FUMAÇA MÁGICA 298

São Gonçalo dos Campos/BA

 

BURBURINHO

 

HUGO CARVALHO* 

 

É

 quase noite de uma sexta-feira. Dia da semana em que fervilha o calçadão da Praça Cazuza Machado, o mais importante “point” da minha São Gonçalo dos Campos da Bahia.

Aposto-me à minha mesa estratégica e predileta do bar Toca dos Amigos. Aqui, aliás, quase diariamente me entoco nos finais de tarde. Para, enquanto não chega algum amigo apreciador dos prazeres etílicos, dar-me ao prazer de escrever, fumando meu charuto ao ar livre, em meio ao burburinho do ambiente.

E, nas sextas-feiras tudo vai bem, no máximo até as vinte horas. Depois, começam a encostar mais e mais carros, com potentes sons instalados, cujos exibicionistas proprietários, curtem especial satisfação em ligar o volume nas alturas. Impõem aos outros, os seus gostos musicais, gostos sobre os quais dispenso comentários.

Agora então, quando a renda da população da base da pirâmide social tem, justamente, se elevado, acessando-lhes aparelhos de som custosos, estar em público tem se tornado um exercício de paciência quase insuportável.

Quem conhece a Bahia, bem conhece o fenômeno dos trios elétricos. Decibéis desrespeitando a capacidade humana auditiva parecendo desejar que o mundo todo os escute. Fizeram escola. Cada carro que aporta nas noites das sextas-feiras, aqui no calçadão da Cazuza Machado, é um verdadeiro minitrio-elétrico. As músicas tocadas se cruzam e se misturam, de leste a oeste, infernizando aqueles que apreciam o papo amigo e o bom sossego.

Converto-me em peixe fora da água. Mas, como a vida me ensinou a ser anfíbio, desligo os ouvidos. Deixo o barco correr e continuo fazendo crescer a cinza do meu charuto, casando tudo com o inaudível tilintar do gelo de meu uísque se desfazendo em água.

Menos mal que, até agora, ninguém chegou à minha mesa interrompendo o prazeroso (?) momento que me instigou este relato.

A praça se agita. Atestado que muitos da minha cidade apreciam o confuso burburinho. Ou – me indago – será que já se conformaram com tal estado de coisas?

Meu charuto terminou. Vou-me embora.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

E-mail: hugocharutos@uol.com.br

Telefones: (75) 9141 2871 ou 3246 1744  

Via Skype: hbcarvalho


São Gonçalo dos Campos