FUMAÇA MÁGICA 301

São Gonçalo dos Campos/BA

 

ACENTOS AO MAR

 

HUGO CARVALHO*  

 

H

á muitos anos passados – botem anos nisso – tive um cliente de charutos chamado Antônio que, por ser português, detestava receber correspondências nas quais seu nome fosse grafado à moda brasileira, ou seja, com acento. À época não tínhamos ainda computador e na ficha do citado cidadão, constava com letras graúdas: O CLIENTE EXIGE QUE SEU NOME NÃO SEJA ACENTUADO. Mas, isso e nada, eram quase sempre a mesma coisa. O responsável pelo endereçamento das encomendas sempre esquecia do aviso. E lá, dias após, estava seu Antônio telefonando, invariavelmente, espinafrando-nos por havermos colocado um “chapéu” no seu nome.

Pois bem. Malgrado as novas regras de acentuação que visam uniformizar a grafia das palavras do idioma de Camões, entre os nove países que dele se valem, o Antônio tupiniquim continuará sendo diferente do Antonio lusitano. O de Portugal continuará a não usar chapéu o que se me parece mais atual. Afinal, chapéus saíram de moda há muito tempo.

Vamos, por isso, dar um passeio no campo das inovações quanto aos acentos.

O acordo ortográfico firmado entre os povos de Língua Portuguesa, em vigor desde o início de 2009, cá na Pátria Amada vem dando dores de cabeça a quantos se servem da linguagem escrita. Em contrapartida será para a indústria editorial um fantástico filão posto que dicionários, gramáticas, livros escolares, etc. deverão ser revisados e re-editados (agora tem hífen).

Ai dos meus dicionários que tenho guardados, alguns há cinquenta (perdeu o trema) anos. Na virada deste ano tornaram-se referências de “como se escrevia no passado”. E, enquanto não chegam os novos léxicos terei que me conformar, para dirimir dúvidas, em consultar as inovadas regrinhas, vigiando sempre suas honrosas exceções. Ah! As exceções! Que seria delas se não fossem as regras?

Não, não falo das letras K, W e Y que voltaram a constar do nosso alfabeto. Isso, tiro de letra, pois no primeiro que me ensinaram elas lá estavam. Além do mais, as ditas nunca deixaram de existir. Se duvidarem, por favor, consultem qualquer dicionário, de qualquer época. Nos ditos as três letrinhas sempre comparecem como iniciais de muitas palavras. Feliz deve estar meu velho amigo Walter Cid, que vive lá pelas bandas de Belém do Pará, ao saber que o “arcaico” W do seu nome, voltou a ser incluído em nosso alfabeto.

Hoje vou falar dos acentos que perderam seus assentos à mesa do nosso vernáculo.

O tal do trema foi deletado de vez. Portanto, se o seu computador insistir em colocar um trema na linguiça do seu churrasco, não trema, fique tranquilo (perdeu o trema).Tecle “Crtl+Z” e o trema sumirá.

Também, como o chapéu saiu de moda há muito tempo, tiraram o dito do ditongo “ôo”. Assim o “vôo da ave” virou “voo da ave” e, ao abençoar meu filho, agora, abençoo e não mais abençôo.

Da mesma forma os tais acentos diferenciais foram-se ao mar ou para o espaço, como queiram. Assim quando eu escrever a palavra “pelo”, você terá que deduzir, pelo sentido da frase, se estarei me referindo ao “pelo” de “pelo amor de Deus”, ao “pelo” de “me pelo de medo de escrever errado” ou, ainda, ao “pelo” de “pelo do meu cachorro”. Fácil, não? Afinal tal regrinha tem apenas uma exceção. O “pôde” do verbo “pôr”, por educação, continuará usando seu chapéu para diferenciar-se do “pode” do mesmo verbo. Pode? Não me indague a razão disso. Deve ser para confirmar a regra.

Bem, já andamos um bocado, mas vamos em frente. Da mesma forma que o ditongo “ôo” deixou de usar chapéu, coisa que perdoo (sem chapéu), tirou-se o circunflexo do hiato “êem”. Agora se escreve creem, veem, deem, releem.

Já os ditongos abertos “éi” e “ói” perderam o acento agudo nas palavras paroxítonas (aquelas que têm o acento agudo na penúltima sílaba). Não sei se foi uma boa ideia (sem acento), mas a popular “51” irá ter que corrigir seus anúncios gráficos. Porém, prestem atenção! A regra não se aplica às palavras de uma só sílaba e nada dói, por exemplo, ter que me lembrar disto, ou às palavras cuja sílaba tônica seja a última – as ditas oxítonas – as quais continuarão sendo acentuadas. Exemplos? Veja no texto a seguir. No dia em que o asteroide apareceu no céu da Coreia realizou-se a assembleia para a plateia europeia. Foi uma paranoia quando apareceu uma inesperada jiboia. Paranoia, digo eu agora. Não vai ser fácil a gente se acostumar.

E, para encerrar por hoje, falando dos acentos, mais duas norminhas.  

O acento agudo o “u” tônico dos verbos apaziguar, averiguar, arguir, também foi eliminado. Agora se escreve: apazigue, averigue, arguem. O mesmo acontece com o “i” e o “u” antecedidos de ditongo. Assim, a “feiúra” antes sempre acentuada, embora continue significando algo nada belo, passou a ser feiura.

Como viram, neste navegar nas novas regras da acentuação, os acentos foram jogados ao mar. E viva a “última flor do Lácio, inculta e bela” (primeiro verso de um famoso poema de Olavo Bilac). Voltarei ao tema tratando dos hífens, os famigerados “tracinhos”.

Agora vou comemorar meu charuto, pois este texto, apesar de trabalhoso, meu deu um prazer danado.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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