FUMAÇA MÁGICA 291

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

O APARECIDO

 

HUGO CARVALHO*

 

E

le foi chegando de mansinho. Ao início, quase desapercebido por todos quantos são fiéis usuários daquele local de idas e vindas, deixou-se ficar, nada fazendo, ora encostado ao balcão dos muitos e apressados passantes, ora sentado ao redor de uma das mesas que compõem a infra-estrutura das rodadas de bate-papo descompromissado daquele sem rival recanto são-gonçalense. Meu charuto, curioso companheiro das minhas jornadas, quis saber da vida do aparecido. Santíssima curiosidade.

Filho da terra, vivera por anos vários, vida de motorista e estradeiro, lá pelas bandas do Amazonas. Voltara recente, saudoso e padecente do mal que mais aflige o povo brasileiro: o desemprego. Ninguém suporta viver ao léu, sem garantida fonte de sustento, longe de sua terra natal.  Assim, fez-se à estrada, voltou à sua terra. E aqui fez da estação rodoviária, o mais madrugador dos pontos citadinos, seu ponto de estada e de partida para nova vida.

Os habituais freqüentadores, motoristas e cobradores por força de profissão, viajantes por força do percurso, moradores do entorno por força de hábito, idosos aposentados jogadores de dominó, dominam o ambiente e disputam as notícias que se alternam entre um rádio e uma TV sempre ligados. E o aparecido, de todos foi se fazendo amigo, convertendo-se numa das figurinhas carimbadas do local.

Certo dia aparece com caixa contendo uns quantos DVDs piratas e um televisor usado. Consegue uma mesa emprestada, espalhando sobre a dita aquela meia-dúzia de DVDs, em sua maioria clips de músicas de artistas baianos e sertanejos. Uns poucos outros, eróticos, mal escondidos, por uma certa autocensura. E, sem se preocupar com os inoportunos decibéis que molestavam os viventes da área, guiando-se simplesmente por suas preferências musicais, lá se foi ele, dia a dia, fazendo freguesia.

À pequena mesa inicial, agora, acoplaram-se outros tabuleiros formando área apreciável. Gentes de outros pontos da cidade vêm procurá-lo com variadas encomendas. Eu, pouco dado, reconheço, a assuntos de ouvidos – sou mais dos olhos – fui dos que gentilmente protestou, conseguindo sucesso, quanto ao volume do som apreciado pelo novo integrante da economia informal municipal. E, tenho observado que, malgrado a variada parafernália musical, ele – o aparecido – nutre indisfarçado gosto pelo samba de roda. Inúmeras vezes, nas minhas diárias estadas na rodoviária, naquele cenário, torno a ver o show folclórico da Vila São José, da Fazenda de Tamburui, de Ipuaçu.

Povo simples, gente campesina, à tela, arrastando sandálias, frente às suas casinhas ainda mais simples, dançando uma das mais características manifestações do Recôncavo Baiano. O samba de roda. E, foi assim, graças ao gosto musical do aparecido que tomei conhecimento de quanta coisa boa local e desconhecida, como os charutos, temos por aqui, e de quantos anônimos ainda se dedicam em manter vivas nossas raízes.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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São Gonçalo dos Campos