FUMAÇA MÁGICA 302

São Gonçalo dos Campos/BA

 

HÍFENS

 

HUGO CARVALHO*  

 

N

ão é muito fácil transformar em texto palatável, gostoso de ler, as frias normas impostas por decreto. Mesmo assim, tal como procedi em artigo anterior ao tratar dos acentos banidos da escrita da língua pátria, busco inspiração no meu charuto-companheiro para intentar falar-lhes de nosso velho amigo hífen, o popular “tracinho”.

Vamos por partes.

“A micro-história que tratava do ultra-heróico, apesar de anti-higiênico, super-homem exigia um esforço sobre-humano para entende-la”.

Algo em comum com as palavras sublinhadas? Regrinha nº 1. Todos os prefixos seguidos com palavras iniciadas com a letra “H” exigem hífen. Ah! Mas há uma exceção. Se o esforço para entender tal micro-história não estivesse acima da capacidade humana de entendimento (sobre-humano) e sim, abaixo, a grafia não será sub-humano e sim subumano.

Vamos a outro texto.

“Os pré-primários e recém-chegados sem-terras, vindos de além-mar, antes de montarem suas barracas aquém-muros da universidade, tentaram falar com o ex-presidente, agora vice-presidente pós-graduado e pró-reitor, sem sucesso algum”.

Regrinha nº 2. Os nove prefixos citados (para facilitar lembre-se que também são nove os países de língua portuguesa): pré, recém, sem, além, aquém, ex, vice, pós e pró, sempre exigem hífen. Sem exceções, felizmente.

Agora, meus amigos, “tendo auto-observado meus sintomas, deixem-me tomar em contra-ataque à gripe que me acometeu, o anti-inflamatório que está na cozinha, sobre o micro-ondas”. Dá para perceber algo em comum nas palavras sublinhadas? Mataram a charada? Fácil, não?  - Regrinha nº 3. Prefixos terminados em vogal seguidos de palavras começadas com a mesma vogal, sempre exigem o hífen. Eu disse sempre? Perdoem-me, mas para complicar, há uma exceção. Não se usa hífen quando o prefixo “CO” se acopla com uma palavra iniciada com a vogal “O”. É o caso de coordenar e coobrigar. Entendido?

Já a regrinha nº 4, em vez de tratar de vogais iguais, trata de consoantes iguais, isto é, prefixos terminados em consoantes, seguidos de palavras iniciadas com a mesma consoante, também impõem o uso do hífen. Exemplos? Hiper-rico, super-romântico, super-resistente, inter-racial.

E para hifenizar nossa escrita (e infernizar nossa vida), temos a regrinha nº 5 tratando dos sufixos de origem tupi-guarani, quais sejam, açu, guaçu e mirim, que sempre exigirão o hífen. Casos de Mogi-guaçu, araçá-mirim e capim-açu.

Bem, vimos até aqui as cinco regras que impõem o hífen. Falemos agora das rejeições do dito cujo. Usá-los, nos casos abaixo, estará indo de encontro à grafia culturalmente correta, assim como se eu saboreasse meus charutos, em locais não apropriados, seria politicamente errado.

Regrinha nº 1. Prefixos terminados em vogal diferente da vogal com que se inicia o segundo elemento, rejeitam o “tracinho”. Escreve-se, portanto: aeroespacial, agroindústria, autoescola, coautor, plurianual, infraestrutura.

E, para encerrar, a regrinha nº 2 quanto às rejeições. Quando os prefixos terminados em vogal se juntam a palavras iniciadas com as letras “R” ou “S”, duplicam-se tais letras. Isto para garantir a boa pronúncia.

A neossocialista, semirrobusta, ultrarrigorosa e antissocial moça de minissaia, que tomara vacina antirrábica e usava antirrugas, com seu biorritmo alterado e num verdadeiro contrassenso, acionou o infrassom do microssistema da empresa”. Seu computador irá “reclamar” um bocado da nova grafia, sem hífens, de várias palavras sublinhadas. Deixe que reclame. Acostume-se. Assim como minha mulher que sempre reclama dos meus charutos, acostumou-se a eles.

Agora o consolo final. Há prazo bastante para que tudo se ajuste às novas regras. Menos mal. Enquanto isto, se eu for vivo até lá, estarei me esforçando para não escrever “errado”.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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