CACHIMBOS REVELAM CULTURA DO HOMEM PRÉ-HISTÓRICO DA AMAZÔNIA

Artefatos cerâmicos provam que o hábito de fumar é cultivado há centenas de anos pelos índios e faz parte da cultura da tribo

O homem amazônico possui o hábito de fumar desde a pré-história, época em que o fumo foi incorporado à vida da tribo, durante manifestações ritualísticas. Os índios consumiam ervas durante rituais religiosos, fúnebres, de passagem, de curas, casamentos e de fertilidade.
Não se sabe ao certo o motivo que tenha levado o indígena a fumar, mas pesquisadores acreditam que o ato de fumar era, inicialmente, resultado de simples curiosidade e experimentação, passando depois a ter função social, sendo incorporado à cultura da tribo.

CACHIMBOS..............................................................................................................

Os indígenas utilizavam o fumo com diversas finalidades, mas principalmente para se comunicar com os seres sobrenaturais. Entre as várias ervas, o tabaco (Nicotiana rustica) era mais consumido, pois havia grande quantidade no Brasil. 

Os cachimbos serviam para os indígenas fumarem o tabaco, prática mais difundida, porém a erva podia ser aspirada, lambida ou mascada. Embora haja trabalhos etnográficos sobre o hábito de fumar de algumas tribos brasileiras como os Tapuia, Potyguara, Mundurucu, Juru e Cariri, entre outras, faltam referências históricas sobre a utilização do fumo pelos Tapajó e pelos chamados "sambaquieiros", indígenas que viviam em sambaquis, (acumulado de conchas em forma de cone, formado a partir de restos deixados pelos habitantes desses locais) habitantes do atual município de Alenquer (PA). A evidência material dessa prática são os cachimbos cerâmicos encontrados nas regiões de Alenquer e Santarém (PA), no baixo Amazonas.
A dissertação de mestrado intitulada "O fumo e os cachimbos cerâmicos na pré-história da Amazônia brasileira – Os 'sambaquieiros' de Alenquer e os Tapajó de Santarém" - defendida em julho do ano passado pela técnica do Museu Emílio Goeldi, Gilma d’Aquino, na Universidade Federal de Pernambuco - tenta investigar o porquê, quem, como e quando esses grupos amazônicos faziam uso do fumo e dos cachimbos cerâmicos. O trabalho parte da hipótese de que o fumo, por seu alto poder alucinógeno, era utilizado principalmente pelos pajés durante os rituais como forma de comunicação com os seres sobrenaturais.

A autora analisou 143 cachimbos cerâmicos da reserva arqueológica do Museu Goeldi, que foram divididos em duas grandes classes de acordo com a forma. Os cachimbos tubulares, coletados pelo frei Protásio Frikel, entre os anos de 1939 e 1941, são originários de um sambaqui fluvial na região do Lago Grande do Curuá, no município de Alenquer. Os artefatos não têm datação, mas o antropólogo alemão Peter Hilbert, pesquisador do Museu Emílio Goeldi na década de 50, filiou esses cachimbos a uma fase que data de aproximadamente 350 anos a.C. Já o arqueólogo Mário Simões, também do Museu Goeldi, enquadrou os artefatos numa fase mais antiga, de cerca de 980 anos a.C.
Os cachimbos angulares são provenientes da cultura Tapajó, na região de Santarém, foram coletados nas décadas de 30 e 40 e fazem parte da coleção "Frederico Barata" do Museu Goeldi. Os artefatos são filiados à tradição que data de 900 anos A.C. Além dessas formas, foram analisados um cachimbo antropomorfo; seis, zoomorfos; e dois cachimbos de forma composta (características angulares e tubulares).

Cachimbo antropomorfo angular representando uma figura feminina (tribo dos Tapajó).
Dos 26 cachimbos tubulares, 12 são falomorfos (forma do órgão sexual masculino), o que levanta a hipótese de que a forma alusiva ao pênis esteja ligada aos rituais de fertilidade. A forma fálica é rara na cerâmica amazônica, até então só havia sido encontrado um ídolo de cerâmica da cultura marajoara. O cachimbo falomorfo é o segundo caso de cerâmica dessa natureza encontrada na região, e o primeiro caso de cachimbo tubular cerâmico com forma fálica encontrado na Amazônia e no Brasil
Já os cachimbos angulares de Santarém podem ter sofrido a influência européia, por isso, alguns artefatos apresentam motivos de flora em alto relevo e figuras humanas com características européias. Outro aspecto importante é que a forma dos cachimbos deve estar relacionada ao tipo de erva utilizada pelos índios. Mas isso só pode ser comprovado através da análise residual dessas substâncias nos artefatos.
Apesar das hipóteses sugeridas, o trabalho de Gilma d'Aquino chama a atenção para a falta de evidências sobre os grupos que confeccionaram e utilizaram os cachimbos, uma vez que os artefatos analisados foram coletados sem rigor científico e fazem parte de coleções importantes sobre a Amazônia.
Coletado em Alenquer (PA), o cachimbo cerâmico tem cerca de 11 cm de comprimento e a forma de pênis.
Além dessas reflexões, que ensejam outros trabalhos complementares, a autora elaborou um "catálogo de referência", que faz parte da dissertação, contendo todos os cachimbos cerâmicos do acervo arqueológico do Museu Paraense Emílio Goeldi. Trata-se do primeiro trabalho a selecionar apenas um tipo de objeto (cachimbos) tentando estabelecer uma relação entre o hábito de fumar e a função do artefato

O fumo na Pré-história Amazônica

Cachimbos falomorfos identificados no Brasil estariam ligados a rituais de fertilidade


Cachimbo falomorfo (esq.) com 11 cm de comprimento coletado em Alenquer.
Cachimbo antropomorfo tapajó (dir.) com representação de figura feminina

Os cachimbos resgatados em sítios arqueológicos da Amazônia evidenciam que o hábito de fumar faz parte da cultura da região desde a Pré-história. Devido ao potencial alucinógeno de algumas ervas, especula-se que o fumo tenha sido introduzido na vida das tribos por meio de rituais para propiciar a comunicação com seres sobrenaturais. O tabaco, no entanto, era a substância mais consumida. Para investigar os usos sociais do fumo aliados ao processo material de produção dos cachimbos, a arqueóloga Gilma d'Aquino, do Museu Paraense Emílio Goeldi, examinou durante dois anos o acervo da instituição.

O museu, fundado em 1866 para abrigar o patrimônio científico relativo à Amazônia, possui uma coleção de cachimbos coletados nas décadas de 1930 e 1940. No entanto, até hoje só haviam sido realizados estudos sobre a estética dos artefatos. "Os cachimbos sempre chamaram minha atenção", revela a arqueóloga, que analisou 143 peças datadas em cerca de 900 anos a.C. com base na decoração e em técnicas de confecção. Ela admite que, além da falta de evidências sobre os grupos que utilizaram os cachimbos, o maior desafio foi transformar em um trabalho científico o material coletado sem metodologia.

"Observei que as duas áreas com maior concentração de cachimbos cerâmicos eram Santarém e Alenquer (PA)", conta. "Apesar de serem regiões muito próximas, os cachimbos encontrados eram diferentes." Santarém era habitado pelos índios Tapajó, que usavam cachimbos angulares caracterizados por vértices. O atual município de Alenquer abrigava indígenas que viviam em sambaquis -- acumulado de conchas em forma de cone -- e fabricavam cachimbos de forma tubular.

Entre os 26 cachimbos tubulares analisados, 12 se destacam pela forma alusiva ao órgão sexual masculino. São os primeiros cachimbos falomorfos descobertos no Brasil e especula-se que estivessem ligados a rituais de fertilidade. Até então, a forma fálica só havia sido encontrada em um ídolo de cerâmica da cultura marajoara. O curioso, como ressalta d'Aquino, é que, apesar de terem sido coletados há quase 50 anos, somente agora os cachimbos foram classificados como falomorfos. Além disso, ela observa que os artefatos apresentam uma rara ocorrência da forma fálica em objetos pré-históricos brasileiros, o que se opõe às recorrentes representações decorativas do ato sexual em registros rupestres e artefatos cerâmicos.


Cachimbo zoomorfo de cerâmica em forma de ave. O canal condutor
encontra-se na região anal do pássaro. (fotos: Janduari Simões)

Também foram analisados um cachimbo antropomorfo (com forma humana), seis zoomorfos (com formas de animais) e dois compostos (com características angulares e tubulares). Segundo d'Aquino, a originalidade do estudo consiste em relacionar o hábito do fumo ao processo de confecção dos cachimbos. Ela também elaborou um catálogo com todos os cachimbos do acervo do Museu Goeldi. "Achei de suma importância para estudos comparativos", justifica a pesquisadora, que pretende dar continuidade ao estudo no futuro.

Raquel Aguiar
Ciência Hoje on-line

http://www2.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n557.htm