FUMAÇA MÁGICA 237 |
São Gonçalo dos Campos/BA, 24 de julho de 2006 |
CARPINS |
Um
dos passatempos dos meninos cá de casa, é fazer-me ler, em voz alta, suas HQS.
A dupla diverte-se com minhas diferenciadas entonações e pausas dramáticas ao
interpretar os personagens Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Mônica, et céteras.
Com isso, sem eles se aperceberem, ensino-lhes pelo amor à leitura, o amor à
escrita, a impostação de voz, a teatralidade, a sinonímia, a dicção. Coisas
simples, mas de grande importância na vida adulta.
Outro
dia, um deles me indagou o que significava a palavra “estepe” que aparecera
no texto da historinha. Expliquei-lhe tratar-se de termo sulista, não freqüente
no dialeto das bandas nordestinas. Aqui, estepe é “força” ou “pneu de
socorro”.
E,
no mesmo instante, fui acorrido pela lembrança de fato enterrado no passado e
sem contra-resposta justa, no tempo devido, por ignorância minha.
Ano
da graça de 1962. Fora, profissionalmente, transferido dos pagos gaúchos para
a Paulicéia, então não tão desvairada. Entre outras funções, seria o
secretário do gerente da filial paulista. De dita pessoa guardo inesquecíveis
recordações. Chamava-se Paulo Viotti. Dono de invejável fluência verbal e
rico vocabulário, não admitia que se fizesse rascunho prévio de suas cartas.
As ditas me eram ditadas, diretamente, na máquina de escrever, ainda não elétrica,
(com papel carbono entre as folhas). Perfeccionista, patrulhava erros do vernáculo.
Formado em química, estava na profissão errada. Grande mestre.
Ria-se
quando eu, então menino novo, nos meus 21 anos, pouco vivido e criado no
dialeto gaúcho, falava em “canetas automáticas”. Corrigia. Para ele eram
“canetas-tinteiro”. Um dia, disse-lhe que necessitava comprar um par de carpins.
Boiou, como devem estar boiando, agora, muitos de meus leitores.
Expliquei
se tratar de meias masculinas. No sul da época, ao dizermos meias estávamos
nos referindo, apenas, às usadas pelas mulheres. (Ah! As meias de náilon
com suas ligas!) Homens usavam carpins. Viotti quase me matou com
suas gozações. E eu fiquei sem resposta.
Aquilo
ficou “travado” na minha mente. Donde, cáspita, gaúchos daqueles tempos e
de certas regiões, tiraram o termo carpim para conceituar a meia?
Anos
mais tarde descobri ter sido a corruptela da grafia e do significado de um
galicismo. Do francês escarpin nos chegara escarpim, palavra que
tinha como uma de suas acepções, “calçado de tecido que se usava por
debaixo das meias”.
Tarde
demais. Eu já morava na Bahia e Paulo Viotti, fulminado, ainda bastante jovem,
por um câncer de próstata, já se fora.
É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk
Hugo
Carvalho
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São Gonçalo dos Campos
Amigos.
Quando, há alguns anos, comecei a escrever sobre charutos era movido por preocupações de cunho meramente comercial. Marketing direto e telemarketing eram palavras da moda.
Preocupava-me em explicar como são feitos os charutos, como são fumados, etc. Tais textos, quando hoje os releio, me parecem estéreis, enfadonhos. Transcrições adaptadas à minha linguagem, daquilo que outros disseram e redisseram, muito antes de mim, sobre a matéria.
Com
o advento da Internet, então, nem se fala. “Choveram” sites
sobre puros. Basta Você acessar qualquer um e irá encontrar, quase
sempre, as mesmas ladainhas. Quantas
vezes, navegando em sites charuteiros, encontrei palavras minhas (?). Ledo engano querer
ensinar o padre-nosso ao vigário. Quem melhor sabe de charutos é Você que os
consome.
Evadi-me
da vala comum. Abandonei as preocupações mercantis;
troquei o marketing direto
pelo Marketing de Relacionamento e passei a escrever pelo prazer de escrever e
de fumar charutos.
Puxa! Como a vida mudou.
Agora,
salvo ocasional recaída que o retrogosto dos puros provoca, não retroajo.
Interajo consigo. Procuro dar novo sentido a nosso relacionamento tentando
demonstrar serem os charutos, para quem neles se iniciou, parte integrante do
cotidiano.
Tenho
relutado em ter criado meu site na Internet, pois não gosto de falar com estranhos sem ter sido previamente apresentado. Não me sinto
confortável em me expor para aqueles a quem não
conheço. Essa característica pessoal
meus charutos não corrigiram. Ao contrário, respeitam-na, pois eles não são
para todo mundo. São apenas para pessoas especiais, como
Você
dileto amigo,
que os curte nos, por si eleitos, melhores momentos de sua vida.
HUGO CARVALHO