FUMAÇA MÁGICA 263

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

PAREDES VIRTUAIS

HUGO CARVALHO*

 

Tendo meu contra-torpedeiro se feito ao mar durante a II Guerra Mundial, é fácil imaginar que, navegando há tanto tempo, tenha sido bombardeado, tenha enfrentado tempestades, tenha feito água no casco, tenha adernado, tenha encalhado, tenha sofrido naturais estragos pela ação do sal, do sol e de tirombaços. Uns, fogos amigos, outros, nem tanto.

Meu falecido sogro, dono de sabedoria incomum, - seu cruzador parecia ter sido construído à prova de naufrágios - costumava dizer que para bem conhecer uma pessoa se necessitava, junto com ela, comer um saco de sal.  Quando naufragou, após seus quase 90 anos de navegação, ainda vivíamos os tempos da comunicação puramente pessoal.

Já na presente era da convivência virtual, o saco de sal comido a dois deixou de ser parâmetro para o recíproco conhecimento. Desconheço, ainda, qual a referência que o possa substituir com perfeição. Talvez venha a ser a troca de alguns zilhões de megabytes.

Nos mares de agora, atrever-se a enviar mensagens a um universo virtual, como faço com minhas crônicas com charutos, ou navegar em grupos de discussão, requer extremo tato. Afinal os interlocutores, o mais das vezes, não são conhecidos. Não apertamos suas mãos. Não olhamos seus olhos. Não ouvimos suas palavras. Não sabemos se são porta-aviões, rebocadores, destróieres, submarinos. Somos naves em mares distantes que, em vez do velho Código Morse, nos comunicamos pelas teclas de um computador de bordo. E quantas e quantas vezes, por apertarmos a tecla errada, disparamos petardos, provocando estragos com nossas inconfidências mal endereçadas.

Temos a impressão que, sem paredes físicas, não haja perigo de algum ouvido indiscreto saber nossos segredos. Mas as coisas não são bem assim. Eu mesmo, de meu barco e sem o querer, já detonei mensagens que me fizeram protagonista de quase naufrágios. E já li (ouvi, portanto) mensagens entre outros barcos simplesmente constrangedoras.

Tais desconfortáveis situações servem para nos alertar que todo cuidado é pouco, pois as paredes virtuais também têm ouvidos.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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São Gonçalo dos Campos