FUMAÇA MÁGICA 248

São Gonçalo dos Campos/BA, 17 de setembro de 2006

 

SALVADOR DALI

HUGO CARVALHO*

 

"Como posso querer que meus amigos entendam

as coisas loucas que passam pela minha cabeça,

se eu mesmo, não entendo?“.

Salvador Dali (1904-1989).

 

Ouvindo os Beatles, no escuro, quero ver nos céus, nuvens se transformando em corcéis alados sobre azuis profundos e intraduzíveis; quero imaginar palmas de Santa Rita, rosadas, serem mastros e velas da nave rodeada por minúsculas canoas feitas de pétalas da mesma flor.

Fumando meu charuto, quero conceber, jorrando da boca de um vulcão, a lava se fazer mulher incandescente, de peitos nus, braços estendidos e mãos espalmadas para o céu tentando apoiar a lua; quero converter a areia da praia no meu leito, proteger meu livro com meu corpo e me cobrir com o diáfano manto das ondas desmaiadas.

Ouvindo os Beatles, quero ver cavalos (des)feitos de neve galopando as encostas geladas do Himalaia e com elas se confundindo; quero, para mim, a luz da vela que, por ser eterna, nunca se apaga e faz de si brotar um vulto de mulher, em sua resplandecente chama.

Fumando meu charuto, quero quixotescos moinhos de vento de pás transformadas em borboletas enormes, multicoloridas; quero ver o cabelo louro-fogo de uma mulher se liquefazer em transbordante cachoeira azul-gelo.

Ouvindo os Beatles, imagino homens segurando uma grande rede circular, fluida e ondeada como as águas do mar, em prontidão para a vinda de um golfinho lá dos céus e desejo que, no mesmo mar, a crista das ondas se converta em mulher-espuma-branca, entrelaçada a um homem-rochedo-negro, se fazendo dois amantes.

Fumando meu charuto, não quero ter medo de olhar o firmamento e ver furtivas mãos tentando abrir uma brecha entre as nuvens para lançar um olhar curioso e impertinente sobre as coisas que escondi, varrendo-as para debaixo do tapete de água na praia; quero imaginar o quanto restou da árvore cortada, a canoa e os remos na qual se converteu e enraizados nas curvas de nível da terra, por um homem nu remada, em direção ao nada.

Ouvindo os Beatles, fechando os olhos, quero para mim a mulher que abraça, entre as pernas, o livro de contos eróticos do Marques de Sade e que dentro dele, quando aberto numa página qualquer, ela se transforma em borboleta, enquanto tento decifrar as acrobacias, opostas e simultâneas, de supersônicos no céu e de golfinhos no mar. Quase iguais, quase peixes, quase aviões.

Fumando meu charuto, no escuro, tento entender o ovo que se parte ao meio e sua gema que se transforma em sol e claridade, para iluminar mil borboletas que borboleteiam nas velas de um barco sem timão. A mesma luz que é soprada de uma vela divina, protegida por mãos celestiais e que, formando um cone iluminado, mostra o caminho para o barco perdido em meio às ondas encapeladas da procela.

Silêncio!

Acendam as luzes!

Desliguem os Beatles!

Outro charuto, por favor.

Quem me dera entender Dali.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


Hugo Carvalho - é economista e cronista. Já publicou mais de duzentas crônicas, nas quais o tema "charutos" é recorrente. Volta e meia costuma inserir em seus textos, aspectos particulares da sua visão da vida em São Gonçalo dos Campos-BA.

 

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São Gonçalo dos Campos


Amigos.

Quando, há alguns anos, comecei a escrever sobre charutos era movido por preocupações de cunho meramente comercial. Marketing direto e telemarketing eram palavras da moda. 

Preocupava-me em explicar como são feitos os charutos, como são fumados, etc. Tais textos, quando hoje os releio, me parecem estéreis, enfadonhos. Transcrições adaptadas à minha linguagem, daquilo que outros disseram e redisseram, muito antes de mim, sobre a matéria.

Com o advento da Internet, então, nem se fala. “Choveram” sites sobre puros. Basta Você acessar qualquer um e irá encontrar, quase sempre, as mesmas ladainhas. Quantas vezes, navegando em sites charuteiros, encontrei palavras minhas (?). Ledo engano querer ensinar o padre-nosso ao vigário. Quem melhor sabe de charutos é Você que os consome. 

Evadi-me da vala comum. Abandonei as preocupações mercantis; troquei o marketing direto pelo Marketing de Relacionamento e passei a escrever pelo prazer de escrever e de fumar charutos.

Puxa! Como a vida mudou.

Agora, salvo ocasional recaída que o retrogosto dos puros provoca, não retroajo. Interajo consigo. Procuro dar novo sentido a nosso relacionamento tentando demonstrar serem os charutos, para quem neles se iniciou, parte integrante do cotidiano.

Tenho relutado em ter criado meu site na Internet, pois não gosto de falar com estranhos sem ter sido previamente apresentado. Não me sinto confortável em me expor para aqueles a quem não conheço. Essa característica pessoal meus charutos não corrigiram. Ao contrário, respeitam-na, pois eles não são para todo mundo. São apenas para pessoas especiais, como Você dileto amigo, que os curte nos, por si eleitos, melhores momentos de sua vida.

HUGO CARVALHO