FUMAÇA MÁGICA 292

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

TAMBORES DO SUL

 

HUGO CARVALHO*

 

U

ma ótica destorcida nos leva a pensar ser a Bahia um estado de negritude explícita ao revés do Rio Grande do Sul, que seria, aos desavisados olhos forasteiros, branco, germânico ou italiano, de olhos claros e cabelos louros.

Eu mesmo, gaúcho de nascimento e habitante do negro recôncavo baiano, há incontáveis anos, convivi com a propagada distinção sem aperceber-me que, como reza o dito popular, as aparências enganam. Os escravos vindos da África deixaram legados em todo o Brasil. Aqui na Bahia dos Orixás, os atabaques, a capoeira e a culinária, são pontas visíveis do enorme iceberg cultural que viajou a bordo dos navios infames. Mas poucos conhecem a herança deixada pelos negros, trazidos para trabalharem nas charqueadas, na região de Pelotas, no pampa gaúcho.

Pelotas, famosa pela beleza de suas mulheres, que nos deu a primeira Miss Brasil (Iolanda Pereira, 1930), nos legou também o “sopapo”, um tambor afro-gaúcho, feito originalmente com casca de árvore e couro de cavalo, inventado pelos escravos de então. Foi o “sopapo”, instrumento de som grave comparável às batidas cardíacas, que conferiu uma sonoridade própria ao samba do Rio Grande do Sul, distinguindo-o do samba do Rio de Janeiro.

E os gaúchos, bandeirantes de causas muitas, exportadores de usos e costumes típicos e consagrados, agora também, num eloqüente arroubo probatório da sua pluralidade cultural, estiveram na Bahia, comprovando que a cultura afro-brasileira longe está de ser uma exclusividade da Boa Terra. O projeto cultural “Giamarê, Odara: Tambores do Sul” que mistura canto, dança, poesia e percussão, tudo norteado pelo mais legítimo instrumento da região sul gaúcha, o sopapo, estreou nacionalmente em Salvador.

Quanto a mim que já anotara no passado, haverem os sul-rio-grandenses produzido charutos na cidade de Rio Grande, dou-me conta agora, com alegria, de mais este elo cultural a unir baianos e gaúchos.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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