FUMAÇA MÁGICA 273

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

O CERTO E O ERRADO

 

HUGO CARVALHO*

 

Se Você parar para pensar sobre qual seria a cor representada pela expressão “cor de burro quando foge”, verá que, no fundo, a frase não faz sentido. Afinal, burros quando fogem, não mudam de cor. A verdade é que, sendo a língua um organismo vivo, de forma quase automática, vamos suprimindo letras, acoplando palavras, vezes muitas a ponto de se mudar o sentido inicial das locuções. Foi o que aconteceu com a expressão original “corro de burro quando foge”. Por ser bem mais fácil dizer-se “cor de burro” do que “corro de burro”, dá para entender do por quê da atual expressão consagrada pelo uso. Mas, não foi só com os burros que promovemos mudanças.

Quem não se lembra do ingênuo versinho “batatinha quando nasce, esparrama pelo chão”, prelúdio de “a menina que namora põe a mão no coração?” Pois bem, embora as batatinhas ao brotarem se esparramem pelo terreiro, muito mais claro seria se, como originalmente foi concebido, a forma verbal “esparrama” voltasse a ser “espalha a rama”. Vamos conferir? “Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão”. Não ficou perfeito?

E, já que estamos no campo das (im)perfeições, às vezes uma alteração dá certo. Diria até que, no popular, tenha ficado bem melhor do que na redação clássica. É o caso do adágio “Quem tem boca vaia Roma”. Veja que aí está expresso o verbo vaiar, cunhado numa frase usada pelos antigos opositores do império romano. Hoje seria alguma coisa, mais ou menos, tipo “Quem tem boca vaia Brasília”.  Mas, tendo Roma perdido sua hegemonia, nada mal que o vulgo tenha resolvido substituir “vaia”, pelas palavras “vai a”, o que no fundo, traduz uma inequívoca verdade.

E como quem tem boca vai a Roma ou a Brasília, no meio do caminho poderá se deparar com alguém que seja “cuspido e escarrado a cara do pai”. Outra besteira institucionalizada. Na verdade há um mármore famoso, oriundo da cidade de Carrara, na Itália, muito usado para esculpir estátuas. O certo, portanto, da frase que revela identidade entre pai e filho seria “é a cara do pai, esculpida em Carrara”.

Não pretendo com tais registros firmar posições sobre o que seja certo ou errado. Já vi até, gente declarar que vai caçar com a ajuda de um gato. Está aí, para não dizerem que minto, o usadíssimo bordão “quem não tem cão, caça com gato”. Será mesmo? Alguém já tentou caçar com um gato? Ou será que a forma correta seria “quem não tem cão, caça como o gato”. Ficou no ar? Pois é, quem não tem cão, vai à caça como o gato, ou seja, sozinho. Caça, da mesma forma que eu fumei meu charuto enquanto produzi a este texto. Sozinho.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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