FUMAÇA MÁGICA 272

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

PVC

 

HUGO CARVALHO*

 

Não faz muito tempo. Ao acordar, automático gesto antes de tudo o mais, apertei as vistas em direção ao rádio-relógio, tentando saber as horas. Ainda não aprendi que de nada adianta tal esforço, apesar dos enormes números luminosamente vermelhos. A claridade que brota das clarabóias dos janelões ao lado de minha cama, contribui mais ainda para o ofuscamento da visão.

Apalpo então a mesinha de cabeceira, em busca dos meus inseparáveis óculos. Postos os ditos, fui invadido por uma sensação de que não eram os meus, pareciam ter lentes muito mais fortes. Perguntei-me - quem afinal teria feito a troca? Conferi e nada fora trocado. Mas a sensação de “mundo rodando” permanecia, obrigando-me a retirar os óculos. Fechei os olhos e reclinei a cabeça. O mundo continuava dando voltas, na velocidade equivalente ao resultado da ingestão de uns dois litros de uísque. Tentei levantar-me. Qual nada. Nem sentia as pernas, bambas que estavam de fazer inveja a um passista do sambódromo.

Estou tendo um “treco” - pensei. E ao me dar conta que houvera pensado, conclui que ao menos tal “treco” não deveria estar “bulindo” com a massa encefálica. Complicado, - tornei a raciocinar. Haverá coisa pior que estarmos “lenhados”, desfrutando do pleno juízo? Botei a mão no peito. O coração dava seus habituais sinais de vida. Ah! Deve ser a pressão arterial que despencou! Mulher! Acorda que eu não estou bem! Acho que minha pressão está muito baixa. Me tragas um café e um pouco de sal. E lá se vai a mulher, solícita, sonâmbula e preocupada em busca do que lhe pedira.

Foi botar na boca o primeiro gole de café com uma pitada de sal e o estômago, dando voltas como se fossem cabriolas, devolveu tudo o que eu houvera ingerido, parece, que nas últimas sei lá quantas horas. Mulher! – exclamei entre preocupado e assustado - estou passando mal. Liga aí para Dr. Clóvis Borja.

Clóvis é um competente médico são-gonçalense, amigo fraterno de longas datas. Ao ouvir a descrição dos acontecimentos, prontamente diagnosticou, pelo telefone. Você está com PVC - recomendando repouso absoluto, imobilidade, nada de chás, café, bebidas gasosas e receitando medicamentos. E, também nada de charutos, completou. Clóvis estava de saída e prometeu que à noitinha viria visitar-me. Naquela confusão fiquei com o “grilo” encucado na cabeça. Afinal, sabia do que se tratam as letras AVC, mas PVC, nunca ouvira falar. Todavia, como o negócio era tentar melhorar rapidamente, aquietei-me com os remédios, as maçãs, o suco de laranja e a canja de galinha que foram ingeridos nos tempos devidos.

Passadas umas tantas horas, já podendo ler, e com a calma de um pastor de ovelhas tentei, via bulas da medicação, “decifrar” o mal matinal. Houvera tido uma brutal crise de labirintite. À noitinha, ao receber a médica visita indaguei o que, de fato, significavam as letras PVC. E Clóvis, rindo-se a valer, esclareceu-me.

 - Ora, ora, meu caro Hugo, PVC significa a porra da velhice chegando!


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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