FUMAÇA MÁGICA 265

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

JURACI DÓREA

HUGO CARVALHO*

 

Pedindo licença aos orixás, vou me atrever a falar de um arquiteto que, para mim, é o mais perfeito tradutor da estética sertaneja. Não vou tratar de seus livros, suas instalações e achados visuais ligados ao couro; não irei também dizer das suas pesquisas do linguajar nordestino, nem das suas palestras, andanças e presenças em mostras de pinturas, daqui e de além-mar.

Adoro me postar à frente de seus quadros, placidamente fumando meu charuto. E é deles que vou falar. Dos quadros de um homem nascido na Feira de Santana, artista plástico inspirado, gente do interior da melhor cepa, que se converteu, por suas obras, numa referência da cultura popular regional, especialmente da literatura de cordel.

O que dito artista tem produzido não é para ser apreciado por qualquer um.

É preciso ter vivência nordestina, mesmo que breve.

Conhecer cajuí, macambira, juazeiro.

É preciso ter pisado em solo massapé, mesmo que pouco.

Conhecer caroá, favela, umbuzeiro.

É preciso ter lido livros de cordel, mesmo que um.

Conhecer xique-xique, mandacaru e jurema.

Coisas poucas, mas que revelam preparos e pendores para compartilhar a obra com o artista, alcançar o seu recado. É preciso ter a Alma Sertaneja da qual falei numa outra crônica.

É preciso que bandeirolas,

lua e estrelas,

corações entrelaçados,

mãos em preces para o alto,

candeeiros,

coração de mãe,

peixes lembrando fósseis,

caras de cangaceiros,

cobras e cabras da peste,

livrinhos de cordel,

cabeças de gado,

zig-zagueiem misturados,

como na velha feira da Feira de Santana,

formando o pano de fundo para o casal que, em cores, se abraça ou para o violeiro que, em preto e branco, dedilha o pinho.

As obras de meu amigo Juraci Dórea são assim. Retrato fiel do que há de mais puro das coisas do sertão.

E ao aprecia-las, desfrutando meu charuto, me deixo ficar, por tempo infindo, descobrindo renovados encantos e vendo a vida fazer sentido.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

E-mail: hugocharutos@uol.com.br

Telefones: (075) 9133 1209 ou 3246 1744  

Via Skype: hbcarvalho


São Gonçalo dos Campos