FUMAÇA MÁGICA 305

São Gonçalo dos Campos/BA

 

CHEGAREMOS LÁ

 

HUGO CARVALHO*  

 

A

praça tem sido para mim o centro vital onde pulsam minhas elucubrações. Nela farejo a consciência, convertendo meus pensares em textos. Por mais gente que haja, uns jogando dominó, outros mais, aposentados na indolência imposta pelos anos, passantes em passos arrastados após um dia de trabalho, outros bebericando, nada, nada disto desvia minha concentração. Só me inspira, motiva e completa.

Isso a propósito de, por estar desligado das circunstâncias, volta e meia, amigos do ver, no vai e vem do dia a dia, reclamarem magoados por haver cruzado por eles e não tê-los cumprimentado. É que, com o alheamento ao qual me imponho, cogitando no escrever, vejo sem ver, escuto sem escutar. O mundo onde meu espírito mergulha torna-se maior que o mundo exterior. Fico cego e surdo, como agora me estou a apreciar meu charuto e a rabiscar estas mal traçadas.

Assim, introspectivo, recordo o modo de se praticar política em muitas cidades interioranas. Faz-se política com a merenda, com o leite das crianças, com o transporte escolar, com a bolsa-família. Já presenciei casos de ser negado fornecimento de leite e merenda a instituições educacionais filantrópicas, por seus dirigentes terem adotado direção oposta à do prefeito de plantão. Testemunhei caso de um vereador tentar negar o serviço de transporte escolar a um estudante, por seus pais não terem votado nele. Há credenciamentos aos benefícios da bolsa-família não tendo em conta o real perfil sócio-econômico dos solicitantes. Se tiverem marchado contra o gestor eleito, seus cartões perigam nunca chegar. Se forem correligionários, fecham-se os olhos até para o fato de terem filhos estudando em escolas privadas, e não na rede pública. Para tanto existe uma desculpa esfarrapada. Se forem inquiridos por uma fiscalização (como fiscalizar milhões de bolsas-família?) responderão que “é o padrinho da criança quem paga as mensalidades”.

Assim, navegando neste mar de injustiças e engodos, vemos a máquina pública ser irresponsavelmente usada com propósitos eleitoreiros e não políticos, no bom sentido do termo. E o que mais dói nisto tudo, é ver que a maioria da população pobre e dependente das benesses públicas, temendo sabidas represálias, aquieta-se docilmente e ainda por cima, vota nos homens. E estes vão deitando e rolando, aperfeiçoando, sempre mais, seus maquiavélicos modos de governar.

Falando em represálias recordo fato acontecido comigo, há muitos anos. Combatia o bom combate num programa radiofônico. Adversários não tendo como me atingir, emporcalharam com fezes a maçaneta da porta do meu carro. Sem comentários.

Tais desencantos, que meu charuto-companheiro faz afluírem, são compensados por saber que há uma minoria consciente que não entrega os pontos, que não se deixa corromper e que luta, cada qual a seu modo, por uma radical e drástica mudança de comportamentos.

Por isso, penso que nem tudo está perdido. Um dia chegaremos lá!


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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