FUMAÇA MÁGICA 306

São Gonçalo dos Campos/BA

 

VOLTO A SER MEU PAI

 

HUGO CARVALHO*  

 

Q

uando da minha infância vivida lá em terras do sul, meu pai corrigia os “gauchismos” do linguajar daqueles tempos. Os tais vícios de linguagem. 

- Não se pronuncia “mans” e sim, “mas”. – dizia ele.

- Que negócio é esse de “armanzém”? O certo é “armazém”, guri – reclamava.

- Onde aprendestes a dizer “muinto”? A pronúncia correta é “muito” – eu ouvia toda hora.

E assim as correções se estendiam por outras tantas e tantas palavras, mal pronunciadas, na pureza dos meus primeiros anos.

As marcas do aprendizado ficaram. Creio que por esta razão passei a nutrir certa mania de perfeição no trato do falar e do escrever, melhor dizendo, do palavrear. Tanto que ajo de igual forma com meus dois filhos “fins de rama”. Felicito-me e alegro-me sempre que eles incorporam novas palavras, bem pronunciadas, nos seus vocabulários em formação.

Outro hábito que o velho não perdoava era falar-se em voz alta.

- Não grite, menino! – esperneava sempre.

Eu hoje, embora minha fonoaudióloga haja diagnosticado pequena perda da audição, fruto da própria idade, também padeço com pessoas falando alto ao meu redor.

Parece que foi castigo.

Cá, na minha querida São Gonçalo dos Campos da Bahia, lugar que o destino reservou para o viajar da velhice, é habitual falar alto, rir alto, ouvir música alto.Tenho indagado a meu charuto-conselheiro quais as origens de tais comportamentos.

Quanto à música eu até compreendo. De tal fenômeno tratei em crônica anterior. Os trios elétricos, com seus estrondosos decibéis, devem ter imposto o costume. As pessoas deixaram de ouvir música para si mesmas e passaram a sonorizar para os outros viventes. Viventes que, compulsoriamente, se transformam em ouvintes dos gostos musicais de terceiros.

Quanto a falar em brados estridentes, - o que meu pai classificava como falta de educação – meu charuto me disse ser uma questão cultural e que não devo ser tão exigente e rigoroso.

Aprendi a me divertir quando duas pessoas - cá todas se conhecem - se encontram vindo por direções e passeios opostos. Metros e metros antes de se cruzarem, lá estão elas se manifestando entre si, e prosseguem seguindo em frente, falando, falando e virando suas cabeças, após uma já haver passada pela outra. Claro que, para tanto, haja pulmões!

Nos bares da vida é a mesma coisa. Todo mundo se quiser e sem esforço, pode escutar conversas alheias. E se, em tal cenário, acrescentarmos as músicas simultâneas, vindas de variadas fontes, altíssimas, fácil imaginar o quase pandemônio.

Meus meninos “sofrem”, vez que por força dos exemplos vistos no dia a dia, também se acostumaram a falar em tom acima do “normal”.

Corrijo-os o tempo todo.

Volto a ser meu pai.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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