FUMAÇA MÁGICA 255

São Gonçalo dos Campos/BA, 22 de outubro de 2006

 

MEIA TRÊS

HUGO CARVALHO*

 

Quando eu era menino chamava-se víspora ou lôto. Hoje em dia é bingo. Quem, por acaso, não terá se divertido em preencher cartelas usando caroços de milho ou de feijão para assinalar os números sorteados?

Para o número 22, “dois patinhos na lagoa”, grita o cantador.

Se for 33 a pedra sorteada, lá vem ele anunciando “a idade de Cristo”.

Saindo o número 24, prevalece o bicho a que tal número corresponde na loteria zoológica. Grita o cantador: Veado!

Para o 12, se anuncia “uma dúzia”.

Para o 1, “o jogo está começando”.

O número 3 é a “Santíssima Trindade”.

O 7 é a “conta de mentiroso”.

O 5 são “os dedos da mão”.

E a coisa por aí vai.

Tais analogias têm um caráter quase nacional.

Mas, na Bahia, - a Bahia, além dos bons charutos e das suas festas, tem coisas que até Deus duvida – há uma dezena famosa, que no bingo é cantada como “Ladeira”. O cantador não anuncia, pura e simplesmente, “Ladeira”, com um som breve para cada sílaba. Nada disso. Ao sair sorteado o 63 ele espicha a voz, num altissonante “Ladeeeeeeeeeeira!” Como se estivesse gritando “Madeeeeeeeeeeeeira”, quando, revoltando ambientalistas, uma árvore cortada vem ao chão. Ouvindo isso, todo bom baiano, crava o número 63. “Meia três” como se diz por aqui.

Mas o que teria a ver o “meia três” com a ladeira?

Partindo-se da zona comercial da Cidade Baixa, em direção ao centro de Salvador na Cidade Alta, há uma rua com 900 m de extensão construída na encosta que liga os dois planos urbanos, que apesar de haver sido batizada com o nome de um barão, o que não vem ao caso, foi e continuou sendo conhecida como Ladeira da Montanha. Na sua parte alta ela termina numa praça, aos pés da estátua do poeta maior da Bahia, Castro Alves.

Subindo-se tal rampa, à esquerda, o paredão construído com pedra, cal e óleo de baleia e à direita, casarões antigos com privilegiada vista da Baia de Todos os Santos. Ali proliferaram prostíbulos tendo os mesmos sido reduto das noites baianas nos tempos dos charutos e das cuba-libres. E justamente na casa de número 63 à porta, funcionou o mais famoso bordel daquela encosta, na Bahia de então. Em matéria de “damas”, foi ponto de freqüência, referência e convergência.

Por isso, na Bahia, tanto número “63”, quanto a palavra “ladeira”, logo lembram tal “castelo”.

Hoje a Ladeira da Montanha, em cenário de quase miséria humana, continua abrigando mulheres que vendem seus corpos, nuns poucos casarões que, enfrentando os anos, teimam em não cair. Os demais não sobreviveram à decadência. Em ruínas, a maior parte das velhas casas-grandes está fechada. Interditada, seria melhor dizer. De muitas, inclusive, nem mais se sabe quem são os seus donos.

Bahia, triste Bahia! - já disse um outro poeta.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


Hugo Carvalho - é economista e cronista. Já publicou mais de duzentas crônicas, nas quais o tema "charutos" é recorrente. Volta e meia costuma inserir em seus textos, aspectos particulares da sua visão da vida em São Gonçalo dos Campos-BA.

 

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Via Skype: hbcarvalho


São Gonçalo dos Campos


Amigos.

Quando, há alguns anos, comecei a escrever sobre charutos era movido por preocupações de cunho meramente comercial. Marketing direto e telemarketing eram palavras da moda. 

Preocupava-me em explicar como são feitos os charutos, como são fumados, etc. Tais textos, quando hoje os releio, me parecem estéreis, enfadonhos. Transcrições adaptadas à minha linguagem, daquilo que outros disseram e redisseram, muito antes de mim, sobre a matéria.

Com o advento da Internet, então, nem se fala. “Choveram” sites sobre puros. Basta Você acessar qualquer um e irá encontrar, quase sempre, as mesmas ladainhas. Quantas vezes, navegando em sites charuteiros, encontrei palavras minhas (?). Ledo engano querer ensinar o padre-nosso ao vigário. Quem melhor sabe de charutos é Você que os consome. 

Evadi-me da vala comum. Abandonei as preocupações mercantis; troquei o marketing direto pelo Marketing de Relacionamento e passei a escrever pelo prazer de escrever e de fumar charutos.

Puxa! Como a vida mudou.

Agora, salvo ocasional recaída que o retrogosto dos puros provoca, não retroajo. Interajo consigo. Procuro dar novo sentido a nosso relacionamento tentando demonstrar serem os charutos, para quem neles se iniciou, parte integrante do cotidiano.

Tenho relutado em ter criado meu site na Internet, pois não gosto de falar com estranhos sem ter sido previamente apresentado. Não me sinto confortável em me expor para aqueles a quem não conheço. Essa característica pessoal meus charutos não corrigiram. Ao contrário, respeitam-na, pois eles não são para todo mundo. São apenas para pessoas especiais, como Você dileto amigo, que os curte nos, por si eleitos, melhores momentos de sua vida.

HUGO CARVALHO