Fluxo de ar: A chave para o prazer de fumar

Ken Campbell

(Traduzido: CA Alfredo A. Maia)

Este artigo foi publicado no site (www.naspc.org.) da Associação Norte Americana dos Colecionadores de Cachimbo e contém uma introdução do editor do site, que se aplica aos nossos confrades.

As medidas que no original foram dadas em polegadas foram convertidas em mm para maior clareza. (N.T.)

[Eu não sei o quanto este artigo pode ser controverso, mas eu sei que Ken Campbell trabalhou longa e duramente para escrevê-lo e eu estou muito satisfeito em publicá-lo. Seria muito interessante se os nossos muitos membros fabricantes de cachimbo pudessem responder com suas opiniões sobre o assunto. Nós encorajamos suas respostas, bem como dos fumantes mais experientes.

O Editor]

Desde os meus dias de colegial eu tenho fumado cachimbo de maneira intermitente, até 1986 quando comecei a fazê-lo em tempo integral. Eu sempre apreciei fumar cachimbo a despeito de uma série de problemas que encontrei. Os dois mais freqüentes eram o gerenciamento de mais fumadas de palitos que de tabaco e depois os encontros freqüentes com a “língua ardida”. Muitos foram os remédios que outras pessoas recomendaram: encher o cachimbo com mais cuidado, fumar mais devagar, não permitir que o cachimbo esquentasse muito, etc. Estas sugestões foram todas úteis, mas nunca resolveram o problema básico de como manter um cachimbo aceso e como prevenir os vários graus de desconforto que afligiam minha língua.

Minha primeira pista veio de um artigo que Ii na Pipe & Tobacco, na edição do inverno de 1996/1997, no inicio de 1997. O artigo era intitulado “Nature’s Designs (Projetos da Natureza) por Dayton H. Matlick e era a respeito de Lars Ivarsson, sua fabricação de cachimbos e um pouco de sua filosofia e conhecimento a respeito de fumar. Eu cito os senhores Matlick e Ivarsson em seu artigo: “Um fluxo de ar sem restrições através de todo o canal é essencial para um cachimbo fácil de fumar... ‘Uma vez que você escolhe o formato e o tamanho do cachimbo que você gosta, teste o fluxo de ar,’ diz Lars Ivarsson.  “Aspire com o cachimbo vazio com a força de uma tragada normal. Não deve haver nenhum ruído ou, no máximo, um som cavo e profundo. Isto significa que o fluxo de ar não está restringido, um elemento essencial para um cachimbo bom para se fumar. Se você tiver um som sibilante... significando um fluxo de ar restringido, você provavelmente terá dificuldades em mantê-lo aceso e provavelmente terá uma fumada úmida.”

De acordo com Lars, ‘Você tem turbulência na corrente de ar quando você excede uma certa velocidade. O som desta turbulência indica que a fumaça irá se separar. A fumaça consiste de micro-gotas de umidade contendo ar quente e aroma. Quando o ar passa rapidamente através de uma passagem estreita, a turbulência move as partículas mais pesadas, incluindo a umidade, para o perímetro, como na separação do creme do leite. Isto pode ser causado por um diâmetro muito pequeno ou cantos agudos na passagem da fumaça [o que é} um aspecto muito importante.[A física da perfuração de seu cachimbo terá definitivamente um impacto muito grande no sabor de seu cachimbo e no seu prazer de fumar. Para todos os seus cachimbos, Lars usa um canal de 4 mm de uma ponta a outra do cachimbo. Isto pode variar com o fabricante do cachimbo, mas o teste sonoro ainda é válido.

A parte do artigo que eu destaquei acima, chamou minha atenção e interesse, particularmente no que diz respeito a manter um cachimbo aceso por períodos mais longos, bem como apreciar o sabor do tabaco e o prazer de fumar. Eu notei que alguns de meus cachimbos realmente pareciam ficar mais tempo acesos que os outros, particularmente alguns de meus Dunhill ODAs e LBs que datavam do inicio dos anos sessenta. Infelizmente estes cachimbos eram uma pequena parte da minha coleção. Eu notei que a passagem de ar através do briar era maior nestes cachimbos que na maioria dos outros; mas eu não tinha meios de medir o fluxo de ar através da piteira. Eu também notei que estes Dunhils se mantinham acesos por mais tempo, mas, quando eu os fumava em comparação com outros produziam menos ardor na língua. O sabor do tabaco parecia mais pronunciado e eu o apreciava mais.

Eu atribuía estas observações às alegações da Dunhill feitas durante anos de que seus cachimbos eram feitos com o melhor briar que havia sido envelhecido durante anos e equipados com as melhores piteiras de vulcanite. Portanto eu não havia aceitado completamente a teoria do fluxo de ar.

Mais tarde, em 1997 em sua edição de outono, Pipes & Tobaccos publicou um artigo de Rick Newcombe intitulado “Easy Draw” (Puxada fácil ou Tragada fácil – N.T.). Neste artigo, P&T dizia: “O problema com muitos dos cachimbos hoje em dia é que eles não estão furados de maneira adequada para a experiência de uma fumada perfeita. A teoria de Rick Newcombe sobre a geometria do buraco da fumaça pode ajudar você a transformar um cachimbo de uma fumada média para uma fumada soberba.”  Eu era todo atenção e devorei o artigo.

Rick Newcombe afirmava: “quando você tem um cachimbo furado como descrevi (abrindo a piteira e o furo do fornilho para 4mm) você ficará admirado de quanto é fácil fumar esse cachimbo e quanto é fácil de mantê-lo aceso. Não há sensação melhor do que ser capaz de aproveitar um cachimbo, deixá-lo descansar um ou dois minutos, e então pegá-lo novamente e puxar gentilmente pois o tabaco ainda está aceso.”

Rick segue dizendo que ele perguntou a Jess Chonovitsch e Lars Ivarsson, dois artesões que ele considera os melhores do mundo (veja o trabalho deles em  http://www.scandpipes.com/masterframes.html - NT), porque eles não abriam dessa maneira os cachimbos que eles vendiam se eles faziam isso para eles? A explicação dada foi de que a abertura enfraquece a vulcanite ao ponto de que um fumante inexperiente ou descuidado corre o risco de morder a piteira e furá-la e atribuir isso a uma qualidade inferior .Eles são contra a que o comprador mande abrir seus cachimbos por um artesão experiente? De modo algum pois eles fazem isso para seus próprios cachimbos.

Mais adiante no artigo, Rick menciona Jim Benjamin, que tem sido seu mentor no assunto de cachimbos e tabacos. Jim vem abrindo seus cachimbos a 50 anos, tendo adotado essa prática no final dos anos quarenta. Ele afirma que o cachimbo aberto produz uma fumaça mais fria. O fluxo de ar sem restrições evita a ardência na língua, que ele diz acontecer por “puxar e puxar em um cachimbo com tirada inadequada, mais ou menos com tomar melaço por um canudinho.”

No tempo em que este artigo foi escrito, Rick e Jim estavam empregando furos de 4mm e de 4,5mm, dependendo do tamanho do cachimbo. Desde então eles tem experimentado com furos ainda maiores e agora são favoráveis a diâmetros de até 4,8mm, dependendo do tamanho e do formato do cachimbo. Entretanto, 4mm  é ainda considerado como o mínimo.

Intrigado, eu contatei Jim Benjamin para discutir o assunto de fluxo de ar mais profundamente. Desde então eu tenho falado muito com eles, os quais, a despeito de minha longa experiência, eu considero meus mentores e amigos especiais. Os primeiros cachimbos que eu enviei a Jim para abrir foram os Dunhills de que eu falei acima. Mas quando eu os recebi de volta e fumei, a comparação foi dramática. Eu chamei Jim e perguntei o que ele havia feito para melhorar tanto aqueles cachimbos. Ele disse que havia aberto tanto as piteira quanto os cabos para manter o fluxo de ar homogêneo através de toda a furação. Lembrem-se de que eu havia dito que os buracos de ar nestes bom cachimbos eram maiores que o normal, mas o furo do ar na piteira ainda era um pouco restringido. O mais importante era que o que Jim havia feito fora aumentar o buraco do ar através de todo o cachimbo, criando uma puxada homogênea e sem restrições.

Desde que Jim abriu todos os meus cachimbos, eu nunca desfrutei tanto de fumar cachimbo. Meu problema de ardência na língua evaporou-se. Meus cachimbos permanecem acesos por períodos de tempo muito mais longos, produzindo um fornilho mais frio, apenas morno ao tato,  e portanto uma fumada mais fria e mais saborosa.

Ter seus cachimbos adequadamente abertos, entretanto, não é uma panacéia pra se conseguir o maior prazer de fumar. É claro que você deve manter seus cachimbos tão limpos quanto possível, não apenas do ponto de vista do sabor, mas tão importante quanto isso, para manter os condutos livres de obstruções e afunilamento devido ao depósito de alcatrão. Encher o cachimbo com cuidado para assegurar uma puxada fácil e suave e fumar lentamente para evitar o sobreaquecimento são também requisitos para uma excelente fumada. Além disso, acender seu cachimbo com cuidado e igualmente e o uso judicioso de seu socador são também muito importantes. Mas não se engane: o fluxo perfeitamente homogêneo de oxigênio suficiente através de todo o interior é o fundamento de um cachimbo bom de fumar. Com a puxada fácil através do furo aberto, o cachimbo pode ser fumado mais frio com menor esforço, porque ele permanecerá aceso sem a necessidade de fortes baforadas.

Como o ditado diz, “A prova do pudim está no sabor.”  Se você não acreditar em mim, prove–o.

Uma coisa surpreendente é a controvérsia que parece girar ao redor do tópico do fluxo de ar, como fumaça em uma sala com muitas janelas abertas. É difícil fazer anéis de fumaça perfeitos em uma atmosfera como essa e difícil entender as objeções verdadeiras que são feitas contra a modificação do fluxo de ar.

Vamos ver os argumentos dos que são contra a abertura do buraco de ar. No final do artigo de Rick Newcombe, Chuck Stanion, editor de P&T, enumerou alguns deles. Primeiro, Ed Burac diz que a teoria é muito simplista. Em minha experiência, sem sombra de dúvida, a teoria funciona.

Agora Chuck apresenta um adversário mais forte, Jim Cooke. Eu falei com Jim pessoalmente. Ele afirma que um buraco de ar maior faz com que o cachimbo queime mais quente – tão quente que queimará o cachimbo. Eu pedi a ele provas sobre este ponto, e ele disse que sua própria experiência era tudo que ele tinha para oferecer. Ele me deu um exemplo. Aparentemente um cliente tinha vindo até ele com alguns velhos cachimbos Barings que ele havia comprado os quais haviam sido alargados no encaixe da espiga, mas cujas piteiras não haviam sido mexidas. Ele perguntou a Jim o que poderia ser feito para retornar seus cachimbos a sua condição original, pois eles davam fumadas muito úmidas e muito pobres. Jim disse que nada poderia ser feito; o furo no cabo não poderia ser reduzido.

Eu mencionei que a chave do sucesso deste processo era limar o interior da boquilha até o tamanho correto, para que cada centímetro do fornilho até seus lábios tivesse o mesmo volume, evitando distorções no fluxo de ar. Jim concordou que isto era correto. Mas então retrucou que o cachimbo esquentaria muito e queimaria.

Jim estava fazendo um cachimbo para mim nessa época e eu pedi que ele furasse o buraco de ar até 4 mm. Ele se recusou dizendo que ele não colocaria seu nome em um cachimbo furado tão largo. Eu retruquei que ele normalmente usa um furo apenas 0,4mm menor. Ele disse que isso era uma grande diferença.

Minha resposta é que Jim Benjamin tem estado fazendo seus cachimbos por 50 anos e até agora nenhum deles se queimou. Eu estou nisto por 5 anos, período muito curto para dizer a verdade, mas até agora eu também não tive nenhuma queima. Atualmente eu tenho um cachimbo que Jim Cooke fez para mim com 4,8 mm. Ele não reconheceria seu cachimbo pois eu fiz várias modificações na aparência e na capacidade. Mas se ele o fumasse sem saber qual era, posso garantir que ele diria ser esse um dos melhores cachimbos para fumar que ele já havia testado.

Eu também falei com Bill Taylor a respeito de fluxo de ar. Ele não foi particularmente enfático para qualquer lado. Ele diz que ele usa 4mm como padrão para todos os seus cachimbos Ashton.

Um outro cara, Richard Esserman expressou objeções à pratica do alargamento do canal. O que diz é realmente muito didático. Ele diz que se alguém pensa em modificar um cachimbo que está prestes a ser comprado, ele não deveria comprá-lo. Esta pode ser a posição de um colecionador de objetos de arte. Naturalmente que ninguém tentaria modificar ou “melhorar” o aspecto de um dos trabalhos de Rembrant. Eu posso até entender que este princípio seja invocado se alguém possuir uma peça de museu de um cachimbo de meerschaum trabalhosamente esculpido .Mas levar isto para um cachimbo de uso diário???  Bem, cada um na sua. (Kadum é Kadum. – NT)

Eu devo mencionar que a quantidade de trabalho envolvido em “abrir” um cachimbo de briar é substancial. Abrir o cabo de um cachimbo reto não é um problema e deve tomar apenas um ou dois minutos . Mas muito mais demorado é o trabalho a ser feito na piteira de vulcanite para assegurar uma passagem de ar consistente. Em minha opinião, esta é a parte mais crítica e importante do processo. Geralmente isto me toma quase duas horas. Entretanto eu não aconselharia qualquer pessoa com pouca ou nenhuma habilidade em trabalhos de madeira a tentar a tarefa.

Para concluir, o mestre artesão Lars Ivarsson usa um canal de 4mm de uma ponta a outra do cachimbo. O fluxo de ar deve ser consistente através de todo o canal.

Uma vez que você  tenha um cachimbo corretamente aberto, enchido corretamente e aceso, você perceberá que suas preocupações foram um preço muito pequeno a pagar por uma das melhores fumadas que você já teve. Tente isto no seu pior cachimbo. O resultado fará de você um crente.

Eu acho que Rick newcombe resumiu o problema muito bem em uma afrimação que ele me fez recentemente. “Eu prefiro fumar um cachimbo sem marca que tenha sido aberto que um S. Bang que não tenha sido aberto. Mas claro que minha primeira escolha seria um S.Bang  aberto da maneira que eu gosto”. (S.Bang – famoso artesão dinamarquês que deu inicio a fabrica que leva seu nome. Ver seus cachimbos em http://www.danishpipemakers.com/makers/bang/index.shtml)