FUMAÇA MÁGICA 296

São Gonçalo dos Campos/BA

 

PAZ DE ITAPEMA

 

HUGO CARVALHO*

 

  

É

 verdade. Nada é perfeito. A coleta do lixo doméstico deixa a desejar nos becos estreitos que, com as casas de Itapema - recanto da Baia de Todos os Santos - formam uma composição urbana quase medieval.

As poucas terras daquela fracionada fazenda à beira-mar, dividiram-se e subdividiram-se em pequenas porções sobre as quais no lugar das antigas e simples casas de telhas vãs e pisos cimentados, que já tiveram telhados de palha, começam a brotar construções de padrão arquitetônico indefinido, algumas de caráter duvidoso. Quase todas que, ávidas em desfrutar da brisa e da privilegiada vista marinha por sobre os telhados vizinhos, crescem na vertical, espreitando indiscretamente os mini-quintais adjacentes.

E agora, quando me comprazo com a companhia de meu charuto, à sombra amiga de uma grumixameira (árvore da família das Mirtáceas – “Eugenia brasiliensis”, conhecida vulgarmente por “grumixama”, o nome do seu fruto e confundida, muitas vezes, com o Jamelão, árvore da mesma família, identificada botanicamente como “Eugenia  jambolana”), como eu dizia, à sombra amiga de tal árvore, meu coração dispensa o marca-passo que há dois anos o regula. Tudo se apazigua. Os sentidos se aguçam me fazendo ver coisas que normalmente não vejo.

Não, não falo da crescente cinza do meu charuto, desafio ao qual sempre me imponho e que fascina os não iniciados. Reclamo dos meus dois guris que, ali em frente com um grupo juvenil, volta e meia acodem à minha mesa, em busca de um copo de água, interrompendo minhas prazerosas idéias solitárias. Falo do encanto de tudo que, iluminado pelo brilhante sol de Itapema, faz deste lugar uma ilha de sossego. Sossego para meditar e escrever, volta e meia também interrompido por nativos e veranistas de cabelos tão grisalhos quanto os meus e que, como eu, às suas individuais maneiras, curtem estes inefáveis (que não se podem exprimir com palavras, indizíveis) instantes.

Tanto que ao apreciar meus dois filhos extemporâneos (aquilo que está ou vem fora do tempo certo) jogando bola em meio a outros tantos do mesmo tope (tamanho), sinto-me como se eu eles fosse. No vigor de uma vida pela frente.

Como canta Nelson Gonçalves que agora escuto, “meu pranto é meu amigo e minha fé não cansa” e é verdade, pois a fé da gente, nunca tira férias. Ela, quanto mais o tempo passa, mais jovem fica. Permite sempre uma “porção de sonhos venturosos”. Entre eles o de poder voltar, nos próximos verões, a desfrutar da paz de Itapema.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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