeira.

À época, Geraldo Suerdieck estava em seu segundo casamento, com Gisela Suerdieck. Aí a turma da fábrica declarava que G.G.G. nada tinha a ver com Gegê e sim, que significava, "Geraldo gosta Gisela". 

Outros, mais gozadores, afirmavam que G.G.G. significava, simplesmente, Grande, Grosso e Gostoso. 

Fica para vocês, leitores e amigos, a melhor interpretação.

168.    ELOS IMPORTANTES 

Quando nos debruçamos sobre a história econômica da Bahia e sobre suas estórias, inevitavelmente nos deparamos com a lavoura do fumo nas cidades do Recôncavo. Andar-se por cá é pisar-se em solos de tabaco e cana. 

Nas terras que circundam a Bahia de Todos os Santos, sobrevivem casarões centenários, ocupando quarteirões, onde se processa a faina da escolha, da fermentação e do enfardo de fumos. E, à sombra da secular atividade que deu fama aos nossos tabacos e vez ao surgimento de grandes empresas charuteiras, ainda hoje, prosseguem esforços para manter viva a cultura fumageira. 

Nosso fumo para charutos tem pátria; tem marcante identidade que o faz único no mundo. Não é um imigrante de outras terras.  É um filho da Bahia predestinado a correr mundo. Folhas que nascem e morrem para dar prazer. Prazer que requer conhecimentos de um fazer que não é público, nem notório. São misteres e segredos que vão do cultivo à manufatura, passados de geração a geração, e que estão incrustados no saber e na cultura das gentes do Recôncavo Baiano. 

Entre o nascer e o morrer dos fumos para charutos há toda uma vida. Brotam nos viveiros, adolescem nos campos e, atingida a maturidade, cortados, pendem nos galpões dizendo adeus à seiva que os nutriu. Ali secam morrendo aos poucos. Renascem depois nos grandes armazéns. Escolhidos, pois como os filhos uns não são iguais aos outros, são apartados pela textura, pela cor, pelo tamanho. E, com o trinômio, pressão, umidade, temperatura, são beneficiados. Lentamente, como de forma lenta se transformam os bens da natureza que fazem a alegria dos homens. 

Uma cadeia de mutações na qual todos os elos são importantes.

167.    RAÍZES

Grande parte das cidades brasileiras nascidas de mãos portuguesas católicas tem seus santos devocionais. Compreensível fenômeno do processo de aculturação. Se germânicos calvinistas, por exemplo, houvessem sido os semeadores das raízes urbanas, outro seria o quadro.

As influências dos precursores nos primórdios, assentam os estribos que formatam o perfil dos núcleos. Isto não só no aspecto religioso. Espraia-se e reflete-se na ambiência sócio-econômica.

Aqui em São Gonçalo dos Campos da Bahia, à qual carinhosamente chamo de minha província,  não foi diferente. Além da raiz religiosa, presente em seu próprio nome, por ter sido um dos pólos da imigração escrava, tal raiz cativa a converteu numa cidade de população predominantemente negra.

Já o charuto que agora fumo, em momento de descontração acionando neurônios, é um retrato vivo da cultura fumageira, um dos pilares do coração da cidade. Que fez a riqueza e a fama de muitos. Que carreou recursos para européias influências locais no paisagismo e na construção civil.

Por tudo isso, independente de outras viagens que meu charuto me tem proporcionado, agora, este inspirador companheiro me fez evocar nossas raízes locais.

Aplausos para ele.


166.    CONFISSÕES

Já fui como a fumaça dos meus charutos a qual só sabe viver ao sabor dos ventos. Barco sem timão percorria os caminhos da vida, no embalo das ondas. Espírito aventureiro, ávido de conquistas, não respeitava prumos nem rumos. Um equilibrista, sujeito a cair do arame a qualquer tempo. 

Bati em rochedos. Despenquei. Fiz sofrer.

Consertei o casco. Reaprumei-me. Pedi perdão. 

E neste bater-despencar-incomodar; consertar-reaprumar-redimir fui aprendendo a viver. A ser como os meus charutos. Quietos-prisioneiros. E não como as suas fumaças. Inquietas e fugazes. 

Aquietei-me, pois a “felicidade está sempre onde nós a pomos”. E me transformei, voluntariamente, num prisioneiro das pessoas, coisas e lugares que o destino me reservou. 

Mas, mesmo assim, aprendi algo com a fumaça dos meus puros.  Aprendi a olhar para onde elas, apesar da sua inquietude, sempre se dirigem. Para o alto. 

E é nesta elevação do pensar que, com meu inseparável charuto à boca, me confesso a Você, meu irmão-leitor e meu amigo distante.

165.    GENTE ESPECIAL

Momentos há em que a gente, mesmo com circunstantes, se auto-isola, em mental recolhimento. Eu costumo faze-lo freqüentemente. Em tais instantes o diapasão cordial parece bater noutro compasso. Acalma-se assumindo hipotensa freqüência. 

É hora de acender meu charuto. Vozes, ruídos e sons provenientes donde me encontro agora, são quase inaudíveis. Soam como ecos de um lugar onde nunca estive. Mas que se me parecem familiares. Às primeiras baforadas do meu puro, transponho-me no tempo e no espaço. Chego até você, no ontem dos ontens e no amanhã dos amanhãs. E nesta intemporalidade que desconhece passado, presente ou futuro, me sinto ternamente eterno, como de fato, somos todos nós. 

Perpetuamo-nos tanto pelos genes fecundados, quanto pelo modo de viver deixado. Meus charutos, por exemplo, são um atestado disto. Nem preciso morrer para ser lembrado. A simples evocação do termo e prontamente haverá alguém que logo se lembra de mim. Eternizei-me. 

E nesta desalinhada viagem da auto imersão, em busca do conhecimento, me sinto confortavelmente só. Como nasci e como por certo, no momento certo, terei que abandonar os meus e os meus puros

A visão da finitude não me atemoriza. Ao contrário. Estimula-me a desfrutar a vida de forma consciente, curtindo as cãs, compartilhando filhos no seu crescimento, fazendo de cada charuto que fumo um ritual único, de cada crônica que redijo um especial prazer, desfrutando minhas auto-reflexões, tendo o trabalho como prêmio e não castigo, sentindo compreensivas saudades da jovem guarda, traduzindo as notícias pelo seu significado implícito e – acima de tudo – tendo o privilégio de com os cabelos brancos, os filhos, os charutos, as crônicas, as reflexões, o trabalho, as saudades, as notícias, saber que há no mundo gente especial, como Você, com a qual me identifico por tudo quanto a vida nos tenha ou não concedido.

164.    COISAS SIMPLES

Ao se falar de charutos, em geral, somos induzidos a pensar em sofisticação, prazeres da mesa, comemorações, coisas afins. Pensamos também em meditação, relaxamento corporal, tempo. 

Hábito que requer conhecimentos, o fumar charutos demanda uma iniciação e a capacidade de saber usufruir tudo a quanto o charuto induz ou o que ostenta. 

Eu, na minha vivência interiorana, tenho descoberto e tido no puro-amigo outros prazeres. Coisas simples. 

O de estar sentado à sombra de um cajueiro, aspirando a mescla do penetrante perfume das suas flores com o doce aroma do tabaco. 

O de estar, por entre o roseiral, inebriado pela simbiose do cheiro-mel dos meus charutos com o suave perfume das rosas. 

O de joelhos estar sobre o tapete gramado, pinçando trevos e desfrutando do meu puro

O de, no milharal, percorrer seus corredores, colhendo espigas e fumando meu charuto. 

O de regar meus gerânios, minhas margaridas, murtas, flores mil, não dando tempo à fumaça materializar-se. 

O de ouvir os pássaros, em horas das ave-marias; o de ver o verde da cerca viva de sansão do campo ao embalo da brisa vespertina e – tudo isto – com meu charuto ao lado. 

Coisas simples. Como a vida. Mas que encantam e dão sentido à mesma.

163.    BUSCA

Quando aportei na Bahia, em 1965, com o compromisso profissional de cá permanecer uns dois anos, jamais pensara que agora, já no século seguinte, cá continuaria.

Menos ainda imaginara que viria mergulhar no mundo tabaqueiro, ajudar a construir uma fábrica de charutos - como fundador e nela trabalhando anos a fio, correr mundo por eles e, prazerosamente, desfruta-los e escrever.

Escrever é uma ousada força de expressão. Invejo os bons escritores. Aqueles que têm o talento de transmitir sentimentos. Coisa difícil. Tão difícil como versar saudades para outro idioma. Tão difícil como rimar charutos. Tão difícil quanto aprender a aprecia-los.

Esta última dificuldade eu consegui contornar. As demais prosseguem sendo desafios. Aos quais me imponho. Sem o jugo de um sacrifício, mas pelo prazer de ativar neurônios.

Com o prazer de buscar, em mim mesmo, as raízes de tudo quanto me transformou num gaúcho-baiano-charuteiro-interiorano.

Sigo intentando buscar tais raízes. Hora dessas irei descobri-las.

E, quando tal acontecer, por certo terei assunto para outra crônica.


162.    TALVEZ

Quando me afastei das lides diárias na indústria charuteira, ao me aposentar, confesso que não o senti. Meus charutos continuaram me fazendo companhia. Enriquecida pelos constantes contatos eletrônicos e telefônicos com meus amigos e clientes. Com mais tempo para meditar e escrever. E pondero.

Talvez eu pudesse ter feito melhor as coisas. Ou talvez não.

Talvez eu pudesse ter tido outros tantos filhos. Ou talvez não.

Talvez eu pudesse ter feito meus próximos mais felizes. Ou talvez não.

Talvez eu pudesse ter casado mais vezes. Ou talvez não.

Talvez eu tivesse optado pelo serviço público ou a carreira militar. E, sem talvez algum, estaria agora ganhando bem mais. Aliás, na aposentadoria via empresa privada, essa é a única certeza. O resto é talvez, talvez, talvez.

Talvez viva eu ainda muitos anos, ou talvez não.

Talvez eu tenha ainda tempo para fumar outros tantos charutos quanto os que já fumei, ou talvez não.

Talvez possa ver meus dois últimos filhos encaminhados na vida, ou talvez não.

Talvez eu seja forçado a abdicar de alguns prazeres, ou talvez não.

Talvez eu escreva um livro, ou talvez não.

Mas, enquanto o tempo passa, na quietude de minha chácara, charuto fumegando, vejo que não me arrependo de nada que fiz. Faria tudo novamente.

Por que a vida é assim mesmo. Ou talvez não.


161.    BICO

A notícia, apesar de velha, – saiu na imprensa em 2002 – não deixa de ser interessante. Acho mesmo que a expressiva maioria de meus leitores e fumadores de charutos, dela nem se deu conta. O Ministério da Saúde, desde aquela época, resolveu restringir o uso do bico.  Você está rindo? Pois foi isso mesmo.

Os fabricantes de bicos, mamadeiras e chupetas passaram a ser obrigados a colocar, nos rótulos de seus produtos, advertência segundo a qual, tais antológicos apetrechos infantis, prejudicam a amamentação e que seu uso prolongado pode prejudicar a dentição e a fala da criança.

Faça o Ministério o que melhor entender. Embora eu, na minha experiência de dez filhos, uns que só mamaram e não chuparam bicos, outros que nem mamaram e ficaram com tal penduricalho em suas bocas já crescidos, não tenha visto nenhuma diferença dentária, mamária, da fala, ou outras mais, entre eles.

Mas, até ai, tudo bem. Agora, proibir a propaganda de tais consolos infantis, em qualquer meio de comunicação, eletrônico, escrito, auditivo ou visual, me pareceu um exagero.

Bem, talvez seja por isso que nossos queridos charutos, amigo e consolo dos adultos, também tenham sido lançados na vala comum das coisas sobre as quais o distinto público não pode tomar conhecimento.

Teria sido por eles também terem um bico?


160.    DESFRUTAR A VIDA

Um de meus amigos-leitores, lá das Minas Gerais, por sinal antitabagista daqueles com a letra “R”, de marca registrada, na testa, volta e meia tem a gentileza de me escrever.

Há tempos atrás me noticiou como confesso admirador da maneira como encaro a vida com meus charutos, e me imaginando “envenenado” pelos incontáveis puros que fumo e por mistura-los, exoticamente, com tudo o quanto faço, como e convivo.

Doce veneno! Que sem as doçuras da sacarose, traz as doçuras do tabaco bem curado.

Reconhecer tal propriedade nos charutos não é fácil. Em especial por parte daqueles que ante o simples empunhar um puro apagado, franzem o cenho num contorcionismo facial que a mim, produz cócegas no íntimo. Isso quando calados permanecem.

Mas quando, sem respeito às opções individuais, resolvem fazer a apologia contra o tabaco, o rir íntimo se transforma em manifestado dó, pela incapacidade de não se saberem mortais. E como tal, que o somos, com o direito de desfrutar a vida, cada qual, com o que melhor lhe apraz.


159.    POETANDO

 

Quero manter em mim, esse desejo.

Quero saber de si, se há tal vontade.

Quero me ver na vida, sem ter pejo.

Quero saber de si, se há tal bondade.

 

Quero manter comigo um puro amigo.

Quero para si, também essa vontade.

Quero poder sempre estar consigo.

Quero falar de puros, com lealdade.

 

Amigo meu, qu´eleva os pensamentos.

Amigo seu, no campo e na cidade.

Amigo nosso, nos bons e maus momentos.

Amigo sim, pleno de sinceridade.

 

É o charuto! O grande companheiro.

O puro amigo que satisfaz vontades.

É o charuto! Desfrutado por inteiro.

O bom amigo que nos dá saudades.


158.    COMIDA A QUILO

Volta e meia sou questionado sobre as diferenças entre as bitolas dos charutos de uma mesma marca. Falemos, por exemplo, dos puros Dona Flor. Com tamanhos variados que vão dos Petit Coronas aos Double Coronas, entendo que, ao não iniciado, haveria uma gama de nuances difícil de ser interpretada.

 

Tamanho e peso andam de mãos dadas. Assim, enquanto um Dona Flor Petit pesa algo ao redor de 6 gramas, um Double Corona, chega aos 15 gramas. Analisando-se, pois, sob o prisma do peso a coisa fica mais fácil de ser interpretada.

 

Pense num destes restaurantes da vida, que vendem comida a quilo. Ali, cada comensal põe no seu prato a quantidade de comida que mais lhe apraz. Prazeres gastronômicos à parte, o que determina o “peso” da comida será a “fome” do cliente.

 

Mas há que se complicar um pouco a equação. Uns apreciam as carnes, outros os vegetais, outros há que as massas preferem. E os iniciados nos prazeres da mesa, respeitando os “pesos” de suas fomes, privilegiam os pratos que mais lhes aprazem.

 

Os diversos charutos de uma mesma marca, não variam de forma tão perceptível, quanto variam entre si carnes, vegetais e massas.

 

Por isso se apresentam em distintos comprimentos/diâmetros, como forma de além de satisfazerem a “fome” orgânica dos fumadores, atenderem também suas exigências de tempo, de visão, de tato e de experiência.

 

A um iniciado na arte e no prazer de fumar, os Dona Flor Petit Coronas, via de regra, não satisfazem. A não ser que a “fome” seja muita e o “tempo” seja pouco. Charutos de pequeno diâmetro como o citado, tendem a aquecer a fumaça em demasia. E se formos com muita sede ao pote, conturbaremos o paladar. Isso não significa que sejam ruins. Significa apenas que refletem o doce aroma do tabaco, de forma diferenciada. Que não é a melhor, entendo eu.

 

Os que “sabem das coisas” – aprendidas no fumar do dia a dia – fogem das comidas a quilo. Eu me satisfaço, quase sempre, com os 12 gramas dos meus preferidos Robustos.


157.    OVELHAS NEGRAS

Sabe-se ser difícil, quase impossível, que mesmo nas melhores famílias, não haja uma ou outra “ovelha negra”, aquele membro que foge dos perfis comportamentais estatuídos. O futuro, ao nascimento, é imprevisível. Homem feito, a criança esperança de ontem, se transforma em fonte de desencantos para que os cercam. Mas, é da família. Requer, pois, compreensão e paciência para com ela. E o fato de no seio familiar haver uma “ovelha negra” não significa que devamos voltar-lhe as costas.

Com as grandes marcas de charutos as coisas são, também, mais ou menos assim. Não raro, naquela determinada marca que preferimos, encontramos um charuto que foge aos padrões aos quais nos acostumamos. Ora é uma queima irregular, ora uma má combustibilidade, ora um “amargor” desagradável, ora um aroma estranho, ora um sem-sabor decepcionante, ora uma impossibilidade absoluta de aspira-lo, e por aí vai.

E, a depender de nosso estado de espírito no momento – componente importantíssimo quando interagimos com os charutos – somos, muitas vezes, pela natural incompreensão humana, levados a condenar a marca como um todo.

Não há no mundo, uma família de puros sequer, na qual vez ou outra, não nasçam ovelhas negras.

Produtos da natureza, os charutos são sujeitos às próprias imperfeições da mesma. Ora poderá ser uma folha de fumo indesejada que entrou na “liga”, outra é outra folha mal curada que comprometerá a “queima”, ora foi a charuteira, em dias de maior umidade quando a sensibilidade táctil fica prejudicada, que comprimiu por demais a “torcida”, ora o controle de qualidade não se apercebeu de variações maiores no peso, etc. etc.

Portanto, ao se deparar com um charuto fora dos padrões, console-se. Não se apoquente. O ruim existe para saber-se o que é bom. 


156.    BRASÃO PÁTRIO

 

Parece brincadeira! Todos sabemos que o brasão pátrio é representado por um emblema tendo “à destra um ramo de café frutificado e à sinistra, um ramo de fumo florido”. Trata-se de simples símbolos que retratam a importância de tais culturas, ao momento em que foram escolhidos como tal.

 

História é história. Pois não é que a sanha antitabagista está querendo, há algum tempo, modificar nosso brasão, substituindo o ramo de fumo florido por outra alegoria?

 

É, meus amigos! A coisa é mais ou menos como, se tentando reescrever a História, mandássemos apagar em nossos livros, o tráfico de escravos, causador de milhões de deserdados. Algo está incomodando? Risquemos os respectivos registros de nossa memória. Melhor ainda, proponha-se que desenvolvamos um projeto de retorno dos nossos amoráveis negros às suas terras de origem.

 

Isto não me parece sério! Uns estão querendo colocar, no lugar do fumo, o guaraná. Outros, a cana de açúcar. Deveria-se, então, promover um processo de consulta popular, via 0800. Eu votaria na cana. Afinal, a “cana”, mais no futuro, quando resolverem cerrar fileiras contra o álcool poderia vir a ser alterada.

 

Por quê, me indaga meu charuto-companheiro, já que estamos em fase de mudanças, também não se propõe substituir o amarelo do nosso lábaro estrelado, pelo vermelho? Razões não faltariam. O vermelho, além de ser a cor política da moda,  é uma das cores mais presentes em bandeiras do mundo inteiro. E, de quebra, combinada com o verde, nos colocaria mais próximos de nossas origens lusitanas.

 

Eu e meus charutos estamos revoltados com tanta insensatez. Será que temos que nos envergonhar de nossas origens e de nossa História? Será que deletando os registros que incomodam aos puristas, tudo se resolveria?

 

Gente! Haja insensibilidade! Para não dizer ignorância.

 

Vocês, leitores e amigos da arte do prazer de fumar, por favor, não deixem de protestar junto a seus respectivos deputados federais. Caso contrário, amanhã ou depois, já que temos um grande plantel de gado, o capim brachiária, se não for um par de chifres, vai acabar aparecendo no brasão pátrio.


155.    ADEUS, LINO!

Depois que meu grande amigo, o galego bom de prosa Lino Bouzas, aos 69 anos, veio a morrer no Dia de Reis deste 2005, a parte passatempo de minha vida não foi mais a mesma. De Lino eu já falara em crônicas anteriores. Era o proprietário da Pousada do Centenário, antológico refúgio são-gonçalense no qual, por muito tempo, nos reuníamos para jogar baralho e conversa fora.

A morte de Lino não foi surpresa para tantos quantos – e poucos – que desfrutavam sua cotidiana companhia. Era anunciada há algum tempo. Deixou-se ele, gradativamente, imergir no alcoolismo, alimentando-se mal, abandonando os charutos, desatencioso com os clientes e consumindo dezenas de cigarros diários.

Conselheiro para todos, era um péssimo conselheiro para si mesmo. Vítima de longas e costumeiras crises depressivas automedicava-se. Rebelde a mais não poder, não aceitava ponderações dos amigos. Revidava com palavrões impublicáveis. No fundo, no fundo, um suicida em potencial, revelava por suas predileções, o desejo de abandonar a vida. Antes que a mesma o abandonasse. E assim o foi, deixando-me órfão de uma amizade de quatro décadas. Amizade que datava de muitos anos antes dele e eu, coincidentemente, havermos escolhido São Gonçalo dos Campos para viver (?).

Morando sozinho, por força de enlaces mal resolvidos, tinha a Pousada do Centenário, como a sua casa. A ponto de vezes muitas afirmar que “não gostava de casa cheia”. Deixava-se ficar, horas a fio, sempre na mesma mesa da varanda daquela casa, incontáveis doses de uísque, pontuando triplicimente suas palavras,  com o dedo médio da mão direita. Hoje, ao olhar tal mesa, recordo os versos Sérgio Bittencourt homenageando seu pai, Jacó do Bandolim: naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim.

Seu corpo cremado desfez-se em cinzas alvas, como as cinzas do charuto que agora fumo, espalhadas na área verde da Pousada. Lugar que tanto amara em vida. Eu e seus fraternos amigos,  não mais tivemos prazer algum em lá estar para nos reunirmos e jogar cartas. Como zumbis vagamos pelos bares de São Gonçalo, em busca de outro lugar que seja tão acolhedor, mas que não nos traga tantas saudades.

Adeus, Lino!


154.    ME DÁ CÁ TEU NETO

Depois que meu filho caçula de apenas 4 anos, virou tio-avô, vi mais uma vez que a vida é pródiga em emoções. Elas se fazem presentes no nosso dia a dia e o importante é saber reconhece-las e desfruta-las. Curti-las com a paixão dos amantes; com a devoção dos religiosos; com a sensatez dos equilibrados; com a arte e o prazer dos que aprenderam a fumar charutos.

Paixão, devoção, sensatez, arte e prazer que quantificados em doses certas, combinados com tudo quanto nos envolva, nos pertença ou não, inundam de alegria nossos corações, nos fazendo seres felizes e realizados.

Agora mesmo, ainda sob o impacto da notícia que me transformou em bisavô, sozinho, fumando meu charuto e, furtivamente bebendo meu uísque proibido, – as transgressões são humanas – giro o caleidoscópio da vida e deixo cores e luzes me fazerem ver como o viver é prazeroso.

No Bar Kaskata (outro dos refúgios etílicos de minha cidade), ouvindo um samba de roda cadenciado e admirando a prateada cinza do meu Robusto Mata Fina, me deixo ficar num solitário e indescritível enlevo.

É mais um sábado, dia de feira, desta “minha” São Gonçalo dos Campos. Peço outro uísque. Enamoro-me do meu charuto-companheiro. O burburinho de vozes circunstantes que se entrelaçam, tornando-as incompreensíveis, com a música, formam o pano de fundo deste momento, transformando-o.

Não mais simplesmente estou. Sou. E o sendo, vendo dissipar-se a azulada fumaça do meu puro e me inebriando com a doçura do mel-tabaco, aguardo esperançosamente um outro dia, lá no futuro, quando eu puder dizer, como o fez minha avó para comigo: “Meu neto, me dá cá teu neto”.


153.    BISAVÔ

 

Ainda está viva a emoção do momento. Foi num final de tarde deste último janeiro-verão, seco e inclemente. Eu e alguns amigos, como sempre o fazemos, esperávamos a infalível brisa vespertina que caracteriza as noites de São Gonçalo dos Campos. Sobre a mesa, instalada em nosso “calçadão” central, pródigo em bares, água de coco, cerveja e uísque traduziam a diversidade de gostos.  Eu desfrutava o final do meu charuto das ave-marias.

 

Enquanto baforava e apenas ouvia os interlocutores, fui ao carro buscar outro charuto e dei uma olhadinha no celular que lá ficara, constatando uma chamada não atendida. Isso comigo, é mais ou menos normal. Não tendo me deixado apaixonar por tal comodidade, a esqueço nos mais diversos lugares e ao reencontra-la, lá estão os contatos não atendidos. Aliás, vivendo no interior, o meu celular só serve mesmo para receber telefonemas. Pouco o uso.  Afinal, pensem bem, se aqui na minha cidade se anda de sandálias, de bermudas,  sem lenço e sem documentos,  - até sem dinheiro - para que carregar um celular? Ele, aqui, é coisa para a rapaziada e as meninas, estas que adoram tê-los enfiados nos bolsos traseiros de seus apertados jeans, apertando-os mais ainda. Gostoso de ver. Difícil de entender.

 

Ao olhar o número que me chamara vi ser da área código 31. 31? Indaguei-me. Isso deve ser um dos meus clientes mineiros querendo encomendar charutos. Logo mais, ao chegar em casa, ligarei para ele. E com o novo charuto e o celular na mão, retornei à mesa e à conversa entre amigos.

 

Não se passaram dois minutos e tilinta nova chamada. O mesmo número. Prontamente atendo. Alô vô! Aqui é sua neta Cristiane, estou ligando para lhe dar uma notícia.

 

O coração bate forte. Afinal, embora de forma regular fale, por telefone, com oito dos meus dez filhos que não moram em São Gonçalo, falar com os netos é coisa bem mais rara. E a recíproca, mais ainda. A gente, nessa hora, sempre pensa no pior.

 

Vô! Estou ligando para lhe avisar que o senhor vai ser bisavô! Estou esperando o senhor vir a Belo Horizonte em setembro, quando o nenê vai nascer!

 

Despenquei! Emudeci! Lembrei-me, quando com 37 anos, recebera parecida notícia, também telefônica, informando-me que iria ser avô.

 

O resto não é preciso contar. Finda a ligação, acendi um dos melhores charutos da minha vida e, na companhia dele e dos amigos que lá estavam, ficamos em comemoração até noite avançada.

 

Abraços do amigo e bisavô, sim senhor.


152.    BOM TOM

 

São somente três versos. O primeiro expressando algo permanente; o segundo introduzindo uma novidade e o último, formulando a síntese. Trocadilhando palavras poucas nasce o hai-kai,  poema originário do Japão, conciso, anti-retórico, rápido e rasteiro no qual, ao imergirmos, lendo-o e relendo-o, damos asas à imaginação. Viajamos.

 

Veja este, cujo autor desconheço:

 

Amor cego

Como um morcego

Comum.

 

Na sua eloqüente simplicidade sintetiza e retrata os desatinos da cegueira de certos amores.

 

Ai dos que, na vida, não tenham (man)tido, ao menos, um amor cego. Daqueles que não respeitam barreiras, não ouvem conselhos, enfrentam desafios. Cegamente navegam. Como um morcego comum.

 

E, ao falar de amores, não me refiro só às relações interpessoais. Uns amam o jogo; outros, o trabalho; outros mais a bebida ou a música; outros ainda, como eu, os charutos.

 

Charutos que, evocando o inesquecível Tom Jobim, compositor e emérito fumador de puros, remetem ao início desta crônica, me inspirando este hai-kai:

 

Na boca de Tom

Não era batom.

Era bom tom.


151.    A EXIGÊNCIA DOS CHARUTOS

Estou num sábado. E por que hoje é sábado, meu expediente de aposentado se resume ao ócio criativo, onde o tempo é marcado pelos puros degustados e se esvai nas fumaças nossas de cada dia.

Na pacata vida da cidade-berço de maior fábrica brasileira de charutos no presente, os sábados são o oposto dos dias outros, ditos úteis, do produzir arte e prazer. Nesses a faina fabril, com cadenciado esmero, apalpa os fumos os transformando nos rolinhos objeto de desejo. Aos sábados, na fábrica, tudo cessa. As mulheres-operárias, sem suas fardas, saem cedo às ruas, juntando-se à multicolorida multidão feminina que vai à feira, transformando parte do labor que Você consome ao fumar nossos charutos, em sustento para suas famílias.

Aos sábados a cidade se agita. As poucas e não grandes, casas comerciais sorriem. Mercadores de carnes, de vegetais, de frutas, de farinha, por todos os cantos, rodeados de mulheres que a eles se avizinham, espreitando, apalpando, pechinchando. De lá, cumprida a missão, voltam às suas casas.

Enquanto isso, nos bares, os homens da cidade, indolentemente se deixam ficar, contando incontáveis lorotas regadas por democráticas cervejas.

Aos sábados assim é na nossa pequena São Gonçalo dos Campos. Homens no bar; mulheres no lar. E eu, não escapando à regra socialmente aceita, fujo com meu charuto para o recanto onde reencontro meus velhos companheiros de carteado.

Como agora, quando com meu charuto Dona Flor Robusto aceso, escrevendo enquanto a turma joga, curto o ócio de mais um sábado citadino.

Os charutos são assim mesmo. Nada mais exigem de Você que não seja um aplicado tempo para lhes fazer companhia.


150.    RELÓGIOS

Não vou retroceder ao tempo da ampulheta. Limito-me a relembrar o tempo em que os relógios eram mecânicos, de corda como se chamavam, se constituíam num objeto de luxo, quase inalcançável, pela maioria. Essa via o tempo passar pelo andar do sol ou o ouvia nas monótonas badaladas dos sinos das igrejas. Em tal época os relógios de carrilhões, ou os relógios-cuco, se postavam com destaque em cantos e paredes de salas dos mais abastados. Eram autênticos objetos de decoração, símbolos de status.

Houve até o tempo da Rádio Relógio Federal, a qual anunciava o tempo de minuto a minuto, para os que não podiam ter um relógio em suas casas, ou os que os tivessem, necessitassem acertar as horas.

Depois, o medir do tempo democratizou-se. Digitalizando-se o vê-lo passar no pulso, vulgarizou-se. Os cucos morreram. Os carrilhões enferrujaram. Os relojoeiros sumiram.

Adeus relógios que se usavam no bolso pequeno frontal das calças, chamados de “patacas”, corruptela abrasileirada da marca Pateck Philip. Relógios que presos por uma correntinha, ao fundo se abriam, tendo gravadas na contratampa, homenagens, datas, mil coisas mais. Eram verdadeiros repositórios de emoções.

As horas são anunciadas, agora, em tudo o quanto que nos cerca. Nos enormes relógios digitais ao longo das avenidas, nos telefones celulares, nos painéis dos automóveis, nos pulsos das crianças, nas paredes de todos os aposentos, nos transmissores de rádio, nos computadores, nas emissoras de rádio que as anunciam o tempo todo e por aí afora.

Olhar-se o sol cruzando o zênite, para se imaginar a hora, nem pensar. O tempo, agora, está por todos controlado. Malgrado tudo isto mantenho meus relógios próprios. Meus charutos, por exemplo, medem com precisão o tempo de minhas jornadas. Do amanhecer à hora do descanso do guerreiro, com suas cinzas, me dizem a quantas horas ando. Poderia até acertar meu relógio por elas.

E como é gratificante ver o tempo passar, ocupado ou não, como agora, medindo o tempo pelo esgotar-se do meu charuto.

Por isso, olhe para o seu relógio. Se Você não tiver tempo para bem consumir seu charuto, não o faça. Deixe o tempo passar e, depois, com tempo, mergulhe de corpo e alma na fumaça mágica do seu puro predileto.


É autorizada a reprodução destas crônicas em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk

Hugo Carvalho

E-mail: hugocharutos@uol.com.br

Telefones: (075) 9133 1209 ou 3246 1744

 

 

CRÔNICAS FUMAÇA MÁGICA

CENTENÁRIO

 

ÓRGÃO INFORMATIVO DA AC-AC

ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIO - AMBIENTAL CENTENÁRIO