FUMAÇA MÁGICA 262

São Gonçalo dos Campos/BA.

 

ALMA SERTANEJA

HUGO CARVALHO*

 

Falar do sertão me dá água na boca. As coisas do sertão que conheci, já adulto, ao vir para a Bahia, me conquistaram corpo e alma, ou mente e coração como apreciam os jornalistas. Tanto que, para completar, fazendo sertanejo o último quarteirão de minha vida, casei com uma descendente de sertanejos e meus dois filhos últimos, nasceram em Feira de Santana, a “Princesa do Sertão”. Preciso dizer-lhes mais?

Agora imaginem só! Um gaúcho criado na culinária sulista, hoje se delicia com feijão tropeiro, carne de bode, carne de sol com pirão de leite, galinha caipira, ovos de quintal. E já que estamos falando das boas coisas do sertão, não custa lembrar que ao café da manhã, aqui, acodem o cuscus, o inhame, a fruta-pão, o mingau de tapioca, a farofa de carne seca, o jirimum, os bolos de milho verde, de carimã e de massa puba.

Pois é! O sertão tem o sabor destas coisas todas. Cheira à visguenta jaca, precioso alimento das “merendas” dos trabalhadores rurais; sabe ao agridoce umbu, chupado como fruto ou transformado em umbuzada; lembra as “fufutas” de milho ou de amendoim: grãos triturados no pilão junto com açúcar, comidas às colheradas no café da manhã.

O sertão se desmancha em sabores, como na mão da gente se desmancha a açucarada pinha, e nos surpreende com seus cajus, amarelos e vermelhos, disputadíssimos para as deliciosas cajuadas e, mais ainda para, recortados em fatias, complementarem os tragos das “caninhas” tomadas para “abrir o apetite”. Mas, se tudo isso fosse pouco, a graviola e a cajarana feitas sucos, freqüentam também os paladares sertanejos, nutridos pelos beijus de coco e pelos crocantes aipins-manteiga deliciosamente fritos. E quando, após tanto, me desfaço nas fumaças de meus charutos, odores e sabores se completam.

A vocalidade sertaneja, por outro lado, parece ter sido moldada por tais sabores natos da vida sem pressa. Os sons do linguajar do Sertão são modulados por tons e freqüências descansadamente musicais. Gostosos de ouvir. Delícias sonoras que, para abrandar os “nãos” da vida, fez o sertanejo aprender a colocar a desagradável negativa depois, e não antes do verbo.

Pergunte ao sertanejo sobre algo que, porventura, ele não saiba. Jamais sua resposta será um duro “Não sei!”. Dirá, isso sim, num sussurro, quase num pedido de desculpas, “Sei, não!”.

É assim a alma sertaneja. Doce e delicada. Incapaz de lhe fazer uma desfeita.


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HUGO CARVALHO - economista gaúcho que se fez baiano em 1965, aos 24 anos de idade. Missivista por força de ofícios quando jovem, hoje, aposentado, mata saudades do passado escrevendo crônicas.

 

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