FUMAÇA MÁGICA 310

São Gonçalo dos Campos/BA

 

ACORDAI, BRASILEIROS

 

HUGO CARVALHO*  

 

N

unca estou só, nem assim me sinto quando, fisicamente ninguém esteja a me fazer companhia. Digo mais, nem quando circunstantes haja. Aprendi a recolher-me a meus pensamentos, desligando-me de tudo e todos. Para me fazer parceria nesta solidão auto exercitada, há muitos anos, trago meu charuto e, quase sempre, meu uísque. Coisas inúteis para muitos, mas que para mim são de ímpar utilidade.

Gosto deles. Gosto de quem gosta deles e sabe apreciá-los de forma comedida. Respeito os que não gostam. Já não posso dizer o mesmo dos que não gostam e patrulham os que gostam. Refiro-me àqueles que usando da máquina pública, mantida por impostos que pagamos eu, os meus charutos e os meus drinques, intentam, quixotescamente e a todo custo, mudar meus usos e meus costumes.

Tanto quanto tais senhores sabem, sei perfeitamente que o fumar e o beber representam riscos. Assumo-os. Mas sei também – e acho que isto eles não sabem, ou não querem saber – que há outros riscos coletivos, muito maiores, contra os quais não se lançam com tal empenho. Empenho puritano que me cheira atitudes politiqueiras.

Se determinada pesquisa revela que uma parte expressiva da população (leiam-se votos) é contrária ao hábito de fumar, vamos então “fazer média” com o eleitorado, como se diz na gíria.

Tais senhores escafedem-se pela tangente trazendo à baila tais secundárias questões, deixando ao largo, outras de real valor coletivo, tais como o crescimento desordenado e a redução das áreas verdes nas cidades, o preto asfalto espichando-se quilômetros afora, impermeabilizando o solo e viabilizando mais e mais automóveis, jogando monóxido de carbono nos narizes da humanidade indefesa.

Não vou falar da segurança pública, pois seria covardia de minha parte.

Onde andam os sistemas de transporte de massa e os metrôs? Salvador, por exemplo, com seus 2,9 milhões de habitantes, no mar brasileiro de 191 milhões de almas, há inúmeros anos intenta um metrô de superfície. Melhor dizendo, um mini-metrô. Será necessário realizar-se uma Copa do Mundo de Futebol para dotar a capital baiana de tal infra-estrutura urbana?

Tudo isto por quê? Porque muitos dos senhores gestores da coisa pública, por incapacidade ou conveniente cegueira na busca de votos fáceis, - vivemos movidos por eleições - deixam de lado a infra-estrutura e passam a atrair as atenções da mídia (leia-se população) para ações espetaculosas, caso da proibição do fumo associado à bebida. Ferem direitos individuais assegurados pela nossa Constituição. Se depender de mim, tais senhores vão acabar levando fumo nas próximas eleições.

Quando não, temos o caso de ações pontuais, como acontece na minha São Gonçalo dos Campos, onde praças e jardins – coisas corriqueiras em governos ambientalistas comprometidos – se convertem em ações de destaque da administração pública. Enquanto isso, fétidas águas servidas escorrem de casas em pleno centro da cidade, ruas afora.

Em meu recolhimento, tristeza e desencanto me invadem. As cortinas de fumaças impostas à opinião pública – por certo, bem maiores que as dos meus charutos – cegam-na, transformando-a em manada dócil, fácil de ser manejada.

Neste berço esplêndido, é claro que há vozes discordantes como a minha. Infelizmente ainda são poucas.

Acordai, brasileiros!


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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São Gonçalo dos Campos