Meerschaum

Nas primeiras décadas do século XVIII um novo material começou a ser usado na fabricação de cachimbos: era o meerschaum. Tratava-se de um mineral extremamente branco que resultava em cachimbos delicados e muito bonitos que se tornaram a febre dos fumantes da época.

O produto a que nos referimos é um silicato hidratado de magnésio, comumente chamado pelo nome alemão de meerschaum que significa espuma do mar. O nome provavelmente teve origem no fato desse material ser de um branco intenso ou levemente rosado, ser muito poroso e leve o suficiente para flutuar nas águas do Mar Negro, onde foi visto à deriva.

A origem deste material é desconhecida, mas alguns acreditam que tenha se formado a milhões de anos pelo depósito das conchas de microorganismos marinhos no fundo de um oceano, que mais tarde, por movimentos sísmicos tornou-se terra firme. Outros acreditam que o meerschaum é única e tão somente um mineral surgido entre 10 e 20 milhões de anos atrás. Por razões que só a natureza pode explicar, o produto extraído da região de Eskisehir (entre |Istambul e Anatólia) na Turquia, é o único que resulta em cachimbos de alta qualidade. Meerschaum originário da República Tcheca e dos Estados Unidos, nem de longe se comparam com o produto extraído na Turquia. Também na Grécia se encontram ocorrências de meerschaum, mas como as outras não são tão abundantes e nem possuem a mesma qualidade do material turco.

O meerschaum recém-extraído é macio e endurece se deixado secar ao sol ou em estufas. Quando umedecido novamente volta a tornar-se macio, o que permite que seja esculpido com maior facilidade. O mineralogista alemão E.F. Glocker deu ao mineral o nome de sepiolita, originado do grego “sepion” ou “esqueleto de peixe”.

Algumas regiões produtoras da Turquia são exploradas desde 1650 mais ou menos, o que deixa em suspenso a idéia de que os primeiros cachimbos nesse material foram feitos pelos turcos na forma de seus tradicionais chibouk (um cachimbo de longas e decoradas piteiras, com fornilho de argila).

A lenda entretanto atribui a glória do primeiro cachimbo de meerschaum ao húngaro Conde Gyula Andrassy, um nobre de Budapest, que no seu retorno da Turquia em 1723, onde fora em missão diplomática, recebeu de presente dois blocos de meerschaum.

Diz a história que o conde deu os dois blocos  a um sapateiro de Budapest que era um exímio escultor de madeira nas horas vagas e lhe pediu que fizesse dois cachimbos dos blocos. Porque o conde pediu a Karel Kovacs (esse o nome atribuído ao sapateiro) que lhe fizesse um cachimbo e não uma outra escultura qualquer fica por conta da lenda.

A partir daí a história tem dois caminhos.  O primeiro deles diz que o sapateiro fez os dois cachimbos e os entregou ao conde  que, em reconhecimento (ou pagamento) dos seus serviços, deu-lhe um dos cachimbos. O sapateiro fumava seu cachimbo durante o trabalho e acidentalmente o sujou com cera de abelha que usava. Algum tempo depois notou que isso melhorou a cor do cachimbo e ele o cobriu todo com cera, notando também que o sabor do tabaco mudava para melhor.

O segundo caminho diz que o sapateiro sujou acidentalmente o primeiro cachimbo que fez por estar com os dedos sujos de breu de sapateiro, o que deixou o cachimbo com marcas amarelas e ele não o entregou ao conde, guardando-o para si. Para fazer o cachimbo do conde Andrassy ele lavou as mãos cuidadosamente para não manchar a peça. Ao fumar o seu cachimbo durante algum tempo o sapateiro percebeu que o breu havia acentuado a cor dourada do cachimbo. Terminou o segundo cachimbo e o entregou ao conde.

Este ficou tão satisfeito com seu cachimbo que passou a trazer meerschaum para ser esculpido pelo seu hábil sapateiro e em pouco tempo muitas pessoas do relacionamento do conde estavam desfrutando do prazer de fumar seu tabaco predileto nessas novas obras de arte, muito melhores que os cachimbos de cerâmica e madeira até então conhecidos.

Verdade ou não, a história contem todos os ingredientes verdadeiros a respeito do cachimbo de meerschaum desde a beleza da peça, passando pela mudança de cor até a pureza de sua fumada.

Após 1750 os cachimbos de meerschaum haviam se tornado febre dos fumantes europeus de posses, visto que seu preço era muito superior ao dos cachimbos de argila.

 A fabricação de cachimbos de meerschaum se espalhou pela França, Inglaterra e Áustria, sendo que Viena se transformou no maior centro produtor porque era nessa cidade que havia uma indústria que complementava maravilhosamente a produção do cachimbo de meerschaum: a produção de âmbar, matéria prima perfeita para a confecção das piteiras dos cachimbos de meerschaum de melhor qualidade.

Fabricação

A fabricação de cachimbos de meerschaum tem início na extração dos blocos do mineral. Utilizando-se de um processo tão antigo quanto familiar, passando a técnica de pai para filho durante gerações.

Os veios de meerschaum encontram-se em profundidades que variam de 30 a 100 metros. A extração tem início com a escavação de um poço vertical com mais ou menos 1 m de diâmetro até se chegar ao veio, quando então os mineradores começam a cavar uma galeria horizontal. Todo o trabalho é manual com ferramentas nada sofisticadas. Calcula-se que existam na região de Eskisehir cerca de 15.000 poços que dão acesso a muitos quilômetros de galerias. Muitos se preocupam com o possível fim das jazidas de Eskisehir, mas diz-se que novas jazidas foram descobertas na Turquia (e mantidas em segredo) o que asseguraria o suprimento de meerschaum por muito e muitos anos.

Grandes blocos são extraídos dessas galerias, os quais necessitam de uma limpeza pois se apresentam sujos, cobertos de argila e com incrustações de serpentina (silicato de magnésio).

Como a melhor parte para a produção de cachimbos é a parte interna do bloco, a qual é livre de impurezas (tais como areia), a parte externa do bloco é removida e descartada. A tarefa é facilitada pelo fato do meerschaum ser úmido e macio quando é extraído.

Estes blocos limpos e livres de impurezas mais grossas são então lixados e colocados a secar ao sol ou em estufas por um período de até três semanas, ao fim do qual, devido à perda de sua umidade natural, tornam-se mais duros. Neste ponto do processo os blocos sofrem a primeira inspeção para a remoção de falhas ou impurezas que possam interferir na qualidade do produto. Muitas vezes, devido à remoção  dessas impurezas, que pode deixar vazios, ou por falhas internas , os blocos maiores devem ser cortados em peças menores para melhor aproveitamento.

O passo seguinte é encerar e polir os blocos, ressaltando a textura do material, o que permite, numa segunda inspeção, uma classificação qualitativa dos mesmos, levando em conta a sua porosidade, cor, peso e consistência da textura, num total de cinco níveis de qualidade.

Uma vez estabelecida esta classificação, cada um dos blocos é separado mais uma vez de acordo com  o seu tamanho, que determinará o tipo de cachimbo que será fabricado com ele.

Já na fábrica, os blocos são molhados novamente para amolecer e assim são cuidadosamente cortados a mão com serras especiais, até chegar ao formato aproximado do cachimbo pretendido. Um segundo artesão mais experiente, refina o formato até chegar muito próximo do formato final que será obtido por um mestre artesão que dará o acabamento final. Faz parte das atribuições deste a escavação do fornilho e a perfuração do duto de ar no cabo do cachimbo: qualquer desvio e a peça vira refugo para ser moído.

Aliás, todo pó resultante do processamento dos blocos de meerschaum é cuidadosamente recolhido, misturado com, um ligante e prensado para “reconstituir” os blocos de meerschaum.  Este produto reconstituído é muitas vezes chamado de “espuma de Viena”, em referência ao lugar que lhe deu origem, e é usado na produção de cachimbos de formatos mais tradicionais e menos “esculpidos” que utilizam mais máquinas e menos talento artístico para serem feitos. Um pouco deste pó e ligante é usado para mascarar pequenas imperfeições que possam surgir ao longo do processo de fabricação. O cachimbo em sua forma final é colocado para secar novamente, para endurecer os meerschaum.

A partir deste ponto os processos variam de acordo com o fabricante, mas em geral consistem em um banho de parafina fundida em espermacete de baleia (líquido oleoso extraído da cabeça da baleia cachalote), da colocação do encaixe da piteira, do polimento com os tecidos mais macios possíveis pra evitar riscos e finalmente um banho em cera de abelha e da colocação da piteira, que nos modelos mais caros é feita de âmbar e mais recentemente de acrílico ou lucite.

Nos cachimbos esculpidos com figuras, animais ou o que quer que seja, todo o trabalho é feito por um mestre artesão, mas que segue os mesmo passos descritos acima e que guarda zelosamente as fórmulas dos banhos que permitirão ao cachimbo de meerschaum adquirir a cor dourada tão almejada por todos os fumantes desses cachimbos.

Características

Os cachimbos de meerschaum possuem algumas características únicas em razão do material de que são feitos, e que tornam o hábito de fumar um cachimbo desse material, um pouco (mas não muito) diferente do hábito de fumar um cachimbo de briar. Em virtude disso existe também muita lenda e folclore ao redor do meerschaum que muitas vezes atrapalham o prazer de possuir e fumar um desses cachimbos.

Nos itens abaixo estão relacionadas algumas características e alguns pontos diferenciados de um cachimbo de meerschaum com a opinião (inclusive a minha) de alguns autores, fabricantes e colecionadores.

 

·         Mudança de cor: por ser feito de um dos materiais sólidos mais porosos da natureza, o cachimbo de meerschaum vai gradualmente mudando de cor, do branco até um marrom dourado, à medida que é usado. Esta mudança é devida à absorção pelas paredes do cachimbo do alcatrão e nicotina do tabaco. A cor final e o tempo que se leva para chegar até ela, dependem de uma infinidade de fatores,  entre os quais podem ser citados: o bloco de meerschaum, o tabaco usado, o seu modo de fumar , a freqüência com que você fuma esse cachimbo, o processo e os banhos de cera, etc. Alguns cachimbos podem mudar de cor muito rapidamente e estarem totalmente mudados em 2 ou 3 meses, outros porém podem levar um ano ou mais. Eu pessoalmente gostaria que meus cachimbos de meerschaum nunca mudassem de cor e mantivessem sempre o branco imaculado que tinham antes de serem  fumados, mas como sei que isso não é possível, só me resta acompanhar a mudança. Alguns fumantes entretanto fazem de tudo para apressar o processo.

·         Amaciamento: não há necessidade de se fazer o amaciamento de um cachimbo de meerschaum, pois eles não necessitam da formação da crosta de carvão para proteger as paredes do fornilho, pois sendo um mineral não são afetados pelo calor como os cachimbos de briar. O melhor é evitar que a crosta de carvão (ou o bolo como chamam alguns) se forme e para isso aconselha-se limpar o fornilho com um pano seco após fumar. No entanto se a crosta se formar, o melhor é retirar o máximo possível sem chegar a raspar o meerschaum das paredes e manter essa crosta no mínimo possível pois devido ao coeficiente de dilatação bem diferente entre o carbono da crosta e o meerschaum das paredes do cachimbo, o fornilho poderá rachar se a crosta atingir uma espessura excessiva.

·         Manuseio: alguns colecionadores usam luvas brancas de tecido macio para manusear seus cachimbos de meerschaum. Acho isso um exagero impraticável para o fumante. A não ser que você tenha as mãos muito oleosas (ou muito sujas) não há problema, mas para se garantir, acostume-se a segurar o cachimbo pela piteira.

·         Acender: Nada diferente do que acender qualquer outro cachimbo. Como sou contra o uso de isqueiros tipo maçarico em qualquer cachimbo, também desaconselho o seu uso com cachimbos de meerschaum. Embora alguns digam que estes cachimbos não queimam, considero o uso desses isqueiros como um acidente esperando acontecer; e vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

·         Cuidados: Creio que tanto quanto os cachimbos de cerâmica, os cachimbos de meerschaum são muito delicados quando se trata de quedas ou golpes bruscos. Por esta razão nunca bata o fornilho de seu cachimbo sobre uma superfície dura para tirar as cinzas. Se elas não saírem apenas virando o cachimbo, não bata o fornilho em nada mais dura que a palma de sua mão e assim mesmo com muito cuidado para não quebrar o  cabo. Para tirar a piteira (depois que o cachimbo estiver frio) segure o  mesmo pelo cabo e gire a piteira a medida que puxa. O processo é o mesmo para colocar a piteira.

·         Limpeza: por absorverem a umidade, os cachimbos de meerschaum não precisam descansar entre uma fumada e outra, mas sempre é bom passar um escovilhão seco (veja o que é no item “Acessórios”) pela piteira para tirar o excesso de sujeira. Se for usar álcool no escovilhão use com economia pois se o álcool for absorvido pelo meerschaum e evaporar muito rapidamente durante a fumada, o cachimbo pode rachar. No caso de usar álcool para limpeza, é melhor deixar o cachimbo secar depois.

 

Mais que um cachimbo, um cachimbo de meerschaum é na maioria das vezes uma obra de arte que merece ser admirada, tanto quanto merece ser fumado.  Mesmo os cachimbos mais lisos e sem incrustações ou linhas esculpidas tem uma beleza própria tanto em seu branco intenso e imaculado quanto no dourado que adquire após algumas cachimbadas.

Alfredo Maia - alfamaia@yahoo.com.br