FUMAÇA MÁGICA 295

São Gonçalo dos Campos/BA

 

FOI BOM

 

HUGO CARVALHO*

 

M

eus ancestrais maternos, filhos de Garopaba, litoral catarinense, eram gente do mar. Dedicavam-se à pesca da baleia. Naqueles tempos a cultura puramente extrativa não atormentava todos quantos que, como eles, faziam das águas a fonte do seu sustento.

Garopaba e seu entorno, nos dias presentes, é o santuário brasileiro da baleia-franca (um dos maiores mamíferos existentes; corpo totalmente negro revestido por notável camada de gordura; tal nome é oriundo da sua docilidade o que a tornava a mais fácil de matar).

Mas, na primeira década do século 20, minha avó, ainda menina, brincava no topo de uma elevação às margens da baia-santuário à qual chamavam de Vigia, vigiando a entrada das baleias. Ao primeiro esguicho denunciador da chegada dos cetáceos (ordem de mamíferos marinhos, a que pertence a baleia), descia o morro correndo, para avisar a boa nova aos pescadores. E lá se iam eles com armas e bagagens, arpoarem os indefesos animais.

Agora, um século depois, na tranqüilidade de Itapema, antiga vila de pescadores ao fundo da Baia de Todos os Santos e enquanto desfruto meu charuto, me acodem reminiscências de tais fatos contados por minha avó.

Anos após, dado a crescente escassez de baleias oriunda da captura predatória, muitos pescadores catarinenses voltaram seus olhos para a cidade-porto de Rio Grande, lá no finzinho do mapa do Brasil, cujo mar se tornara propício à pesca de tainhas, devido à construção de um molhe (paredão construído sobre o mar para quebrar a impetuosidade das ondas).

Dos resultados de tal migração ainda lembro. Corriam os finais dos anos 40, inícios dos anos 50. Nosso passadio (alimentação diária) era a base dos frutos do mar. E, maravilha das maravilhas, inexistindo as preocupações quanto à preservação das espécies, não havia o período de suspensão da pesca, agora conhecido como defeso. Dava-se então ao luxo, ora crime ambiental, de termos à mesa, travessas cheias de ovas (ovários dos peixes) de tainha empanadas. Um autêntico caviar brasileiro comido a mancheia (a porção de coisas que a mão pode abranger).

E já que estou falando de coisas que já se foram – quem as viveu, viveu; quem não as viveu não as viverá jamais – lembro-me também das brandas, macias e inigualáveis carnes de vitelo. Chama-se vitelo ao novilho com menos de um ano, mas naqueles tempos, chamávamos vitelo ao bezerro não nascido, ao feto da vaca. À época, vacas prestes a parir eram abatidas numa insensatez que, por ser inconsciente, não guardava remorsos. Muito ao contrário. Os churrascos com carnes daqueles vitelos desmanchavam-se em sabores consentidos os quais, com água na boca, agora evoco.

Tão saborosas como este momento de saudades e como meu charuto quando se desfaz em fumaça e cinzas.

Cada momento daquele passado distante poderá ter sido politicamente incorreto. Mas que foi bom, foi!


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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