FUMAÇA MÁGICA 227

São Gonçalo dos Campos/BA, 02 de junho de 2006

 

A TABACARIA

HUGO CARVALHO* 

 

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
e à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Fernando Pessoa – “A Tabacaria”

Aventurar-se a comprar charutos nessa era de atendimento telefônico informatizado é tão complicado quanto o suplício de uma saudade. Dei-me conta disso, outro dia, quando resolvi fazer o teste.

Tinha um destes 0800 da vida que me repassaram para quando precisasse repor estoques. Para começar tratei logo de acender meu charuto. Um bom charuto e uma boa dose de paciência ajudam muito em tais circunstâncias.

Teclado o número, ouço:

No momento todos os nossos ramais estão ocupados. O tempo de espera é de até três minutos.

Sou então brindado com uma música cubana do Buena Vista Social Club e em seguida com uma canção, enaltecendo a Bahia, do Dorival Caimy. Aspiro meu charuto. Relaxo. É justamente o que o pessoal d´A Tabacaria deseja.

Aí, volto a ouvir aquela vozinha (por favor, não confunda com a vovozinha).

Obrigado pelo chamado. Se V. já é cliente tecle 1; se não for, tecle 2.

Teclo o número 2. DOIS, repete a vozinha.

Por favor, vamos ter que fazer seu cadastro.

A partir daí, sempre teclando, informo CPF, RG, data de nascimento e sei lá mais o que. Feito o cadastro me manda ligar para o número 3. TRÊS, repete ela.

Se quiser charutos estrangeiros tecle 4; preferindo nacionais, tecle 5.

Como aprecio os nacionais, teclo o número 5. A vozinha repete como o fez com todos os mil algarismos que eu já teclara. CINCO.

Por favor, agora, tecle 6 para charutos com capas escuras ou 7 se preferir os de capas claras.

Feita a eleição, prossigo ouvindo e agindo.

Tecle 8 para charutos long filler ou 9 para charutos short filler.

E lá vou eu. OITO.

Agora, por favor, escolha o fabricante nacional desejado. Para charutos da fábrica Le Cigar digite 45678; para produtos da Menendez & Amerino digite 32594; para charutos da fábrica Chaba digite 58923; para produtos da fábrica... 

Confesso que a tal altura do campeonato eu já estava totalmente perdido. Meu charuto despencara sua cinza por sobre o papel no qual eu era obrigado a anotar os números a serem transmitidos.

A vozinha insistiu.

Se nenhum dos fabricantes relacionados é o desejado, por favor, tecle 10 para nosso atendimento personalizado.

Foi quando perdi a paciência. Desliguei e resolvi, por lealdade, mandar um e-mail para o Hugo, lá na Bahia, dizendo simplesmente: 

Hugo meu amigo, mande minha encomenda dos charutos sempre.


É autorizada a reprodução desta crônica em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e seu autor. www.hugocarvalho.tk


Hugo Carvalho - é economista e cronista. Já publicou mais de duzentas crônicas, nas quais o tema "charutos" é recorrente. Volta e meia costuma inserir em seus textos, aspectos particulares da sua visão da vida em São Gonçalo dos Campos-BA.

 

E-mail: hugocharutos@uol.com.br

Telefones: (075) 9133 1209 ou 3246 1744  

Via Skype: hbcarvalho


São Gonçalo dos Campos


Amigos.

Quando, há alguns anos, comecei a escrever sobre charutos era movido por preocupações de cunho meramente comercial. Marketing direto e telemarketing eram palavras da moda. 

Preocupava-me em explicar como são feitos os charutos, como são fumados, etc. Tais textos, quando hoje os releio, me parecem estéreis, enfadonhos. Transcrições adaptadas à minha linguagem, daquilo que outros disseram e redisseram, muito antes de mim, sobre a matéria.

Com o advento da Internet, então, nem se fala. “Choveram” sites sobre puros. Basta Você acessar qualquer um e irá encontrar, quase sempre, as mesmas ladainhas. Quantas vezes, navegando em sites charuteiros, encontrei palavras minhas (?). Ledo engano querer ensinar o padre-nosso ao vigário. Quem melhor sabe de charutos é Você que os consome. 

Evadi-me da vala comum. Abandonei as preocupações mercantis; troquei o marketing direto pelo Marketing de Relacionamento e passei a escrever pelo prazer de escrever e de fumar charutos.

Puxa! Como a vida mudou.

Agora, salvo ocasional recaída que o retrogosto dos puros provoca, não retroajo. Interajo consigo. Procuro dar novo sentido a nosso relacionamento tentando demonstrar serem os charutos, para quem neles se iniciou, parte integrante do cotidiano.

Tenho relutado em ter criado meu site na Internet, pois não gosto de falar com estranhos sem ter sido previamente apresentado. Não me sinto confortável em me expor para aqueles a quem não conheço. Essa característica pessoal meus charutos não corrigiram. Ao contrário, respeitam-na, pois eles não são para todo mundo. São apenas para pessoas especiais, como Você dileto amigo, que os curte nos, por si eleitos, melhores momentos de sua vida.

HUGO CARVALHO