FUMAÇA MÁGICA 254

São Gonçalo dos Campos/BA, 18 de outubro de 2006

 

COMENDO ÁGUA

HUGO CARVALHO*

 

Na Bahia, como de resto no Nordeste, “comer água” tem o significado de beber-se algo que não seja a água propriamente dita. Aqui no recanto onde vivo, são muito comuns as interlocuções:

 - Onde V. estava?

- Estava “comendo água”.

 

- Que V. fez no domingo?

- Passei o dia “comendo água”.

E não é que, pesquisando, constatei que antigamente, enquanto a aguardente era “comida”, o fumo era “bebido”?

Pois acreditem, “beber fumo” foi a referência inicial para o uso do tabaco, o ato de fumar. Os cronistas dos sécs. XVI e XVII traduziam a deglutição da fumaça como um ato de se engolir um alimento.

Acontece que no idioma tupi, havia única palavra correspondente a beber e a comer. Já, no idioma quimbundo, os negros angolanos “bebiam” a dickanha (makanha no plural): a cannabis sativa que, para nós, de makanha virou maconha. Para eles fumar, portanto, era o mesmo que “beber” a maconha. O que, aliás, em certas rodas, continua tendo o mesmo sentido.

Tal identidade cultural favoreceu a permanência do “beber o fumo” entre os indígenas e os escravos africanos. A expressão, que depois se acomodou ao verbo fumar, às vezes sobrenada em versos populares. Como nesta quadrinha:

“Sinh´Aninha bebe fumo

No seu cachimbo de prata:

Cada fumaça que bota

É um suspiro que mata.”

E, é a mesma identidade cultural, que ainda hoje, por extensão, subsiste na linguagem popular, se traduzindo “comer água” por beber ou, pelo conhecidíssimo, “encher a cara”.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


Hugo Carvalho - é economista e cronista. Já publicou mais de duzentas crônicas, nas quais o tema "charutos" é recorrente. Volta e meia costuma inserir em seus textos, aspectos particulares da sua visão da vida em São Gonçalo dos Campos-BA.

 

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Via Skype: hbcarvalho


São Gonçalo dos Campos


Amigos.

Quando, há alguns anos, comecei a escrever sobre charutos era movido por preocupações de cunho meramente comercial. Marketing direto e telemarketing eram palavras da moda. 

Preocupava-me em explicar como são feitos os charutos, como são fumados, etc. Tais textos, quando hoje os releio, me parecem estéreis, enfadonhos. Transcrições adaptadas à minha linguagem, daquilo que outros disseram e redisseram, muito antes de mim, sobre a matéria.

Com o advento da Internet, então, nem se fala. “Choveram” sites sobre puros. Basta Você acessar qualquer um e irá encontrar, quase sempre, as mesmas ladainhas. Quantas vezes, navegando em sites charuteiros, encontrei palavras minhas (?). Ledo engano querer ensinar o padre-nosso ao vigário. Quem melhor sabe de charutos é Você que os consome. 

Evadi-me da vala comum. Abandonei as preocupações mercantis; troquei o marketing direto pelo Marketing de Relacionamento e passei a escrever pelo prazer de escrever e de fumar charutos.

Puxa! Como a vida mudou.

Agora, salvo ocasional recaída que o retrogosto dos puros provoca, não retroajo. Interajo consigo. Procuro dar novo sentido a nosso relacionamento tentando demonstrar serem os charutos, para quem neles se iniciou, parte integrante do cotidiano.

Tenho relutado em ter criado meu site na Internet, pois não gosto de falar com estranhos sem ter sido previamente apresentado. Não me sinto confortável em me expor para aqueles a quem não conheço. Essa característica pessoal meus charutos não corrigiram. Ao contrário, respeitam-na, pois eles não são para todo mundo. São apenas para pessoas especiais, como Você dileto amigo, que os curte nos, por si eleitos, melhores momentos de sua vida.

HUGO CARVALHO